segunda-feira, 16 de setembro de 2013

CARONA ORGANIZADA PELA FACEBOOK É ALVO DO DER

Por FABÍOLA COSTA

Motoristas e caroneiros combinam na internet valor pago em viagens, classificadas pelo DER-MG como 'transporte ilegal de passageiros'

A imagem do viajante com mochilão nas escolas, à beira da estrada, em pé e com polegar estendido já não condiz com o caroneiro de hoje. Com perfil nas redes sociais, ele integra grupos virtuais em que é possível oferecer, pedir ou aceitar carona publicamente, embora os detalhes da viagem, como o valor a ser pago, sejam acordados por mensagens "in box". Os usuários não identificam problemas na prática que se prolifera com a promessa de encurtar o tempo e o custo dos deslocamentos. Em Juiz de Fora, via Facebook, há mais de 20 grupos destinados a carona, alguns com mais de três mil integrantes. O Departamento de Estradas de Rodagem (DER-MG), no entanto, classifica a "carona solidária" como transporte clandestino de passageiros. O motivo é a existência de pagamento - chamado de "auxílio combustível", "divisão de despesas" ou "ajuda de custo" -, vedado pelo Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Para o DER-MG, existem 800 motoristas, inclusive de vans, em atuação - e em situação irregular - nas estradas da região.
Para oferecer carona na rede vale de tudo: postar a foto do veículo, prometer "viagem tranquila", negociar horário, pegar o passageiro nos pontos de viações regulares e deixá-lo em casa. Os grupos virtuais falam ainda em economia, companhia para a viagem e recorrem até a preocupação ambiental. Diante do cerco à pratica, integrantes começaram a combinar estratégias para não serem pegos, como argumentar que são amigos, não postar valores na página e restringir o acesso aos grupos.
Conforme levantamento feito pela Tribuna, o carona economiza parte do valor que gastaria com ônibus - a diferença entre o valor pago ao motorista e o cobrado nas passagens varia de 30% a 52%. Em contrapartida, o passageiro chega a pagar por três, considerando apenas o rateio do combustível utilizado na viagem de carro (ver quadro). "Os preços apresentados pelos praticantes da carona solidária não são atrativos", avalia o especialista em planejamento em transporte urbano e engenharia de tráfego, Luiz Antônio Costa Moreira. A pedido da Tribuna, o especialista fez uma projeção do valor recebido pelos motoristas em oito destinos cuja oferta de carona é mais comum na internet. Os valores recebidos por km são: R$ 0,47 (São Paulo), R$ 0,51 (Belo Horizonte, Barbacena e Conselheiro Lafaiete), R$ 0,57 (Viçosa), R$ 0,60 (Rio de Janeiro), R$ 0,63 (Ubá) e R$ 0,65 (Ponte Nova). Para o cálculo, foram considerados o valor médio pago por pessoa, multiplicado por quatro caronas e dividido pela distância percorrida.
A constatação do especialista é que as cifras, em todos os casos, são superiores ao custo médio do km rodado em um veículo que seria utilizado especificamente para viagens - como se fosse um concorrente das linhas oficiais: R$ 0,45. Nesta conta, considerou-se a realização de uma viagem por dia (ida e volta) para uma cidade localizada a cerca de 200 quilômetros durante um ano. Estão incluídos não apenas gastos com combustível, mas valor do carro, depreciação, manutenção, consumo de lubrificantes, rodagem, seguro e licenciamento. "Não é eficiente qualquer tipo de comparação entre estes meios de transporte, até porque os serviços ofertados são bastante diferenciados. É preciso tomar muito cuidado na hora de se decidir por uma viagem de carona solidária. "

'Dou carona e vou continuar dando'

Um professor de 33 anos, que prefere manter o nome sob sigilo, viaja de Juiz de Fora para Belo Horizonte uma vez por semana. Há cerca de três meses, passou a integrar os grupos virtuais e oferece carona para o trecho. O "auxílio combustível", como define, é de R$ 30. "O meu gasto estava muito alto, e resolvi dar carona para reduzir as despesas. Não tenho objetivo de ter lucro." Pelas suas contas, gasta em torno de R$ 60 por viagem e nunca anda com o carro cheio. Essa semana, por exemplo, levou três pessoas, trouxe uma e conseguiu custear o combustível de ida e volta. Segundo o professor, os gastos com a manutenção do carro não são cobertos pelo "auxílio" e a ajuda do carona, no seu entendimento, não representa infração legal. "Eu dou carona e vou continuar dando. Tenho direito de levar no meu carro quem eu quiser."
Um analista de sistemas de 32 anos mora no Rio de Janeiro e vem à cidade a cada 15 dias. Há seis meses, quando não oferece, pega carona para baratear e encurtar o tempo de deslocamento. Segundo ele, o custo da viagem de carro (ida e volta) fica em torno de R$ 150. Por isso, ele estipula R$ 25 o valor de cada uma das duas vagas que oferece. "Sempre foi tranquilo, inclusive agora existem pessoas mais fixas que combinam as viagens diretamente comigo, sem intermédio do Facebook." Para ele, a coerção à prática é absurda, já que representa apenas rateio de custos.
É por meio das caronas acordadas na internet que um jornalista de 27 anos, que mora em Belo Horizonte, viaja para Juiz de Fora uma vez ao mês. "O valor que eu pago de ida e volta na carona equivale a uma passagem de ônibus." Conforme pesquisa feita pela Tribuna, o custo médio da carona (JF-BH) varia entre R$ 30 e R$ 40, enquanto a passagem de ônibus oscila de R$ 65,80 a R$ 76,75. Para minimizar riscos, o jornalista costuma avaliar o perfil de quem oferece carona antes de aceitá-la. "No início, tinha um pouco de insegurança. É preciso ter cuidado." Ele comenta que o grupo virtual do qual faz parte criou um método de avaliação dos motoristas a partir da experiência dos usuários que serve de base para a sua escolha. Para ele, diante da falta de concorrência na maioria dos destinos intermunicipal e interestadual e da qualidade questionável dos serviços oferecidos pelas empresas de ônibus, a "carona solidária" surgiu como alternativa aos passageiros. Na sua opinião, o enquadramento como transporte clandestino é "injusto".
No Código de Trânsito Brasileiro (CTB), o artigo 231, inciso 8, proíbe o transporte remunerado de pessoas sem licenciamento para este fim. O DER-MG destaca, ainda, a Lei estadual 19.445, de 2011. O artigo 2 considera clandestino o transporte realizado por pessoa física ou jurídica, em veículo particular ou de aluguel, sem a devida concessão, permissão ou autorização. No parágrafo único é vetada a cobrança de preço por passageiro. Entre as sanções previstas, estão multa estimada em R$ 1.250, dobrando em caso de reincidência, e apreensão do veículo. Apesar de o órgão identificar conivência entre condutor e conduzido, a penalidade recai apenas sobre o motorista.


DER identifica 'sobrepreço'

Enquanto destacava o caráter irregular da "carona solidária", o diretor de Fiscalização do DER-MG, João Afonso Baeta Costa, na frente do computador, enumerava posts de ofertas com valores estipulados. "O transporte de pessoas em carro particular, havendo cobrança e remuneração para o condutor, é ilegal." Para ele, nestes casos, o "auxílio de custo", normalmente, é muito superior ao custo propriamente dito, existindo sobrepreço. "É, na verdade, uma cobrança indireta de tarifa." O diretor de Fiscalização identifica proliferação da atividade principalmente em regiões que concentram universidades federais, como Juiz de Fora.
Conforme Baeta, está em curso trabalho de identificação de quem oferece carona nas redes sociais e a pratica de forma habitual, para que exista a interceptação nas estradas, além de operações realizadas em parceria com as polícias rodoviárias e blitze rotineiras. "Ficar captando caroneiros é uma pseudosolidariardade. Passa a ser fonte de receita para o infrator." O objetivo do DER é extinguir a "falsa carona solidária". "Temos a obrigação não só de coibir o transporte clandestino, mas exigir qualidade do transporte regular de ônibus, táxis e fretamento", reforça, em resposta às queixas dos usuários sobre os serviços prestados pelas empresas do setor.
No entendimento do comandante do Pelotão de Policiamento de Trânsito de Juiz de Fora, tenente José Lourenço Júnior, a prática configura transporte irregular por existir cobrança para o deslocamento. O tenente alerta sobre os riscos para o carona. Além da segurança pessoal - por não se conhecer o condutor -, o tenente adverte para o fato de o veículo não ser vistoriado e o motorista não estar habilitado para transportar passageiros. "É uma transgressão, um risco à segurança. Vamos acreditar que a pessoa seja repleta de boas intenções, mas não sabemos se ela está habilitada e se o veículo reúne condições para o transporte."
Procurada, a Associação Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati) disse desconhecer a prática.

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