Sidney brinca, cria e trabalha no bar (Foto: Leonardo Costa/27-01-2015)
“Minha vida só lembro a partir do bar”, conta Sidney Alves Vieira, de 64 anos. Suas memórias partem do mesmo ponto em que Juiz de Fora passou a conhecer Futrica e sua família, com uma pequena lanchonete na Galeria João Pedro Hallack. “Meu pai tinha uma cantina no quartel general e resolveu comprar o bar de um grego chamado Anastácio. Ele vendeu o bar com as prateleiras cheias e, quando meu pai começou a abrir as garrafas, da segunda prateleira para cima só tinha água dentro. Foi um presente de grego”, brinca Sidney, sócio do local junto do irmão Ademir, do filho Rondinely e do sobrinho Douglas. Ao assumir o ponto, Futrica, que ganhou esse apelido ainda criança, em Guarani, também comprou a fórmula da famosa pizza grega.
Sentindo os primeiros sintomas de um enfisema pulmonar que o vitimou em 1977, aos 59, o patriarca chamou os filhos para comandar o negócio. Na época, Sidney, saído do exército, havia acabado de passar para o vestibular de filosofia (a primeira opção era engenharia). “Ia ser professor de desenho”, recorda-se ele, falante, com entusiasmo na voz e nos gestos. Começava, então, a vida pública de um homem cheio de dons, que pinta por hobby, trabalha por vontade e necessidade e joga futebol por extremo prazer. Tradicional, o negócio, um misto de boteco e restaurante, ganhou uma loja anexa, com nove mesas, sete delas com nomes dos bisnetos do fundador. O piso, de ladrilho hidráulico, ainda é o mesmo, e a bancada, em branco e laranja, foi trocada há 40 anos.
‘Somos trabalhadores’
O imóvel alugado, que abre as portas, de segunda a sexta, às 8h, e encerra as atividades 12 horas depois (sábado segue até 16h) – Sidney trabalha, uma semana, no primeiro turno, até as 14h, e na outra, no segundo – é um resistente. “Com todos os problemas, todas as mudanças políticas e financeiras, nos mantivemos aqui. Firmes e fortes”, comenta. “Somos pobres, trabalhadores. Todo mundo tem sua vida boa. Eu, meus irmãos e nossos filhos, todos têm casa própria, mas com muito trabalho”, completa ele, que longe dali é um reconhecido jogador de botão. “Essa história começou quando eu era garoto e fazia campeonatos a partir das tabelas do Campeonato Carioca, quando eram só 12 times. Roubava os botões maiores da minha mãe, que costurava, fazia a bola com maço de cigarros, os gols, com caixas de sapato, e as caixas de fósforos eram os goleiros”, recorda-se ele, que começou a brincadeira no mesmo ano em que o bar “nasceu”. Mais uma vez, o Bar do Futrica na raiz das memórias.
Quase craque
“Sempre joguei futebol. Craque eu nunca fui, mas desenvolvia bem”, diz Sidney, com um sorriso no rosto. Em 1967, quando foi disputar o juvenil pelo Tupinambás, resolveu brincar com os colegas do time. “No centro do campo, houve o primeiro jogo de botão realizado pela Associação de Futebol de Mesa. Cada jogador do juvenil representava um time, e o campeão foi o Santos”, lembra, referindo-se ao grupo que hoje tem sede em sua casa, na Vila Ozanan, onde funciona o Clube Futrica e suas seis mesas para partidas. “Hoje temos registrado 460 atletas que já passaram por aqui e todos os jogos que fizemos”, gaba-se ele, que costuma disputar o campeonato brasileiro e atualmente conta com quatro equipes, todas com o “sobrenome” Futrica. Fora do bar, Sidney sempre esteve dentro do campo. Já comandou a escolinha de futebol do Sport e, no início dos anos 2000, candidatou-se a uma vaga para ser instrutor do esporte na Aldeia S.O.S..”Quando cheguei lá, deixei minha carteira de trabalho com os diretores e fui conhecer as casas. Levei uma prancheta, chamei um menino para me apresentar aos outros e fui conhecendo todos eles. No fim, tinha uma criançada atrás de mim. Domingo, quando voltei, comecei a apitar no meio do campo e acabei formando três times”, lembra.
Ilustres clientes
Animado, o marido de Ercília (a quem credita todo o seu ânimo para a vida), também brinca no negócio da família. “Invento coisas para manter os fregueses aqui. Fiz, por dez anos, um jogo de perguntas, e no final do ano o vencedor ganhava diploma. Fiz uma série de selos do Futrica e até hino”, enumera. Também faz, desde 1982, um álbum com os santinhos dos candidatos locais, o que lhe rende uma clientela de políticos. “Quando comecei o álbum, percebi o andar da carruagem. Na última eleição, teve um que me disse que iria desistir. Fiz uma pesquisa e disse para ele: ‘Rapaz, desiste não porque você tem chance’. Acabou ganhando. Todos os vereadores e prefeitos vêm aqui”, orgulha-se. Um dia, ao passear por um supermercado, avistou o ex-presidente Itamar Franco. “Decidi falar com ele. Quando cheguei perto e perguntei se ele estava bem, ele me questionou: ‘Como é que vai o Bar do Futrica?’. Ele me conheceu, cara!”, conta, arrepiado. Homenageado por diversas vezes, o filho do Futrica ganhou notoriedade. “Se eu ganhasse um dinheiro extra, construiria um ginásio só para o futebol de mesa”, diz. Mas, e o bar, Sidney? “Nunca pensei em nada, só penso em morrer aqui.”
http://www.tribunademinas.com.br/outras-ideias-com-sidney-alves-vieira/
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