segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

A virtude do equilíbrio - Por Otávio Santana do Rêgo Barros

Folha de Pernambuco 25 Jan 2021

A semana que passou foi pródiga em fatos que servem de alerta à madura diplomacia brasileira quanto à condução de nossos interesses nas relações com países e organizações multilaterais.

Iniciamos a campanha de imunização contra o Coronavírus com as vacinas da empresa chinesa SINOVAC, então disponíveis em território nacional, contratadas antecipadamente pelo governo paulista e encampadas pelo governo federal.

Problemas com a China, a Índia e outros países, nos campos diplomáticos, comerciais, ideológicos e políticos, impactaram sobremaneira o deslanchar da imunização.

Persiste uma sensação de desamparo por escassez de vacinas e por falta de insumos para produzi-las. Até agora, os agentes do processo decisório mais se parecem com vendedores de produtos farmacêuticos, oferecendo amostra grátis de seus produtos.

Entendo apropriado trazer-lhes uma passagem de Tucídides, o “Diálogo Meliano”, parte da grande obra “A Guerra do Peloponeso.”

Os atenienses decidiram impor o seu jugo sobre a cidade de Mélia, uma aliada dos espartanos. Com uma grande armada, aportaram na costa da Ilha de Melos, desembarcaram e acamparam em local protegido. Nesse ínterim, enviaram emissários para tratar de um “acordo impositivo” junto aos mélios.

Os locais, cientes do poder com qual se defrontavam, procuraram demover os rivais de suas atitudes hostis: “se vencermos na discussão por ser justa a nossa causa, e então nos recusarmos a ceder, será a guerra para nós; se nos deixarmos convencer, será a servidão.”

Os atenienses expuseram de forma direta as suas pretensões: “[...] deveis saber tanto quanto nós que direito é uma questão que só faz sentido nas relações entre iguais em poder. No mundo real, o forte faz o que lhe convém, e o fraco o que lhe compete.”

Em última cartada, os melianos trouxeram à discussão o apoio que lhes proveriam os espartanos, com base na honra e nos laços étnicos, em caso de ataque contra aquela cidade. 

Disse-lhes, ironicamente, o emissário ateniense: “quanto a vossa opinião a respeito dos lacedemônios (espartanos) e a vossa firme confiança em que por uma questão de honra eles viriam socorrê-los, embora apreciando a vossa ingenuidade, nós não invejamos a vossa insensatez.”

Os embaixadores helênicos se retiram proferindo o discurso final: “a julgar pelo resultado de vossas deliberações, parece-nos que sois os únicos a considerar os eventos futuros mais certos que os presentes diante de vossos olhos; vossos desejos fazem ver o irreal como se já estivesse acontecendo.”

Os atenienses cercaram e capturaram a cidade de Mélia, mataram todos os homens adultos e escravizaram todas as mulheres e crianças, e os honrados espartanos nada fizeram em socorro aos melianos, deixando-os à própria sorte.

O mundo atual relembra, em parte, a bipolaridade Atenas-Esparta, em que a busca por hegemonia, agora capitaneada por China e Estados Unidos, arrasta países de menor poder para as suas zonas de influência. Poucos conseguem posicionar-se de forma independente e agir segundo seus interesses.

Ao Brasil, por sua potencialidade, cabe encontrar espaço entre as nações e assumir, em esforço endógeno, uma posição de equilíbrio, ainda que inicialmente instável, diante de outras potências e sobretudo dos dois polos aglutinadores geopolíticos.

Os atenienses defendiam que se nos é dada a oportunidade de escolher entre a guerra e a salvação, não se apegue à alternativa menos promissora. “Aqueles que não cedem diante de seus iguais, que agem como convém em relação aos mais fortes, e são moderados diante dos mais fracos, procedem corretamente”. 

A nossa política externa deve encaixar-se, conforme cada situação, entre essas possibilidades, naturalmente não se apegando à opção da insensatez.  

Uma velha piada, conhecida em salões vitorianos, para desanuviar o artigo. Versa sobre a diferença entre o diplomata, o militar e a dama. 

Se o diplomata diz sim é talvez, se diz talvez é não e se diz não, não é diplomata. 

Se o militar diz sim é sim, se diz não é não e se diz talvez, não é militar. 

Se a dama diz não é talvez, se diz talvez é sim e se diz sim, não é uma dama.

Há diplomatas dizendo não.

Paz e bem!

Otávio Santana do Rêgo Barros

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