Madame Natasha suspirou profundamente ao relembrar o quanto tivera que se superar nessa semana cansativa.
Sua mansão, com vista para o lago, na área mais nobre de Brasília, fora palco de uma peregrinação política em busca de bastidores, de informações sigilosas que emparedassem os inimigos.
Os últimos eventos na capital federal e os rumores de que a canoa está furada e fazendo água alvoroçaram os locadores do poder, sempre os primeiros a pularem diante do soçobrar de remadores vaidosos (enfraquecidos e míopes quanto à efemeridade do poder).
Ela precisou encontrar sutilmente uma frase misteriosa para cada cliente e com isso manter a sua credibilidade inatacável de leitora do futuro. Sussurrava enigmática:
- Ao final da batalha no cerrado, meu filho, o mal se ajoelhará diante do bem.
- Só a viagem final desta vida mesquinha é certa, tudo mais são negócios.
Madame Natasha chegou a estudar psicologia, mas abandonou o curso ao não ver perspectiva de enriquecer sem trabalhar. Contudo, guardou o mais importante: pessoas acreditam naquilo que, diante mão, já se convenceram. A charlatã joga com as debilidades humana para se sustentar na ribalta.
Os ouvintes bebem dos seus prenúncios, ajustando-os àquilo que anseiam encontrar: um seguro caminho para não sair da bolha dos apaniguados (mesmo que trilhado pelo grupo adversário). Lealdade é coisa de fracos.
O espetáculo mórbido que a comissão parlamentar de inquérito sobre a COVID-19 vem apresentando à sociedade é um exemplo do baixo nível político e do mau-caratismo de alguns personagens do poder.
Os profanadores da verdade nem se alteraram diante do polígrafo, são profissionais da tergiversação. Declarações insolentes e desrespeitosas são protegidas por uma feição impávida que costumamos chamar de “cara de paisagem” ou “cara de pau”. Uma quase certeza paira no ar: a secular impunidade.
É um circo de péssima qualidade, no qual a politicalha ainda sobrevive em virtude da falta de arrojo da sociedade para alijá-la. Daí, seus atores se transmutam como camaleão, a cada legislatura, conforme a cor do ambiente lhes exija naquele momento.
A folha de papel sulfite afixada à frente da bancada da CPI, indicando o número 425.711 (mortos!), foi um tapa na cara da sociedade indignada. Perplexa, ainda teve que assistir, durante os intervalos das arguições, a uma briga de galo (aquilo nada mais é que uma rinha à moda antiga).
A comissão deveria ter o papel de ser o farol, de ser o verbo do princípio. Deveria apontar e marcar indelevelmente a ferro em brasa os ineptos gestores - em todos os níveis -, seus asseclas descerebrados e seus apoiadores entorpecidos.
Entretanto, não nos enganemos. Naquela rinha há poucos santos e muitos pecadores capitais. Que cobiçam, que não amam e que não respeitam.
São poucas as esperanças da comissão ter um relatório justo com absolvição aos inocentes e severa punição aos culpados. Nós nunca fomos brindados com um “The End” que nos deixasse de alma lavada em pretéritas CPIs. Os finais foram rotineiramente infelizes, decepcionantes e amorais.
Talvez devêssemos consultar Madame Natasha para que, do alto de sua sabedoria, ela nos contasse algo que não fosse mais outra empulhação ou lorota de político. Uma opção aos extremos, quem sabe?
A propósito, caro leitor, Madame Natasha é uma ficção com muito de nossa realidade.
Paz e Bem!
Otávio Santana do Rêgo Barros
General de Divisão do Exército
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