Esse ano, nomes importantes da cultura brasileira e mundial completam seus centenários, confirmando suas relevâncias nas áreas em que atuaram. Na pintura, pesquisa, literatura, música e arquitetura, os seculares ultrapassaram o tempo e ganharam a posteridade através de seus talentos. Um dos principais pensadores da questão indígena no Brasil, Orlando Villas-Bôas é um dos primeiros personagens a completar 100 anos, no próximo dia 12. Irmão mais velho de Cláudio, Leonardo e Álvaro, ele liderou a Expedição Roncador-Xingu, iniciada em 1943, deixando como legado o Parque Nacional do Xingu, criado em 1961, com a ajuda do antropólogo Darcy Ribeiro. Indicado duas vezes para o Prêmio Nobel da Paz, ao lado do irmão Cláudio, Orlando lançou mais de uma dezena de livros, como "A marcha para o Oeste". Em 2012, o sertanista, morto em 2002, foi homenageado nas telas do cinema com o filme "Xingu", no qual o ator Felipe Camargo interpreta Orlando.
Também pesquisador, Mário Schenberg completaria um século de vida no dia 2 de julho. Morto em 1990, o físico desenvolveu importantes trabalhos e tornou-se grande amigo de Albert Einstein. "Se eu tivesse de escolher um cientista como continuador de minha obra, seria o brasileiro Schenberg", disse o alemão. Porém, o pesquisador também se destacou nas artes plásticas, sendo considerado um dos maiores críticos nacionais. Amigo de Di Cavalcanti, Lasar Segall, José Pancetti, Mário Gruber, Cândido Portinari, Bruno Giorgi, Marc Chagall e Pablo Picasso, Schenberg analisou, em textos fundamentais para a compreensão da história da arte recente no Brasil, os modernistas Alfredo Volpi, Lygia Clark e Hélio Oiticica. A Universidade de São Paulo (USP) planeja diversas atividades em homenagem a um de seus professores mais representativos. Esse ano também deverá chegar às prateleiras a biografia "Mário Schenberg - O homem que ouvia estrelas", de autoria do escritor pernambucano Anônio Campos.
Lançado no fim do ano passado, o livro "A república das abelhas", de Rodrigo Lacerda, foi uma das principais homenagens do autor a seu avô, Carlos Lacerda, que completaria seu centenário no próximo dia 30. Famoso político e intelectual, dono do jornal "Tribuna da Imprensa" e fundador da editora Nova Fronteira, Lacerda ganha ares de Brás Cubas no romance com tintas realistas. O ano de 2014 também será marcado por relançamentos da obra de William S. Burroughs, que faria 100 anos no dia 5 de fevereiro.
Considerado um dos principais nomes da contracultura na literatura, o escritor que matou a própria esposa e disse ter sido o ato um marco em sua escrita, lançou obras polêmicas como "Junkie", de 1953, e "Queer", de 1985, abordando temas como drogas e homossexualidade. Perdido desde 1989, o filme "Burroughs", de Howard Brookner, com entrevistas com a cantora Patti Smith, o poeta Allen Ginsberg, entre outros beats, tem relançamento previsto para esse ano, após restauração. Morto em 2011, o ativista social, ator e poeta Abdias do Nascimento também deve ser lembrado esse ano, quando completaria 100 anos em 14 de março. Considerado um dos maiores defensores da cultura negra no país, ele foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Negro e entre seus textos para o palco está "Rapsódia negra", de 1952. Na defesa dos pobres, Irmã Dulce também criou seu legado. Beatificada em 2011, ela se tornaria centenária em 26 de maio, quando será realizada uma grande missa campal no Santuário da Bem-Aventurada Dulce dos Pobres, no Largo de Roma, em Salvador, na Bahia.
Letras e sons
Um dos maiores nomes da literatura latino-americana, o argentino Julio Cortázar também entra para a lista dos centenários em 2014. O autor do clássico "O jogo da amarelinha" completaria um século de vida em 26 de agosto. Queridinho dos cineastas, o homem de sobrancelhas grossas e fartas chegou até a influenciar o italiano Michelangelo Antonioni, que para o filme "Blow-up" baseou-se no conto "As babas do diabo" (do livro "As armas secretas"). Exposições, relançamentos e reedições de suas principais obras estão programadas pelo governo argentino. No país, a editora Civilização Brasileira lança a edição comemorativa de "O jogo da amarelinha" e relança obras fora de catálogo, como "Bestiário", ausente nas prateleiras desde a década de 1960.
Nome de peso no cancioneiro popular brasileiro, Dorival Caymmi também será celebrado com honras por seu centenário, feito em 30 de março. O autor de "É doce morrer no mar", "Maracangalha" e "Rosa morena", morto em 2008, teve seu primeiro sucesso gravado em 1939, na voz de Carmem Miranda, que ganhou a posteridade com o clássico "O que é que a baiana tem?". Pai de Nana, Dori e Danilo, o cantor e compositor já tem recebido homenagens desde o início de 2013, quando foi lançado o livro "O que é que a baiana tem? - Dorival Caymmi na Era do Rádio", da neta Stella Caymmi. No carnaval desse ano, a escola de samba paulista Águia de Ouro leva a trajetória do músico para o sambódromo. Amigo de Caymmi, o compositor e maestro César Guerra-Peixe (ele chegou a reger orquestras que acompanhavam o cantor em apresentações da era do rádio), também faria 100 anos esse ano, no dia 18 de março. Natural de Petrópolis, Guerra-Peixe será homenageado em diversos recitais Brasil afora, além de ter sua obra revisitada na temporada de 2014 da Orquestra Filarmônica de Minas Gerais.
Compositor local reconhecido nacionalmente, Armando Toschi, o Ministrinho, também se torna secular esse ano. No dia 4 de maio, o fundador da Escola de Samba Turunas do Riachuelo faria 100 anos. Para comemorar, três projetos culturais foram aprovados pela Lei Murilo Mendes. O cineasta Marcos Pimentel deve lançar o documentário "Chama que não se apaga", cujo título faz referência à música que homenageia Ministrinho, composta pelo Mestre Cocada. Reunindo inéditas e canções já conhecidas, o disco "Quarteto Visceral homenageia Armando Toschi" resgata a obra do compositor e de seus parceiros. Na praça que leva o nome do artista, o projeto "Ministrinho 100 Anos - Shows na praça", realizará rodas de samba com o cantor Roger Resende, o violonista Cézar Ferreira, o cavaquinista Toinho Gomes e o percussionista Márcio Gomes, durante o mês de maio.
Autor de sambas-canções memoráveis, como "Nervos de aço", Lupicínio Rodrigues também se torna centenário. Nascido em Porto Alegre, o compositor será lembrado tanto no dia de seu aniversário, 19 de setembro, quanto nos outros dias do ano. Estão previstas atividades em sua terra natal como lançamentos de livros, filmes, e um grande show com nomes como Chico Buarque, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Djavan e Ney Matogrosso. Amiga de Lupicínio, a cantora Aracy de Almeida, nascida em 19 de agosto de 1914, no Rio de Janeiro, também deve ter sua carreira resgatada esse ano. A dona um de timbre marcante, considerada por Noel Rosa a melhor intérprete para suas composições, tem uma vasta discografia de sambas-canções para serem reeditados.
Tintas e formas
A temática interiorana, com pescadores e suas redes, capoeiristas, meninos soltando pipa, índios e outros elementos típicos, bem como sua paleta em contrastes de cores primárias e secundárias são rapidamente reconhecíveis. Sua assinatura, simples, escrita em letra de forma também. Pintora nascida em Avaré, no estado de São Paulo, Djanira da Motta e Silva faria um século de história no dia 20 de junho. Apesar de ter se radicado no Rio de Janeiro, é em sua cidade natal que os festejos estão sendo preparados. No Memorial Djanira acontecerão diversas atividades em homenagem à filha ilustre, que ganhou o país e o mundo com seus desenhos calculados e lúdicos. Completamente diferentes, os trabalhos do pintor surrealista português António Dacosta também deverão ganhar destaque no ano de seu centenário, comemorado em 3 de novembro. Presente em diversas coleções brasileiras, o artista foi colaborador regular do jornal "O Estado de S. Paulo", e, até o final de 2014, também deve ser lembrado pelo país que lhe ofereceu espaço na 2ª Bienal de São Paulo, de 1953.
Autor de telas sombrias, repletas de tintas e com uma expressividade ímpar na arte brasileira, Iberê Camargo também faria 100 anos esse ano. Aluno de Alberto da Veiga Guignard em curso livre de gravura, o pintor iniciou sua carreira na década de 1950. Três décadas depois, foi preso por matar um engenheiro e, dois anos depois, absolvido, por legítima defesa. Morto em 1994, o artista introspectivo expôs na Europa e nos principais museus do Brasil. Em 18 de novembro, dia de seu aniversário, a fundação que leva seu nome abre uma das maiores mostras póstumas, que ocupará todo o espaço da sede localizada em Porto Alegre e projetada pelo arquiteto português Álvaro Siza. Considerado referência em museologia no país, o local também articula homenagens fora da capital gaúcha.
Em São Paulo, a autora do projeto arquitetônico do Museu de Arte de São Paulo, o Masp, a modernista Lina Bo Bardi completaria seu centenário em 5 de dezembro. Italiana naturalizada brasileira, a autora de construções representativas das colunas de concreto paulistas é lembrada desde 2013 e, para esse ano, estão previstas exposições e a reedição de algumas peças de mobiliário.