quarta-feira, 19 de julho de 2023

Forças Armadas não são gangorra em disputas ideológicas - Por Otávio Santana do Rêgo Barros

 


“Senhor, umas casas existem no vosso reino, onde homens vivem em comum, comendo do mesmo alimento, dormindo em leitos iguais […]”

(Carta ao Rei de Portugal, por Moniz Barreto)

Esta semana fui convidado para a cerimônia de passagem para reserva de um antigo comandado. Evento simples, realizado em um auditório do Quartel-General do Exército, com a presença de civis, militares, antigos chefes e familiares do homenageado, cobriu-se de simbolismos e reavivou, mais uma vez, a chama dos valores e tradições que ornam a profissão das armas.

Em suas palavras de agradecimento, o militar sobrevoou a apaixonada carreira, iniciada há quase 40 anos, quando ingressou na Escola Preparatória de Cadetes do Exército com apenas 14 anos de idade. Falou emocionado dos desafios profissionais, das conquistas, das frustrações, das amizades construídas, da família constituída, das experiências múltiplas vividas e deixou uma mensagem aos ouvintes atentos: “Afasto-me consciente do dever cumprido, devedor inconteste da instituição e esperançoso que o país se supere e prossiga no caminho da paz e do bem-estar sociais”. Suas palavras lembraram o general Osório, um dos mais importantes líderes militares na história do Exército brasileiro que afirmou: “A farda não abafa o cidadão no peito do soldado”.

O militar referendou o sentimento de cidadão soldado reinante nos profissionais das armas — de ontem, de hoje e de sempre —, que é forjado desde as escolas de formação e amalgamado ao longo da carreira militar. Uma carreira, tão nobre quanto tantas outras, que difere das demais pelas características que impõe ao profissional e aos seus familiares.

O militar rodou o Brasil de ponta a ponta, morou em outro país de cultura diametralmente distinta, teve uma filha em uma cidade, o filho em outra, a esposa não conseguiu se fixar no mercado de trabalho, mas, a despeito do turbilhão, reconheceu-se um devedor da sociedade a quem se curva em sinal pronto de respeito.

Foi guerreiro e administrador, foi aluno e instrutor, liderou e foi liderado, uma mistura simbólica das atividades castrenses das quais se incubem os homens e mulheres das armas nos tempos modernos. Como ele, a cada ano, centenas de outros militares ao deixarem a farda física que os veste sentem as mesmas alegrias de um objetivo conquistado e as mesmas tristezas de um adeus sem volta.

É mesmo difícil compreender as servidões e as grandezas militares àqueles que nunca romperam a marcha, ao toque de clarim, tão logo o sol desponta no horizonte. E não vai aqui nenhuma crítica, nenhum apontar de dedos, nenhuma soberba, apenas constatação das diferenças dos mundos e da forma como encará-las. Contudo, o desconhecer pela incompreensão não legitima as críticas difusas que o estamento militar está a sofrer fruto do ambiente de chafurdo em que se meteu a sociedade brasileira nos últimos anos.

No momento em que a santidade das instituições antes imaculadas é questionada, que lideranças civis e militares são atacadas à luz do dia ou à sorrelfa das mídias digitais, que os parâmetros de comportamento social são postos à prova, é hora de questionar a quem interessa a desordem.

Lembrando Spinoza: “Não rir, não chorar, apenas entender”. Certamente a desordem não interessa aos esclarecidos, aos que têm expectativas ordeiras e aos que pensam o futuro como bem a ser construído a muitas mãos, em benefício de muitas mãos. É necessário combater a emoção exacerbada e a razão rasteira dos que conhecem o mundo pela sombra bruxuleante do pensar de outros que nunca encontraram a luz.

Em alusão ao Mito da Caverna, alegoria escrita por Platão na obra A República, será preciso que destemidos tenham coragem e abandonem a escuridão das bolhas maniqueístas para serem aquecidos pela luz desinfetante do sol. Que pensem sem o corrimão das ideias extremadas e duvidem de suas certezas absolutas. Por fim, na montagem do grande quebra-cabeça cuja imagem mostrará uma sociedade brasileira integrada, assegurarem que as Forças armadas não poderão ser gangorra para disputas ou reconstruções ideológicas.

Gen Div do Exército

NOTA DE FALECIMENTO - JULIO CAMARGO

 


O professor, empresário e ex-vereador  de Juiz de Fora, Júlio César da Mata Camargo morreu na manhã dessa terça-feira (18), aos 75 anos. Ele cumpriu dois mandatos, de seis anos cada, na Câmara Municipal, entre 1977 e 1988. 


Júlio era formado em Geografia e Planejamento Urbano, tornou-se professor no Instituto Granbery. Júlio Camargo destacou-se como um dos pioneiros nas causas ambientais, tendo sido o fundador do Condema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente).

O sepultamento será nesta quarta-feira no Cemitério Parque da Saudade, onde o corpo está sendo velado. Júlio deixa viúva, Niúcia Camargo, dois filhos, sete netos e quatro bisnetos.

Vá em paz meu mestre e amigo, foi uma dadiva de Deus ter convivido com o amigo desde a década de 70.

Missão cumprida.

domingo, 16 de julho de 2023

Tolices em tempos de paz - Por Otávio Santana do Rêgo Barros

 


Forças Armadas … pra quê?

Com argumentação de viés ideológico, justificou o fim das Forças Armadas pela suposta participação nas disputas políticas recentes, sem, contudo, oferecer sustentação histórica aos seus argumentos.

Cometeu, ainda, o equívoco de confundir o papel maior da instituição com ações isoladas de alguns de seus integrantes.

É compreensível diante do ambiente maniqueísta que se formou nos últimos anos, que cidadãos discordem, concordem, ou simplesmente não considerem enxergar o dia a dia segundo uma lógica sustentada em fatos.

Inegável, a instituição sofreu abalos em sua imagem.

Todavia, como chegou a defender o articulista, abdicar de proteção à nossa soberania, oferecendo em troca apenas a boa vontade dos antagonistas, certamente é ingenuidade dos que desconhecem a dinâmica de poder que veste as nações mundo afora.

Não sendo vozes solitárias, esses pensadores, ao tomarem como exemplo a Costa Rica e Islândia, países que não possuem forças armadas constituídas formalmente e defenderem essa decisão como cabível ao nosso país, precisam debruçar-se com afinco sobre a história do mundo.

Há poucos anos não se imaginaria a Alemanha, que desde a Segunda Guerra mundial assumiu atitude não belicista na busca de cicatrizar as feridas do nazismo, pudesse dar uma guinada em sua política externa e decidisse fortalecer suas forças armadas, estimando um gasto médio de cerca de 2% do PIB para a área de defesa já a partir de 2024.

Não se imaginaria que o Japão, único país a sofrer um ataque ao seu território com bombas atômicas e conviver com as sequelas dessa catástrofe, avaliasse reformular sua constituição para transformar suas forças de defesa, capacitando-as a projetar poder, em consórcio com outros países, sobre a região do Indo-Pacífico.

Não se imaginaria que um conflito com características de guerra entre tribos, ainda que insertado de novas e avançadas tecnologias, pudesse eclodir mais uma vez na Europa, envolvendo diretamente a Rússia e a Ucrânia, e levasse outros países a se digladiarem à semelhança da guerra fria.

Não se imaginaria que a República Popular da China, por meio de seu crescimento econômico incomparável, se alçasse à qualificação de potência mundial capaz de rivalizar-se com a águia americana em todos os campos do poder e disputar hegemonia nos quatro cantos do planeta.

Que a Índia, a Turquia, o Irã se fortalecessem ao nível de potências regionais capazes de influir no equilíbrio de forças nos seus entornos geopolíticos.

Que a Finlândia e Suécia, países tradicionalmente neutros diante dos polos de poder aglutinadores que se formaram após a Segunda Guerra mundial, buscassem agora alinhamento à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em postura desafiadora ao urso russo.

Que a Austrália, o Reino Unido e os Estados Unidos (AUKUS) conformassem um pacto militar para deter a expansão da China ao Sul do Pacífico, incluindo pacotes de compras e cessão de equipamentos militares da última geração.

Que a África, no passado alvo de interesses colonialistas das potências hegemônicas, se tornasse outra vez ringue para disputas em um neocolonialismo do século 21 e, diante de suas fragilidades, alguns países entregassem sua segurança a milícias armadas, apoiadas ou não por estados consolidados.

Que a América do Sul, ainda que perifericamente, se transformasse em palco das disputas globais.

Que a Região Amazônica, com suas imensas riquezas sustentadas na biodiversidade de seu bioma, muitas ainda desconhecidas, continuasse a ser alvo de interesses externos difusos e paradoxalmente pouco conhecida internamente.

Atlântico Sul, Antártida, espaço sideral, espaço eletromagnético, espaço cibernético, os ambientes de incerteza se multiplicam.

Portanto, esse sobrevoo sobre a geopolítica do mundo moderno já nos habilita a responder à provocação: Forças Armadas … pra quê?

Para dissuadir antagonistas. Para preservar nossos valores. Para sustentar nossas tradições. Para sermos respeitado em mundo fricativo. Para defender, enfim, nossas riquezas, nossos interesses, nossa gente, nossa soberania.

Robert de Saint-Jean afirmou que “a paz é o tempo em que se dizem tolices; a guerra, o tempo em que as tolices são pagas.”

Antes que tolices ditas nos façam ir à guerra, vamos tratar de nos preparar com resiliência e profissionalismo.

*General de divisão da Reserva

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