“Os homens normais não
sabem que tudo é possível.”
(David Rousset)
Em 1951, a cientista política Hannah Arendt lançou a sua icônica obra Origens do Totalitarismo (Companhia de Bolso, 2020), um ensaio a ser rotineiramente compulsado pelos analistas sociais e políticos que desejem aprofundar conhecimento sobre o tema. O que aconteceu? Por que aconteceu? São questões ainda hoje formuladas para total compreensão da explosão dos regimes totalitários (nazismo, fascismos e comunismo) que tanto impactaram o século 20, com reflexos sentidos muito depois das suas derrocadas.
Passados cerca de 70 anos do seu lançamento, percebe-se o ressurgimento de uma onda de governanças com tendências autoritárias — o novo totalitarismo. Ela emergiu em alguns países, particularmente no mundo ocidental desmemoriado quanto ao seu perigo, tornando-se indispensável acompanhar cuidadosamente esses processos.
Ao lançar-se luz em alguns aspectos propostos por Hannah, é possível analisar a dinâmica do método de conquista do poder. E, como consequência, propô-los à avaliação dos leitores, emulando-os a comparar os fatos históricos com casos concretos de nosso tempo. Os movimentos totalitários, com desfaçatez não ruborizada, abusaram das liberdades democráticas, objetivando suprimi-las. Na Alemanha, por exemplo, esteve suportado em base legal, por valer-se do modelo eleitoral vigente pré-tomada do poder.
A autora demonstrou a paulatina substituição do sistema de classes, vigentes no século 19, pelo nascedouro das massas amorfas e manipuláveis no albor do século 20. O conceito da massa foi formulado pela articulista a fim de definir pessoas que, em face de suas indiferenças ou impossibilidades de toda ordem, não podiam integrar uma organização com base em interesses comuns (partidos políticos, organizações profissionais ou sindicatos de trabalhadores).
Compunham-se, em sua maioria, de pessoas neutras, não filiadas a um partido político e que raramente exerciam o direito ao voto na plenitude. Ou por abdicarem de votar, onde esse dever não era obrigatório, ou por votarem por intimação legal, onde lhes era obrigado.
Nos últimos anos, essas massas espelham pessoas descrentes das promessas políticas, que consideram estúpidos até os mais respeitados membros de sua comunidade, bem como perniciosas e desonestas todas as autoridades constituídas.Talvez seja um reflexo do acesso imponderado à informação (promovido em grande parte pelas mídias digitais), que lhes faz acreditar que o seu saber é suficiente para contra-argumentar os mais preparados opositores de ideias.
Destaca ainda a ensaísta que o movimento totalitário se estruturou a partir de pequenos partidos, com ideias nacionalistas em sua gênese. Era “um partido formado por gente obscura e meio louca”, afirmava Hannah Arendt ao avaliar o movimento nazista. Não sendo uma estrutura monolítica, já que formado por agrupamentos não convergentes ideologicamente, o princípio da liderança foi estabelecido pelo culto à personalidade de um mito, erigido na violência e convencimento.
Esses líderes tratavam como mentira todos os fatos com os quais não concordassem ou pudessem vir a discordar, estabelecendo uma ficção oficial como verdade incontestável. As massas os aceitavam e se sentiam representadas por essas figuras. Tinham sido abandonadas ao esquecimento e submetidas a subordinação abjeta à “elite” em priscas eras. O livro nos permite imergir em denso estudo sobre os temas do antissemitismo, imperialismo e sobretudo totalitarismo, de forma que se torna impossível debulhá-lo aos leitores em poucas palavras,. Fica a promessa: voltarei ao tema mais adiante, com foco em outras ideias.
Paz e bem!
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