“Quando os que comandam perdem a vergonha, os que obedecem perdem o respeito.” (Georg Lichtenberg)
Ao retomar a obra O POVO CONTRA A DEMOCRACIA – por que nossa liberdade corre perigo e como salvá-la, de Yascha Mounk, encontrei uma passagem que me pareceu casada com as circunstâncias políticas deste momento.
Nero, no apogeu de seu poder, passou a humilhar e matar rivais, incluindo até parentes na macabra chacina. A mãe, o irmão e uma longa fila de políticos renomados foram vítimas de suas anomalias mentais.
Incontrolável, voltou suas aleivosias para o senador Floro, destacado membro de uma família romana. Ordenou-lhe que dançasse em seus jogos (pão e circo sempre), o que seria uma afronta moral sem precedentes para o político.
O dilema: caso se submetesse à ordem, legitimaria o insano governo. Caso se recusasse, o imperador mandaria matá-lo.
Floro consultou Agripino, conhecido filósofo estoico, cuja doutrina defendia que homens sábios eram capazes de superar quaisquer adversidades, desde que fossem resignados aos horrores da vida e seus reflexos no indivíduo.
Era esperado um conselho na linha do enfrente o tirano, não se preocupe com o que lhe advirá após fazer a coisa certa.
Não foi isso que Agripino lhe disse. Ao contrário, afirmou que a decisão já não fazia diferença. “Vá participar dos jogos!”
Floro quedou-se desconcertado: “Então por que você também não participa?”
“Porque nem sequer cogitei essa possibilidade”, explicou Agripino. “Quem se rebaixa a considerar essa circunstância já está prestes a perder o caráter. Será a vida preferível à morte? Sim. Será um prazer preferível à dor? Claro que sim. Você me dirá: ‘se eu não participar do trágico espetáculo ele vai cortar a minha cabeça!’. Vá então e participe dos jogos, mas eu não vou.”
É uma visão difícil de ser acatada no mundo moderno. Conforme os estoicos preconizavam, a exclusiva maneira de deter controle total sobre o seu destino é tornar-se indiferente (uma forma de egoísmo?).
O estoicismo recolheu-se aos bancos escolares, que me perdoem os filósofos aderentes à prática. Não sei se existem. Difícil ficar indiferente às coisas, mesmo que fujam ao nosso controle. Permanecer insensível enquanto o entorno colapsa como um prédio em implosão, não deve ser o padrão a ser seguido por pessoas de bem. Talvez a cínicos e sociopatas, como afirmou Mounk.
No entanto, existe um importante conceito propugnado pelos estoicos. Nunca faremos a coisa (supostamente) apropriada se sempre tentarmos calcular o resultado provável dos nossos atos. Seremos covardes ao não abrirmos uma nova janela?
Quando nos deparamos com perigos reais, os estímulos psicológicos do viver em sociedade – nossa zona de conforto - nos levam à inércia ou à aquiescência.
- Vou protestar, mas que diferença vai fazer?
- Vou denunciar, mas como vou prover a minha família sem trabalho?
- Vou enfrentar, mas o que fazer se a horda adversária me perseguir?
Agripino, reafirma Mounk, asseverava a postura válida ainda hoje: se esperarmos o perigo iminente para sopesar quais os riscos que estaremos dispostos a correr, é provável que no momento decisivo ficaremos servos de nossa fragilidade humana.
Como cidadãos de uma sociedade enferma é preciso definir prontamente “a coisa certa”, para quando a coragem for mais necessária e mais difícil de obtê-la, ao esbarrar em uma resolução inesperada e arriscada, saibamos o que fazer.
Concluo.
Meu profundo respeito aos substituídos Ministro da Defesa, Fernando Azevedo; Comandante da Marinha, Ilques Barbosa; Comandante do Exército, Edson Leal Pujol; e Comandante da Aeronáutica, Antonio Carlos Bermuzez.
“Obrigado Soldado!”
Vocês fizeram a coisa certa. Faltaram aos jogos.
Paz e Bem!
Otávio Santana do Rêgo Barros
General da Reserva do Exército
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