Palhaços que nos fazem sofrer e chorar não podem receber nosso respeito.
Quando criança, eu adorava o palhaço Carequinha, seu nariz vermelho, suas roupas multicoloridas, sua genuína alegria.
Morava em uma cidade relativamente pequena, onde as principais diversões eram o cinema (aqueles filmes italianos de “cowboy” com o Django), ir à praia, jogar bola na areia, além dos concorridos campeonatos de futebol botão.
Quando o circo Tihany por lá passava era um verdadeiro “Rock in Rio”. A cidade parava.
Comprávamos os bilhetes em concorridas filas no próprio circo. A mulher barbada era a responsável pelo caixa.
As apresentações davam gosto de ver. Os leões e seus domadores. As motocicletas dentro da bola de ferro. Os mágicos e seus coelhos. Os trapezistas e seus saltos triplos. Tudo era alegria.
Mas o palhaço. Ah! o palhaço era a minha atração predileta. Chorávamos de tanto rir. Saíamos do circo de alma lavada. Quem não adorava o palhaço? Ele nos oferecia, sempre, a felicidade simplória.
Os anos se passaram. As trupes circenses foram desaparecendo aos poucos e com elas o romantismo que traziam. Números com animais foram proibidos. Normas dos alcaides inviabilizaram as montagens das grandes lonas em espaços públicos. Os custos elevados impediram definitivamente a magia do circo.
E os palhaços? Os palhaços foram minguando. A arte de nós fazer flutuar no riso já não era mais tão apreciada. As piadas, antes naturais, foram sendo contestadas com base em novos parâmetros.
Desapareceram ou perderam toda graça.
Agora, alguns notáveis na nossa sociedade assumiram ou tentaram assumir, com anedotas de duvidoso gosto, aqueles papéis representados pelos palhaços Piolin, Carequinha, Arrelia e tantos outros de seus discípulos. Divertir a plateia.
Entretanto, eles são tão forçados, debochados e desqualificados para essa bela arte que, ao contrário de nos fazer sorrir, arrancam-nos lágrimas.
Tantas estultices.
Essas piadas só agradam aos apaniguados, aos que entraram no circo com bilhetes de promoções patrocinadas pelo próprio arlequim ou aos que, famélicos e esquecidos, necessitam a todo momento de ajuda para seguir vivendo. Diferente desse público: sei lá, plateia vazia!
O Nobel de literatura Mario Vargas Llosa, em seu clássico A civilização do espetáculo, asseverou: “o que vivemos numa época de grandes representações que dificultam nossa compreensão do mundo real, é algo que me parece uma verdade cristalina”.
Esses palhaços contemporâneos estão representando muito bem, por conseguinte se colocam em condições de toldar a nossa capacidade de estimar o mundo real e a crueldade por eles perpetradas.
Os palhaços de verdade eram nobres em suas simplicidades. Eram inteligentes emocionalmente. Eram a alegria com roupagem natural.
Nós estamos muito próximos de encerrar esses 365 dias de tantas angústias. De tantas perdas. Quando os poucos fogos de artifício anunciarem o nascimento de 2021, sendo você supersticioso ou não, pule com o pé direito, salte as sete ondas, use branco, coma lentilha.
Então feche os olhos, ore, e inclua em seus pedidos apagar as luzes deste circo tétrico impedindo que novas apresentações sejam assistidas, remuneradas e comentadas.
Palhaços que nos fazem sofrer e chorar não podem receber nosso respeito. Distinta plateia, respeitável público… Já basta.
Queria ter sido mais ameno, mas…
Feliz Natal. E um Ano Novo com mais esperanças!
Paz e bem!
Otávio Santana do Rêgo Barros, general do Exército, foi porta-voz da presidência da República.
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