domingo, 22 de fevereiro de 2015

Câmara de Juiz de Fora - Muitas leis, pouca aplicabilidade

POR RENATO SALLES REPÓRTER


“Essa lei entre em vigor na data de sua publicação.” Na maioria dos casos, esta frase finaliza os projetos aprovados pela Câmara Municipal e está presente em boa parte das normas ordinárias promulgadas em Juiz de Fora no ano passado. Muitas vezes, no entanto, o texto funciona como nota de rodapé. Várias das regras do inumerável emaranhado que forma a legislação do município, após 164 anos de funcionamento do Palácio Barbosa Lima, já caíram em desuso ou sequer foram colocadas efetivamente em prática. É o caso da lei que restringe o uso de água tratada a atividades consideradas essenciais em períodos de estiagem, cenário observado na cidade recentemente. De autoria do vereador Antônio Aguiar (PMDB), o dispositivo tem por objetivo conter abusos como a lavação de calçada com mangueiras, prevendo, inclusive, sanções financeiras aos infratores. Apesar de a sintonia com a atual crise hídrica que assola a Região Sudeste, a lei permanece no papel desde sua publicação nos “Atos do Legislativo”, em novembro passado. Conforme matéria publicada pela Tribuna no último dia 6, Aguiar afirma que cabe à Cesama a execução da regra. De outro, o Município diz que o texto possui pontos inaplicáveis. Este é apenas mais um dos casos em que o abismo entre a teoria do Legislativo e a prática do Executivo se evidencia.
Só no ano passado, 173 leis ordinárias aprovadas pela Câmara foram publicadas e oficializadas como legislação municipal. Metade dos textos, entretanto, pouco ou nada diz respeito ao cidadão comum, tratando-se de homenagens e reconhecimentos a pessoas, entidades ou segmentos sociais distintos. Em 2014, foram promulgadas 37 normas relacionadas à denominação de espaços públicos, 37 que concedem títulos honoríficos e outras 13 que destacam datas específicas no calendário oficial do município. Da outra metade, 50 são referentes a proposições do Executivo. A maioria diz respeito a ações de caráter da gestão municipal, como peças orçamentárias e reajustes salariais do funcionalismo. Do restante, ainda é possível excluir duas regras direcionadas à organização administrativa do Legislativo, restando 34 peças de autoria dos vereadores que poderiam ter efeito visível no cotidiano dos juiz-foranos. A maioria, entretanto, mostra-se refém de si mesma, travadas no limbo da inaplicabilidade por falta de regulação por parte do Poder Executivo ou pela falta de uma efetiva fiscalização.
Sem efeito prático
Das 34 leis originárias de autoria do Legislativo publicadas no ano passado, pelo menos 14 são passíveis de regulamentação por parte da Prefeitura para que possam ter efeito efetivo ou sua aplicação facilitada. Entretanto, uma rápida pesquisa no diário de publicações dos atos do Executivo mostra que, até aqui, nenhuma delas foi alvo de decreto regulamentador, o que também acontece com inúmeras regras aprovadas em anos anteriores.
Em 2014, segundo ano da gestão Bruno Siqueira (PMDB) à frente do Município, foram publicados 19 decretos editados para regulamentar – ou revisar regulamentações anteriores – leis aprovadas pela Câmara de 1994 para cá. O único caso que diz respeito a uma legislação publicada no ano passado não trata de um projeto oriundo do Legislativo, mas de mensagem do Executivo que autoriza o Município a conceder bolsas para profissionais do programa “Mais médicos”.
Entre os projetos que carecem de regulamentação do Executivo estão os que tratam da instituição de políticas públicas para a terceira idade; da instalação de interfone e luzes de emergência em elevadores de prédios público; da obrigatoriedade de mesas e cadeiras para uso exclusivo de gestantes, idosos e deficientes nas praças de alimentação de shopping centers; da proibição da utilização de máscaras e capuzes em manifestações realizados em prédios públicos; e da proteção e bem-estar de animais em estabelecimentos comerciais.
Como nenhuma destas legislações estipulam prazo para a regulamentação por parte do Prefeitura, a aplicabilidade da lei fica comprometida. Na maioria dos casos, nos três entes federativos que compõem a União, a necessidade de regulamentação ocorre pois, apesar da intenção do parlamentar em legislar a favor da coletividade, o mesmo reconhece a dificuldade na execução da norma e transfere ao Executivo a responsabilidade de detalhar os diversos aspectos práticos pertinentes à aplicação da norma. Assim, o acúmulo de leis não regulamentadas se tornou realidade em cidades, estados e na União.

Por mais fiscalização pelo Executivo

Em conversas reservadas, alguns vereadores reconhecem que, apesar do intuito de equacionar problemas e sanar as necessidades oriundas da sociedade, há dificuldades na aplicação de algumas das leis propostas pelo Legislativo pela falta de capacidade de fiscalização do Executivo. Mesmo conscientes do entrave, os parlamentares defendem a criação dos dispositivos como ferramenta de conscientização. Em alguns casos, os próprios legisladores assumem o papel de fiscais. Por outro lado, o entrave para a aplicação das regras está justamente em seu nascedouro, quando os textos originais não sugerem a necessidade de regulamentação, nem tampouco distinguem quais órgãos serão responsáveis pela inspeção da legislação proposta.
Neste sentido, independentemente da capacidade ou não de fiscalização do Poder Executivo, duas leis do vereador José Márcio (PV), promulgadas no ano passado, parecem ter “colado”, mesmo que ainda careçam de regulamentação por parte do Executivo. Uma delas é a que proíbe a realização de rodeios, touradas ou festas similares que envolvam maus-tratos e crueldade aos animais em Juiz de Fora. Desde a edição da medida, nenhum evento com tais características foi realizado no município, muito pela conscientização e conversas com empresários do ramo. Da mesma forma, a legislação que veda a realização de trotes universitários em áreas públicas, parece ter contribuído, senão pela eliminação, pelo menos para a diminuição da prática nas ruas da cidade.
Conscientização
Apesar de admitir as dificuldades da Prefeitura com relação à fiscalização de todas as leis em vigência no Município, alguns parlamentares afirmam que têm por hábito ir a campo para verificar o cumprimento de normas de suas próprias autorias. Uma vez mais, em tom de conscientização. Por outro lado, de forma geral, é papel dos legisladores, em todas as esferas, acompanhar os trâmites das propostas aprovadas pelos parlamentos após suas promulgações.
Constitucionalmente, além da elaboração das normas, também é de responsabilidade do Legislativo fiscalizar as ações administrativas e a aplicação e o cumprimento da legislação vigente por parte do Executivo. Assim, inclusive, seria importante cobrar a regulamentação das normas jurídicas nos casos em que tal ferramenta seja necessária, já que muitos juristas entendem ser inconstitucional a aplicação de lei não regulamentada.

Entendimento entre poderes facilita execução

Enquanto algumas leis aguardam anos para serem regulamentadas e, efetivamente, colocadas em prática, o entendimento prévio entre os poderes Legislativo e Executivo pode facilitar a aplicabilidade de novas propostas. No ano passado, o então vereador Noraldino Júnior (PSC), hoje deputado estadual, apresentou projeto de lei instituindo a Política Municipal de Utilização Sustentável dos Veículos de Tração Animal (VTA), prevendo a retirada de circulação de carroças das vias públicas da cidade em cinco anos. Por definir prerrogativas pertinentes de responsabilidade exclusiva do Poder Executivo, a peça acabou sendo alvo de veto total por parte do prefeito.
A partir daí, conversas entre o parlamentar e a Prefeitura resultaram na confecção de uma mensagem para tratar do tema e regulamentar a utilização deste tipo de veículo nos próximos cinco anos, apontando alternativas para os profissionais que têm na exploração do modal o sustento de suas famílias. Mais uma vez, o texto foi aprovado pelo Palácio Barbosa Lima, e a lei deve entrar em plena execução em dois meses, já que, a partir do dia 21 de abril, as carroças só poderão circular mediante autorização prévia do Município.
Apesar do sucesso no caso da validação de uma política pública com relação aos veículos de tração animal, o entendimento entre Legislativo e Executivo acerca de propostas feitas por parlamentares é visto com reservas. Para evitar qualquer tipo de ingerência de um poder sobre o outro, muitos parlamentares alega m que consultas prévias prejudicam a independência que deve marcar as relações entre Legislativo e Executivo.
http://www.tribunademinas.com.br/muitas-leis-pouca-aplicabilidade/

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