Tanques, submarinos, mísseis, caças supersônicos, porta-aviões não se compram a cliques nessas grandes lojas de comércio digital.
Empresas de consultoria não oferecem orientações para hipóteses de guerras ou projeção de poder a países preocupados com sua soberania.
A resposta ao questionamento inaugurado no início deste artigo é óbvia: construindo-as resilientemente e reavaliando-as constantemente.
O processo é desgastante, acadêmico, custoso, gerencial, técnico e envolve atores diversos com visão de futuro e experiência pretérita certificada.
A linha mestre que baliza essa construção começa em uma grande estratégia de Estado, que abarque todos os campos do poder dessa nação.
No Brasil, nos falta um documento balizador com essas características, o que dificulta alinhar soluções aos muitos desafios que a sociedade precisa enfrentar.
Todavia, o Governo brasileiro, desde a década de 1990, já elabora documentos no campo da defesa nacional, para suprir a deficiência da falta de um planejamento em mais alto nível.
A Política Nacional de Defesa, a Estratégia Nacional de Defesa e o Livro Branco de Defesa são documentos consolidados e revisados periodicamente, embora não recebam a devida atenção do Congresso Nacional, responsável, a nome da sociedade, por avaliar os textos.
"Defesa não dá voto", afirma com frequência, o ex-Ministro de Estado da Defesa, Raul Jungmann.
Subordinadas a esses documentos basilares, foram publicadas a Política Militar de Defesa e a Estratégia Militar de Defesa, sementes para incubação de um pensamento gerador de ações consistentes, dissuasórias e desenvolvimentistas, que colaborem com o resguardo da soberania nacional.
No âmbito da Força Terrestre, o Estado-Maior do Exército (EME) está envolvido, neste momento, na certificação de um novo ciclo de planejamento, a ser aprovado pela alta administração, que abarca o quadriênio 2024-2027.
Alinhadas com diretivas do Ministério da Defesa, as fases constituintes são claramente observadas, com ações definidas, atribuição de responsabilidade e indicação de recursos.
Como parte desse denso esboço, o Centro de Estudos Estratégicos do Exército, think tank ligado ao EME, cooperou na elaboração do cenário prospectivo para 2040, indo além do ciclo temporal de quatro anos, gerando uma concepção operacional para o Exército Brasileiro.
Agora, prepara-se para indicar aos decisores na Força, quais os melhores equipamentos, desdobramentos e doutrinas a serem buscados paulatinamente para o atingimento das capacidades militares requeridas no médio horizonte temporal.
Antes mesmo de fechar o estudo, já se antecipa a necessidade de oferecer ao Estado brasileiro ferramentas que operem eficazmente nos domínios eletromagnético, cibernético, aeroespacial, sincronizadas com os tradicionais ambientes da terra, mar e ar.
Ainda que de forma incipiente, a inteligência artificial, vetor cada dia mais estudado e testado pelas grandes potências, se incorpora também às nossas preocupações com segurança.
A guerra tridimensional está, há muito, obsoleta. Às dimensões humana (homem e suas decisões) e física (material e terreno) somou-se a informacional (inteligência impactada pela avalanche de dados) para atuarem em conjunto, visando a obtenção de vantagens em ambientes operacionais multidomínio.
Os profissionais das armas sabem que a pouca percepção de antagonismos externos, fruto de uma história pacífica, não colabora para reforçar o tema nas discussões do dia a dia na opinião pública.
Por isso, conscientes de sua responsabilidade, apontam o holofote ao problema, insistem na solução e esperam a compreensão pelo mundo político e pela sociedade em geral do enorme desafio que se afigura.
Há muito em jogo para um país, como o Brasil, com tamanha dimensão, potencialidade, riqueza e interesses. Colocar a trava na porta depois que a casa foi arrombada é ingenuidade.
Otávio Santana do Rêgo Barros, general de Divisão da Reserva