sexta-feira, 4 de junho de 2021

O pica-fumo - Por Otávio Santana do Rêgo Barros

 


Existe uma presunção equivocada de que o Exército Brasileiro é responsável direto por qualquer comportamento inesperado dos seus membros.

Uma historieta. Há mais de meio século, os deslocamentos militares eram realizados a cavalo. A tropa costumava fumar charuto ou cigarro de palha nas marchas hipomóveis administrativas.

O mais jovem oficial do Regimento de Cavalaria era responsável por picar o fumo de rolo e prepará-lo para seu comandante e alguns oficiais superiores.

Anos se foram, as cargas de cavalaria ficaram no passado, mas as tradições seguem vivazes nos homens de bota. Quando queremos alcunhar os mais jovens e inexperientes não titubeamos: Oh! Pica-fumo.

A formação militar se aperfeiçoou. A chegada dos egressos das escolas é comemorada nos quartéis, não pelo fato de que o aspirante será o responsável por picar o fumo dos superiores, mas em razão de o oficial trazer o oxigênio do profissionalismo e da renovação espiritual na crença de servir absorvidos na ACADEMIA MILITAR DAS AGULHAS NEGRAS (AMAN).

Após a conclusão da AMAN, equivalente ao nível superior, vem um período de aplicação dos conhecimentos. É um momento ainda de formação, embora, aos poucos, os encargos exijam mais competência e serenidade.

Dez anos após o recebimento da espada, o capitão é matriculado na ESCOLA DE APERFEIÇOAMENTO DE OFICIAIS (ESAO), similar ao mestrado, habilitando-se a exercer as funções de oficial intermediário.

O ciclo se reinicia com o aproveitamento do explorado no campo e na sala de aula em funções típicas, lá no corpo de tropa, para onde segue o maduro capitão.

Em curto espaço de tempo, a preparação para enfrentar um desafio de fôlego. Passar no concorrido concurso da respeitada ESCOLA DE COMANDO E ESTADO-MAIOR DO EXÉRCITO (ECEME), onde lhes são impregnados conceitos em nível estratégico e se lhes estimula a discordância leal pela troca fluida de ideias sobre a conjuntura política-militar. Iguala-se ao doutorado.

ECEME é um divisor de águas para a oficialidade. Apenas a quarta parte das turmas de formação consegue diplomar-se.

Novo ciclo, e os oficiais com o estado-maior são enviados aos grandes comandos para assessorarem os generais na gestão operacional, administrativa e da logística militar. No ápice da carreira meritória, chega o momento do comando de batalhões, regimentos, grupos, parques e depósitos.

Nessa fase, alguns são selecionados para compartilhar suas experiências em outros países como instrutores, adidos militares, observadores ou comandantes de tropa de paz e até assistentes sêniores no comando de forças de países amigos.

Quase ao final da longa jornada, são indicados para os cursos de altos estudos de política, administração e estratégia na busca de uma visão holística da realidade brasileira e mundial.

Oficiais passam quase um terço de suas vidas profissionais em ambiente de aperfeiçoamento intelectual. São poucas carreiras que possuem esse perfil. Aplicam esses conhecimentos, nos dois terços restantes, em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), Operações Subsidiárias, Operações de Paz, Operações de Defesa da Pátria, dentre outras.

A promoção a general é feita por mérito e escolha. O processo avalia 35 anos da carreira do coronel proposto. Um dado aos leitores, de 400 Cadetes que se formam na AMAN, tão somente 16 recebem as estrelas de oficial general.

Eis a marcha vigorosa pela qual um jovem com 16 anos terá de enfrentar até ser escolhido, com cerca de 51 anos de idade, para a promoção ao mais alto círculo hierárquico. É um desafio sacerdotal.

Essa trajetória deve ser conhecida de todos, a fim de que equivocadas generalizações não tinjam de dúvidas a competência da oficialidade do Exército de Caxias.

O estamento militar está assestado na preparação dos seus recursos humanos, na defesa dos pilares da hierarquia e da disciplina, na lealdade à constituição e na certeza de que servidão maior não há do que sujeitar-se à coletividade em nome do Estado.

Os que promovem ressalvas ao Exército meditem sobre isso. Os erros e acertos devem ser contabilizados exclusivamente na caderneta de alterações do oficial responsável.

Sociedade, o corpo institucional do seu Exército está vigilante para cumprir as obrigações legais diante da nação com integral e obstinada abnegação. Tudo mais é afronta à racionalidade. Ou bisonhice de pica-fumo.

Paz e bem!

Otávio Santana do Rêgo Barros. General de Divisão R1

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