terça-feira, 3 de novembro de 2020

CACHANGA - POR OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS

 




“Didi do Baralho”, inveterado jogador, além de péssimo perdedor, criou um jogo de cartas e o batizou de Cachanga. 

As regras, somente ele as dominava totalmente. “Mané Caolho”, adversário de todos os dias e eterno ludibriado, percebeu que essas regras não tinham lógica e se adaptavam às diversas situações para beneficiar o matreiro Didi do Baralho. 

Cachanga Caolho, vai aprender a jogar! Uma manhã, Mané Caolho, crendo-se esperto, tão logo recebeu as cartas grita subindo na mesa: -Tô com a moléstia.

Cachanga seu bexiguento!

Hoje ocênumme ganha mequetrefe. 

Didi do Baralho respirou fundo, tirou o estoura peito da boca, olhou de soslaio para a brasa ardente e disse calmamente: - Tabacudo. 

Cachanga é o quê ô Caolho, tome aqui, Cachanga Real! 

Sacou uma carta do bolso da calça jeans surrada, pintada grotescamente a lápis de cera, com uma imagem que lembrava o palhaço Coringa. 

Jogou-a na mesa em cima do bolo de notas sebentas de dois reais com um sorriso de canto de boca. - A regra é minha, faço com ela o que bem quiser, Caolho. 

Na próxima você ganha, cotoco de gente! 

Estamos às voltas com as eleições municipais. Mais dois anos, com as estaduais e as nacionais. Prestem atenção, a política no Brasil está cheia de Didis do Baralho. 

Entram nas campanhas apenas com o intuito de locupletar-se, prometem mundos e fundos, se exibem como os diferentes e raramente expõem planos de governo minimamente estruturados. Tão logo são eleitos começam a jogar Cachanga com o povo. 

Ao menor sinal de que o embate democrático possa contrariá-los, mudam a regra, sacam o Coringa peguento e anunciam: Cachanga real! 

Nas últimas eleições, sentimos o bafejo de ventos mais puros, nascidos do cansaço com a velha política e da esperança que a aragem de dias mais amenos viria para nos afagar a face tão judiada. A corrupção que grassava por longos anos em pretéritos governos, independente de colorações partidárias, com apoio de legisladores camaleônicos, parecia ter seus dias contados. 

Passados dois anos, imersos em uma pandemia ainda sem controle e uma brutal crise social, sanitária e econômica, nos deparamos com a sordidez de alguns políticos, eleitos na crista daqueles ventos cambiantes, a surrupiar, à luz do dia, os escassos recursos destinados ao enfrentamento dos desafios impostos pela Covid-19. 

Nos deparamos, ainda, com mudanças dos pilares que sustentavam o entusiasmo que florescia após o pleito de 2018: combate à corrupção, economia lastreada em princípios liberais e o enfrentamento do inadmissível crime moral do “toma lá, da cá”. 

Triste constatação. 

Vemos agora aqueles velhos camaleões da política, ressurgirem das cinzas, assumindo a coloração que lhes promoverá novas sinecuras. Não podemos aceitar que esses jogos vorazes da política desvirtuem as normas institucionais que devem ser acolhidas pelo todo da sociedade. 

Não nos permitamos que os “Didis do Baralho” nos imponham suas regras, adaptadas às suas circunstâncias, a fim de se perpetuarem no poder. 

Ao compactuarmos com jogo da democracia, fixemos rigorosamente os códigos sob os quais admitimos participar, obrigando os jogadores que nos representam a defender os mesmos princípios e valores que carregamos e esboçamos por meio daquele voto solitário. 

Você é o responsável maior pelas regras desse carteado. 

Não esqueça! Paz e bem! 

GENERAL DO EXÉRCITO

Publicado na Folha de Pernambuco, em 01 de novembro de 2020

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