Qualquer cidadão comum está sujeito a receber uma multa ao cometer uma infração de trânsito. Mas a história é diferente para carros com placa oficial.
Foi o que o Fantástico constatou acompanhando por três meses esses veículos especiais, destinados a autoridades. Confira na reportagem de Bruno Tavares e Maurício Ferraz.
Ultrapassagem em local proibido e perigoso. Carro estacionado onde só é permitido parar por 5 minutos.
“Tava dirigindo para uma autoridade”, diz o motorista.
Político usando carro público para compromissos pessoais.
Estas são apenas algumas das muitas irregularidades encontradas pelo Fantástico envolvendo carros com placas oficiais.
Durante três meses, nossa reportagem acompanhou esses veículos em Brasília, Rio de Janeiro e São Paulo. Flagramos vários abusos de quem tem e de quem não tem autorização para usar essas placas. E descobrimos que muitos desses carros são invisíveis à fiscalização!
As placas oficiais só podem ser usadas por algumas autoridades municipais, estaduais ou federais.
“Prefeitos, governadores, secretários estaduais, municipais, ministros, presidentes dos tribunais ou chefe do Ministério Publico e oficiais generais das Forças Armadas”, afirma o capitão Julyver Modesto de Araújo, do comando de policiamento de trânsito da PM de SP.
A placa indica que um carro pertence a um senador da República. O motorista dele estaciona em um local proibido, no aeroporto de Brasília.
Com uma câmera escondida, registramos mais irregularidades na capital federal. O motorista do carro de um ministro do Poder Judiciário ignorou a sinalização e parou sobre a vaga para deficientes. Outro veículo da Procuradoria da República foi estacionado em local proibido. Foram 31 minutos e 25 segundos. O produtor do Fantástico tentou parar no mesmo local.
Fantástico: Quanto tempo posso deixar parado?
Policial: Na verdade o senhor não pode ficar parado, porque é só o momento de embarque e desembarque. Isso é pra todo mundo.
Policial: Na verdade o senhor não pode ficar parado, porque é só o momento de embarque e desembarque. Isso é pra todo mundo.
Durante vários dias seguidos, flagramos carros com placas oficiais parando em fila dupla no aeroporto. Mesmo tendo espaço suficiente para fazer a coisa certa. Um carro foi praticamente abandonado pelo motorista.
Em outro lugar, as placas indicam que é proibido parar e estacionar em uma área. Mas os veículos, os motoristas, param normalmente.
Fantástico: opa, aqui está indicando que é proibido parar e estacionar.
Motorista: Sim, eu só estou aguardando. Só estou aguardando.
Fantástico: Mas a placa é bem clara, é proibido parar e estacionar.
Motorista: Eu só parei aqui agora pra atender o telefone...
Motorista: Sim, eu só estou aguardando. Só estou aguardando.
Fantástico: Mas a placa é bem clara, é proibido parar e estacionar.
Motorista: Eu só parei aqui agora pra atender o telefone...
Não vimos nenhum motorista desses carros oficiais ser multado!
Todos os veículos que estavam estacionados na mesma rua, onde estavam parados irregularmente os carros oficiais, foram multados.
“Toda a autoridade ela deve obedecer exatamente as mesmas regras de segurança que qualquer outro cidadão”, afirma o conselheiro do Contran, Rone Evaldo Barbosa.
Mal chegamos ao Rio de Janeiro e encontramos, no Aeroporto Santos Dumont, um carro de um desembargador federal estacionado sem ninguém, num local onde a placa indica que a vaga é para veículos oficiais e só permite parar por 5 minutos.
Do outro lado da rua, quem deveria fiscalizar não faz nada. Ao nosso produtor, ele revela:
Fantástico: Vocês conseguem multar com essa placa?
Policial: Aquela ali, não, mas ele não vai fazer infração de trânsito. Está dirigindo pra uma autoridade.
Fantástico: Mas vocês conseguem ou não?
Policial: Aquela numeração ali? Só fazendo um relatório. Não tem como você autuar ela.
Policial: Aquela ali, não, mas ele não vai fazer infração de trânsito. Está dirigindo pra uma autoridade.
Fantástico: Mas vocês conseguem ou não?
Policial: Aquela numeração ali? Só fazendo um relatório. Não tem como você autuar ela.
Marcamos o tempo que o carro ficou na vaga.
O desembargador e o motorista deixam o aeroporto depois de 27 minutos, quase meia hora estacionado.
Consultado, o Tribunal Regional Federal confirmou que o carro não foi multado. Mas se for notificado, vai apurar responsabilidades.
Na Assembleia Legislativa do Rio, 35 deputados têm carros com placas de bronze e são todos invisíveis à fiscalização eletrônica!
O próprio Detran do Rio confirma que não existe um cadastro das placas e que os radares não conseguem identificá-las.
“Eu não sabia disso, não, se são identificadas ou não”, diz o deputado Iranildo Campos, do PSD-RJ.
O que mais se vê em São Paulo são placas oficiais completamente fora do padrão estipulado pela lei de trânsito. Ela deve ter fundo preto, o brasão do município, do estado, ou da república, o nome da cidade, o número escolhido pela instituição e o cargo da autoridade.
Fantástico: O senhor sabia que essa placa estava totalmente irregular ou não?
Francisco Antonio Momesso, Prefeito de Mirandópolis (SP): Não sabia! Fiquei surpreso em saber. Nós iremos colocar a placa adequada.
Fantástico: O senhor concorda que o radar não tem como identificar?
Mário Yamashita, prefeito de Lavínia (SP): É, não tem como, sabe que é um carro oficial mas não sabe de onde que é, né?
Francisco Antonio Momesso, Prefeito de Mirandópolis (SP): Não sabia! Fiquei surpreso em saber. Nós iremos colocar a placa adequada.
Fantástico: O senhor concorda que o radar não tem como identificar?
Mário Yamashita, prefeito de Lavínia (SP): É, não tem como, sabe que é um carro oficial mas não sabe de onde que é, né?
“Hoje, quando o veiculo está em movimento, não é possível saber exatamente aquela placa à qual órgão ela pertence. Isso realmente dificulta a verificação de qual é a autoridade”, explica o capitão Julyver Modesto.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, entramos na garagem. Todos os carros de deputados encontrados pela nossa equipe estavam com placas irregulares.
Em nota, a Assembleia diz que as informações são suficientes. Mas que vai incluir o cargo de deputado nas placas oficiais.
Do lado de fora, flagramos motoristas dos deputados cometendo infrações.
Fantástico: Quando é carro oficial não precisa usar cinto de segurança?
Motorista: Não, precisa! É que eu sai aqui agora. Estou começando agora.
Fantástico: Usando celular, dirigindo. É carro oficial, não é multado, não é?
Motorista: Não, não é isso não!
Motorista: Não, precisa! É que eu sai aqui agora. Estou começando agora.
Fantástico: Usando celular, dirigindo. É carro oficial, não é multado, não é?
Motorista: Não, não é isso não!
E não para por aí. Gravamos carros com placas oficiais parados em vagas para deficientes, idosos e até onde não é permitido coisa alguma.
Fantástico: Aqui é proibido parar e estacionar e o senhor parou bem embaixo da placa.
Autoridade: Eu só vim protocolar um documento.
Fantástico: Faz um tempão que o senhor está estacionado em lugar totalmente irregular. Tudo bem?
Fantástico: Não, tudo bem, não está. Mas é uma dificuldade tremenda a gente tentar parar aqui, carros de funcionários o dia todo aqui que ocupam as vagas que a gente deveria ocupar com mais rapidez e não tem.
Autoridade: Eu só vim protocolar um documento.
Fantástico: Faz um tempão que o senhor está estacionado em lugar totalmente irregular. Tudo bem?
Fantástico: Não, tudo bem, não está. Mas é uma dificuldade tremenda a gente tentar parar aqui, carros de funcionários o dia todo aqui que ocupam as vagas que a gente deveria ocupar com mais rapidez e não tem.
Os maus exemplos cercam até o Tribunal de Justiça de São Paulo no centro da cidade. Vários carros com placas oficiais são estacionados numa praça, em cima da calcada. Estacionar em local proibido, só autoridade mesmo, como mostra nosso produtor.
Fantástico: Quanto tempo pode deixar o carro parado aqui?
Policial: Ô amigão, veículo particular não é autorizado não, viu, grande...
Fantástico: Mas está cheio de carro parado aqui.
Policial: Só os autorizados pelo tribunal.
Policial: Ô amigão, veículo particular não é autorizado não, viu, grande...
Fantástico: Mas está cheio de carro parado aqui.
Policial: Só os autorizados pelo tribunal.
A Companhia de Engenharia de Tráfego, que fiscaliza o trânsito em São Paulo, diz que não existem vagas na praça.
O Tribunal de Justiça diz que usa a praça por falara de lugar pra estacionar!
“O TJ procura causar o mínimo de transtorno possível aos cidadãos paulistanos, usando o mínimo possível de espaço. O uso desse espaço se dá para o fim exclusivamente público, para serviços públicos inadiáveis e essenciais. Nunca para fins eminentemente particulares”, justifica o assessor da presidência do TJ-SP, Régis de Castilho Filho.
A impunidade e a falta de fiscalização geram outro tipo de abuso. O uso indevido dos carros com placas oficiais.
Na BR-153, no interior de São Paulo, acompanhamos um veiculo, da prefeitura de Paranapuã, por mais de 100 quilômetros.
Ele ultrapassa em local proibido, totalmente irregular. Depois ultrapassa pelo acostamento. Seguimos o veículo até a cidade de São Jose do Rio Preto. O carro deveria ser usado somente pelo prefeito.
Motorista: É assessor do prefeito.
Fantástico: Teria que ser usado em missão oficial...
Motorista: Está em missão oficial. Só vim buscar umas peças para o carro e estou voltando.
Fantástico: Teria que ser usado em missão oficial...
Motorista: Está em missão oficial. Só vim buscar umas peças para o carro e estou voltando.
Mas descobrimos que o motivo da viagem era outro. O assessor tinha ido comprar um carro para ele mesmo.
Em nota, o prefeito de Paranapuã informou que o funcionário flagrado por nossa equipe é assessor de gabinete. E que desconhece qualquer infração ou presença dele em uma concessionária.
Também no interior paulista, encontramos um vereador de Pindamonhangaba, utilizando um carro de uso exclusivo da presidência da Câmara para compromissos pessoais. E com uma regalia: um motorista.
Em junho deste ano, o vereador, a mulher e a filha foram ao hospital Albert Einstein, em São Paulo. Nesse dia, o veículo quebrou. O vereador e o motorista precisaram aguardar socorro.
Outra viagem particular à capital foi em agosto. O vereador teria ido à reunião no Conselho Nacional de Engenharia e Arquitetura, o Crea.
Encontramos o carro que o vereador usou para ir para São Paulo. Assim que marcamos a entrevista na Câmara Municipal de Pindamonhangaba, as placas foram trocadas pelas originais.
Procuramos o vereador.
Fantástico: O senhor tava usando irregularmente?
Martim Cesar (DEM-SP), vice-presidente da Câmara Municipal de Pindamonhangaba (SP): Eu acho que sim! Mas sem saber!
Fantástico: É uso particular isso. Com motorista, dinheiro público.
Martim Cesar: Tudo bem! Eu não acho justo. Mas eu fiz isso um dia.
Fantástico: Reconhece que está errado?
Martim Cesar: Reconheço!
Martim Cesar (DEM-SP), vice-presidente da Câmara Municipal de Pindamonhangaba (SP): Eu acho que sim! Mas sem saber!
Fantástico: É uso particular isso. Com motorista, dinheiro público.
Martim Cesar: Tudo bem! Eu não acho justo. Mas eu fiz isso um dia.
Fantástico: Reconhece que está errado?
Martim Cesar: Reconheço!
“Se atuam dessa maneira, o fazem porque não há nenhum controle de qualquer órgão de trânsito em identificar quem é o responsável pelo veiculo com placa oficial ou preta. Lamentavelmente não há nenhum controle no estado de São Paulo a respeito dessa situação”, diz o promotor de Justiça, Cassio Conserino.
Em nota, o Detran de São Paulo diz que já identificou a falta de uma regulamentação mais rígida sobre a solicitação e a confecção das placas oficiais. E que estuda sugestões para propor ao Contran, Conselho Nacional de Transito.
Mas o Contran diz que a legislação atual já obriga os Detrans a terem esse controle através do Renavam - o Registro Nacional de Veículos.
“Todos os veículos, inclusive os de autoridades, eles deverão ser registrados no Renavam. E quem faz os registros são os Detrans. Se ele tem o registro, ele tem plenas condições de emitir uma autuação. Se o próprio Detran de São Paulo não tem o controle disso aí, dessa situação, então a gente vê que ela seria bem mais preocupante do que se possa imaginar”, explica um conselheiro do Contran.
O policial, que também é conselheiro estadual de trânsito de São Paulo, defende o uso mais restrito desse tipo de placa.
“Nada impediria que o Código de Transito limitasse essas placas. Hoje a existência das placas de representação tem apenas o significado de status para a sociedade”, conclui Julyver Modesto de Araújo.
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