sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Coisa de maluco beleza - Por Otávio Santana do Rêgo Barros

 


Não sei se os integrantes dessas gaiolas sociais contemporâneas são os insanos ou os dementes, ou encontraram o caminho da terceira via.

É coisa de maluco beleza quando uma aeronave comercial, transportando passageiros em pleno exercício do direito de ir e vir, é obrigada a retornar ao aeroporto de origem em face de descumprimento de normas sanitárias por parte de um passageiro.

Usar máscara em ambiente público tornou-se regra, mesmo para adversários da sua eficácia, sendo inadmissível o comportamento daquele cidadão diante da coletividade.

Comentou-me um amigo jornalista que Jorge Luís Borges, aclamado escritor portenho, escrevera que a sociedade argentina não possuía cidadãos, apenas indivíduos.

Borges foi adiante, “[…] creio que se cada um de nós pensasse em ser ético, e se esforçasse a sê-lo, já teríamos feito bastante; pois ao final das contas a soma dos comportamentos depende de cada indivíduo”. Dava ele vazão ao seu filosofar sobre um egoísmo latente que vem se avolumando incontrolavelmente. Somos hoje os argentinos de Borges?

Aquele passageiro reportado no exemplo do avião é apenas indivíduo, indivíduo egoísta. Um verdadeiro cidadão se comporta segundo costumes do grupo social ao qual pertence ou com o qual interage.

Talvez uma ação sistemática, fazendo pesar no bolso destes fulanos, sicranos e beltranos indenizações vultosas, essas patacoadas deixariam de existir.

Reforço com outro mau exemplo, um deboche para com a sociedade sitiada pela Covid-19, qual seja a festa da vitória, promovida em homenagem ao eleito para presidir a Câmara dos Deputados.

Ou ainda com o comportamento insultuoso de algumas autoridades, negando-se a acolher os procedimentos de combate ao espalhamento do coronavírus, e que, por gozarem de alta exposição pública, têm o dever natural de liderar pelo exemplo.

Quer mais uma prova dessa histeria maniqueísta? Os grupos de WhatsApp, ou qualquer outro aplicativo que venha a substituí-lo. Até a simples escolha da ferramenta com a qual o usuário prefere comunicar-se é alvo de ideologização.

E as discussões sobre as mensagens trocadas, a sua intensidade verbal – às vezes chula -, a imposição por uma unicidade de pensamento? Quem ousa divergir, pouco que seja, é logo admoestado.

Parecem integrantes de torcidas organizadas, esgrimindo seus tacos de beisebol, expelindo agressões verbais e urrando cantos de guerra.

É como se desejassem impedir a mitose das ideias contrárias, matando-as em sua origem, restando tão somente as que estejam em completa sintonia com as defendidas pela redoma.

O direito é sempre dos infectados pela sofomania, os deveres, de todos os outros. A rainha soberana da verdade assenta-se tão somente no trono por eles guardado.

O Selvagem, personagem criado por Aldous Huxley, em sua obra Admirável Mundo Novo, é colocado diante de apenas duas alternativas: uma vida de insanidade na Utopia ou uma vida de demência na Aldeia dos primitivos. Não lhe é apresentada uma terceira via.

Não sei se os integrantes dessas gaiolas sociais contemporâneas são os insanos ou os dementes, ou encontraram o caminho da terceira via.

Para mudar tudo isso leva-se tempo e quanto a mim, pouco esperançoso com o que vejo, ainda me restam dúvidas sobre qual caminho seguir e até se devo seguir. Por enquanto, continuarei humildemente a martelar a pedra da insensatez.

Tomando-lhe emprestado a Huxley mais uma ideia: “a revolução verdadeiramente revolucionária deverá ser realizada, não no mundo exterior, mas sim na alma e na carne dos seres humanos”.

Um desafio aos que me honram com a leitura deste desabafo:   vamos ser éticos, e nos esforçarmos para sê-lo.

Ah! Perdão Raul, nada a ver com aquele teu maluco beleza!

Paz e bem

Otávio Santana do Rêgo Barros é general do Exército e ex-porta-voz da presidência da República.

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