Nas pessoas dos amigos Cap R/2 Sérgio Carneiro e Ten R/2 Marcos Anísio, cumprimento a todos Oficias R/2 de todo Brasil.
quarta-feira, 4 de novembro de 2020
terça-feira, 3 de novembro de 2020
CACHANGA - POR OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS
“Didi do Baralho”, inveterado jogador, além de péssimo perdedor, criou um jogo de cartas e o batizou de Cachanga.
As regras, somente ele as dominava totalmente. “Mané Caolho”, adversário de todos os dias e eterno ludibriado, percebeu que essas regras não tinham lógica e se adaptavam às diversas situações para beneficiar o matreiro Didi do Baralho.
Cachanga Caolho, vai aprender a jogar! Uma manhã, Mané Caolho, crendo-se esperto, tão logo recebeu as cartas grita subindo na mesa: -Tô com a moléstia.
Cachanga seu bexiguento!
Hoje ocênumme ganha mequetrefe.
Didi do Baralho respirou fundo, tirou o estoura peito da boca, olhou de soslaio para a brasa ardente e disse calmamente: - Tabacudo.
Cachanga é o quê ô Caolho, tome aqui, Cachanga Real!
Sacou uma carta do bolso da calça jeans surrada, pintada grotescamente a lápis de cera, com uma imagem que lembrava o palhaço Coringa.
Jogou-a na mesa em cima do bolo de notas sebentas de dois reais com um sorriso de canto de boca. - A regra é minha, faço com ela o que bem quiser, Caolho.
Na próxima você ganha, cotoco de gente!
Estamos às voltas com as eleições municipais. Mais dois anos, com as estaduais e as nacionais. Prestem atenção, a política no Brasil está cheia de Didis do Baralho.
Entram nas campanhas apenas com o intuito de locupletar-se, prometem mundos e fundos, se exibem como os diferentes e raramente expõem planos de governo minimamente estruturados. Tão logo são eleitos começam a jogar Cachanga com o povo.
Ao menor sinal de que o embate democrático possa contrariá-los, mudam a regra, sacam o Coringa peguento e anunciam: Cachanga real!
Nas últimas eleições, sentimos o bafejo de ventos mais puros, nascidos do cansaço com a velha política e da esperança que a aragem de dias mais amenos viria para nos afagar a face tão judiada. A corrupção que grassava por longos anos em pretéritos governos, independente de colorações partidárias, com apoio de legisladores camaleônicos, parecia ter seus dias contados.
Passados dois anos, imersos em uma pandemia ainda sem controle e uma brutal crise social, sanitária e econômica, nos deparamos com a sordidez de alguns políticos, eleitos na crista daqueles ventos cambiantes, a surrupiar, à luz do dia, os escassos recursos destinados ao enfrentamento dos desafios impostos pela Covid-19.
Nos deparamos, ainda, com mudanças dos pilares que sustentavam o entusiasmo que florescia após o pleito de 2018: combate à corrupção, economia lastreada em princípios liberais e o enfrentamento do inadmissível crime moral do “toma lá, da cá”.
Triste constatação.
Vemos agora aqueles velhos camaleões da política, ressurgirem das cinzas, assumindo a coloração que lhes promoverá novas sinecuras. Não podemos aceitar que esses jogos vorazes da política desvirtuem as normas institucionais que devem ser acolhidas pelo todo da sociedade.
Não nos permitamos que os “Didis do Baralho” nos imponham suas regras, adaptadas às suas circunstâncias, a fim de se perpetuarem no poder.
Ao compactuarmos com jogo da democracia, fixemos rigorosamente os códigos sob os quais admitimos participar, obrigando os jogadores que nos representam a defender os mesmos princípios e valores que carregamos e esboçamos por meio daquele voto solitário.
Você é o responsável maior pelas regras desse carteado.
Não esqueça! Paz e bem!
GENERAL DO EXÉRCITO
Publicado na Folha de Pernambuco, em 01 de novembro de 2020
O PERIGOSO ESPORTE DE HUMILHAR GENERAL - POR FERNANDO GABEIRA
Com a redemocratização, conheci alguns generais. Um deles visitava nossa casa para alegria das crianças. Era o bisavô das meninas, já nos últimos anos de vida. Serviu no Brasil profundo, tinha memórias de índios e do mato.
Um dia ele me contou que o médico íntimo dele, antes de operá-lo, aplicou a anestesia e perguntou: “Quer dizer que o senhor é o general da banda?” Ele tentou responder, mas dormiu com um sorriso nos lábios.
“General da banda” é uma canção antiga, regravada por Astrud Gilberto, que dizia: “Chegou o general da banda, eh eh/ Chegou o general da banda eh ah”. Era possível brincar com um velho general. Mas seria impensável desrespeitá-lo.
Quando leio nos jornais que há um plano para humilhar generais, minha reação inicial é esta: um general não se deixa humilhar.
Mas, ao longo destes anos compreendi também que, assim como nos outros ofícios, há diferenças entre as pessoas. Nem todas se comportam da mesma maneira. Há generais que entraram no governo pensando num trabalho sério. Santos Cruz foi golpeado por intrigas. Saiu e hoje é um crítico sensato dos descaminhos de Bolsonaro.
Rêgo Barros foi um dos generais que conheci, como jornalista. Era a interface com o Exército, coordenava a comunicação. Fui visitá-lo algumas vezes no Forte Apache, na tarefa de preparar programas de TV sobre algumas ações militares que me interessavam.
Ele se tornou porta-voz de Bolsonaro, foi destituído e vejo que estava certo ao manter meu interesse por ele. Percebeu a vulgaridade e o delírio de poder de Bolsonaro e segue seu caminho.
Infelizmente, nem todos se comportam assim. Tive poucos contatos com o general Heleno. O primeiro foi no Haiti, quando ele comandava a força da ONU. O segundo, na Amazônia; chegamos a viajar juntos para as terras ianomâmi. Heleno teve uma curta passagem como comentarista de TV, na Band, analisava segurança pública.
Sua trajetória é de adesão total ao projeto Bolsonaro. Ao colocar Abin e GSI na busca de uma defesa para as trapalhadas de Flávio, ele se revelou um samurai da família Bolsonaro.
Mergulhou tão rancorosamente no passado que manda espiões para encontros internacionais que tratam do tema essencial para o futuro do Brasil: o meio ambiente.
Trajetória estranha também é a do general Pazuello, a quem não conheci pessoalmente, apesar de ter visitado as instalações da Operação Acolhida em Roraima. Pazuello foi desautorizado publicamente por Bolsonaro, em seguida posou ao lado do presidente e disse simplesmente: “Um manda, e o outro obedece”.
Espontaneamente, ele igualou suas funções à de um varredor da porta do quartel. E nos deu uma antevisão da situação calamitosa da saúde no Brasil: ele simplesmente obedece a Bolsonaro, uma das pessoas mais obtusas nesse campo, para não falar de vários outros.
Como se não bastasse tudo isso, o ministro Ricardo Salles chama o general Ramos de Maria Fofoca nas redes sociais, e nada acontece com ele.
Alguns analistas acham que Bolsonaro tem prazer em humilhar generais, para compensar seu fracasso no Exército. Não me interessa tanto o lado psicológico. O mais importante para mim é lembrar que a humilhação de generais repercute no respeito ou desprezo que as pessoas têm pelas Forças Armadas.
O desprezo pelas Forças Armadas, por sua vez, repercute na política de segurança nacional. Não é possível que, por um dinheirinho a mais os militares, ocupem um governo destruidor e incapaz e ameacem com isso sua função constitucional específica.
Não precisamos de Forças Armadas para derrubar essas aberrações momentâneas. Nos Estados Unidos, Trump pode ir para o espaço com as eleições. Derrotaremos Bolsonaro e quantos militares estiveram ao seu lado. Não é esse o problema.
O que faremos com a vitória se o sentimento elementar de honra abandonar nossas Forças Armadas?
Uma das consequências mais nefastas do governo Bolsonaro foi ter comprometido as Forças Armadas. Todo o trabalho de recomposição no período democrático pode estar se perdendo, de alguma forma.
Não há presos políticos nem tortura, é verdade. Mas os problemas são de outra natureza, as consciências despertas para novas realidades. Um pobre general abraçado à cloroquina, espionando encontros internacionais, sendo chamado de Maria Fofoca — tudo isso é demonstração de que a insanidade sentou praça.
Artigo publicado no jornal O Globo em 02/11/2020
https://gabeira.com.br/o-perigoso-esporte-de-humilhar-general/