Forças Armadas … pra quê?
Com argumentação de viés ideológico, justificou o fim das Forças Armadas pela suposta participação nas disputas políticas recentes, sem, contudo, oferecer sustentação histórica aos seus argumentos.
Cometeu, ainda, o equívoco de confundir o papel maior da instituição com ações isoladas de alguns de seus integrantes.
É compreensível diante do ambiente maniqueísta que se formou nos últimos anos, que cidadãos discordem, concordem, ou simplesmente não considerem enxergar o dia a dia segundo uma lógica sustentada em fatos.
Inegável, a instituição sofreu abalos em sua imagem.
Todavia, como chegou a defender o articulista, abdicar de proteção à nossa soberania, oferecendo em troca apenas a boa vontade dos antagonistas, certamente é ingenuidade dos que desconhecem a dinâmica de poder que veste as nações mundo afora.
Não sendo vozes solitárias, esses pensadores, ao tomarem como exemplo a Costa Rica e Islândia, países que não possuem forças armadas constituídas formalmente e defenderem essa decisão como cabível ao nosso país, precisam debruçar-se com afinco sobre a história do mundo.
Há poucos anos não se imaginaria a Alemanha, que desde a Segunda Guerra mundial assumiu atitude não belicista na busca de cicatrizar as feridas do nazismo, pudesse dar uma guinada em sua política externa e decidisse fortalecer suas forças armadas, estimando um gasto médio de cerca de 2% do PIB para a área de defesa já a partir de 2024.
Não se imaginaria que o Japão, único país a sofrer um ataque ao seu território com bombas atômicas e conviver com as sequelas dessa catástrofe, avaliasse reformular sua constituição para transformar suas forças de defesa, capacitando-as a projetar poder, em consórcio com outros países, sobre a região do Indo-Pacífico.
Não se imaginaria que um conflito com características de guerra entre tribos, ainda que insertado de novas e avançadas tecnologias, pudesse eclodir mais uma vez na Europa, envolvendo diretamente a Rússia e a Ucrânia, e levasse outros países a se digladiarem à semelhança da guerra fria.
Não se imaginaria que a República Popular da China, por meio de seu crescimento econômico incomparável, se alçasse à qualificação de potência mundial capaz de rivalizar-se com a águia americana em todos os campos do poder e disputar hegemonia nos quatro cantos do planeta.
Que a Índia, a Turquia, o Irã se fortalecessem ao nível de potências regionais capazes de influir no equilíbrio de forças nos seus entornos geopolíticos.
Que a Finlândia e Suécia, países tradicionalmente neutros diante dos polos de poder aglutinadores que se formaram após a Segunda Guerra mundial, buscassem agora alinhamento à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) em postura desafiadora ao urso russo.
Que a Austrália, o Reino Unido e os Estados Unidos (AUKUS) conformassem um pacto militar para deter a expansão da China ao Sul do Pacífico, incluindo pacotes de compras e cessão de equipamentos militares da última geração.
Que a África, no passado alvo de interesses colonialistas das potências hegemônicas, se tornasse outra vez ringue para disputas em um neocolonialismo do século 21 e, diante de suas fragilidades, alguns países entregassem sua segurança a milícias armadas, apoiadas ou não por estados consolidados.
Que a América do Sul, ainda que perifericamente, se transformasse em palco das disputas globais.
Que a Região Amazônica, com suas imensas riquezas sustentadas na biodiversidade de seu bioma, muitas ainda desconhecidas, continuasse a ser alvo de interesses externos difusos e paradoxalmente pouco conhecida internamente.
Atlântico Sul, Antártida, espaço sideral, espaço eletromagnético, espaço cibernético, os ambientes de incerteza se multiplicam.
Portanto, esse sobrevoo sobre a geopolítica do mundo moderno já nos habilita a responder à provocação: Forças Armadas … pra quê?
Para dissuadir antagonistas. Para preservar nossos valores. Para sustentar nossas tradições. Para sermos respeitado em mundo fricativo. Para defender, enfim, nossas riquezas, nossos interesses, nossa gente, nossa soberania.
Robert de Saint-Jean afirmou que “a paz é o tempo em que se dizem tolices; a guerra, o tempo em que as tolices são pagas.”
Antes que tolices ditas nos façam ir à guerra, vamos tratar de nos preparar com resiliência e profissionalismo.
*General de divisão da Reserva
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