Por Mauro Morais
O relógio de Maria Adelaide Magalhães, a Dadá, segue um compasso diferente. Há uma urgência em tudo o que faz, principalmente em relação à pequena casa de número 125 da Rua José Teodoro dos Santos, no Bairro JK, Zona Sudeste de Juiz de Fora. Sentada à mesa repleta de quitutes e de um saboroso suco natural de abacaxi, ela conta sobre seus planos para o espaço cultural que decidiu implantar na morada em frente à sua. O lugar deve abrigar uma biblioteca, uma sala de informática, um ateliê de pintura, uma cozinha e uma sala de estudos, além de outras propostas que surgirem pelo caminho. Ao lado de um lote onde em 2008 ocorreu o desabamento de uma casa e um grande deslizamento de terra, o projeto de Adelaide serve como injeção de autoestima para uma comunidade ainda fragilizada com as lembranças de uma tragédia.
“Se eu conseguir fazer com que cinco crianças frequentem aqui, está ótimo. Se três adolescentes fizerem um curso e forem empregados, já é um sucesso. Quero dar acesso, mostrar que é possível mudar”, diz, apontando para as muitas necessidades do espaço, como mais livros, outras mobílias e voluntários. “Você pode até pensar que é ser muito altruísta, mas não”, apressa-se a responder a um questionamento meu. “O Estado é que tem que cumprir seu papel, mas já que está assim, faço minha parte. E acho que posso fazer mais. As comunidades não podem ser esquecidas. A história nos mostra que os pobres sempre foram tirados dos centros urbanos e levados para cada vez mais longe de seus trabalhos, para as margens. Isso não pode continuar. Se cada um cuidasse um pouco mais do outro, desse uma chance, tudo seria diferente”, reflete.
Casa a prestação
Comprada de um irmão, a residência foi financiada em muitas prestações, mas nada que faça Adelaide desistir. “É o financiamento de um sonho”, diz a filha Ana Paula. “Estou suando para pagar. Não tenho mais tempo para ficar rica, já trabalhei, criei meus filhos. Eles estão cuidando da vida deles, e eu cuido da minha do jeito que quero, mas teve um tempo em que eu não cuidava como queria, mas do jeito que tinha que cuidar”, pontua a mãe de um casal, a turismóloga Ana, que ano que vem pretende dar uma volta ao mundo, e o mergulhador da marinha Paulo. Observando as paredes da casa, ela explica: “Essa cor foi o seguinte: Meu dinheiro só dava para comprar essa tinta, mas quando der vai ser colorida. Quero fazer tudo, tenho até um pouco de angústia”. Nascida e criada em Juiz de Fora, Adelaide mudou-se para o JK ainda menina, com os pais e os quatro irmãos. Perguntada sobre as raízes desse seu desejo de mudança, ela pensa e me diz: “Acho que isso vem do meu pai. Ele morreu cedo, mas sempre foi muito envolvido com a causa dos metalúrgicos. Na época da ditadura, ele teve até que sair da cidade”, recorda-se ela, que aos 18 perdeu a mãe, ampliando, assim, suas responsabilidades.
Assistente social artista
Secretária de escola aposentada, Adelaide decidiu, já próxima dos 60 anos, começar o curso de serviço social, numa faculdade particular, onde se formou em 2010. Há um ano e meio, ela cursa o bacharelado interdisciplinar em artes e design na UFJF. “Comecei a pintar em um curso de comunidade, oferecido pela Prefeitura, e agora vou me formar na área”, conta, sorrindo. Assim como pegar dois ônibus cheios para chegar à sala de aula pela manhã não é um problema, a convivência com garotos bem mais novos que ela também não é. “Não tenho problema de relacionamento com professor ou aluno. É tudo muito bom. Tenho uma rotina normal de faculdade, corro para lá e para cá o dia inteiro”, afirma. “Ela não falta aula”, conta a filha. “Ela tem um disposição incrível, não conta as tristezas da vida”, completa Ana Paula. Diagnosticada com artrite, Adelaide convive 24 horas com fortes dores e ainda assim encontra disposição para cair no samba do carnaval na Marquês de Sapucaí, onde vai todo ano, e para tomar vinho com amigas como Cirley, que a ajuda na formação do espaço cultural. “Gosto de tomar vinho, mas quando tenho dinheiro tomo um bom, quando tenho menos, tomo um médio. O melhor vinho é o que cabe no meu bolso. Sempre tive uma vida apertada, mas nunca infeliz”, destaca.
Outro relógio
Logo que conquistou o diploma de assistente social, a mulher que sempre se dedicou às melhorias de seu bairro fez alguns trabalhos voluntários, mas é no chão onde pisa todos os dias que ela quer fincar sua bandeira por outro futuro. Adelaide, na verdade, não se prende ao passado ou ao presente para escrever o dia seguinte. “Já estive muito doente, fiquei um mês na cama sem poder levantar, por causa da artrite. Fui a um médico, em Barbacena, que me disse: ‘Não pare de trabalhar, porque senão vai ficar entrevada’”, conta. Com seu tom de voz carregado de entusiasmo e um sorriso acolhedor, Adelaide olha para a casa que comprou, já com alguns livros e muitos quadros pintados por ela, com os olhos marejados: “Já estive muito comprometida. O problema, hoje, é não ter maiores problemas. Não adianta ficar sentada chorando. Não sei quanto tempo tenho para fazer alguma coisa para alguém. Enquanto houver tempo, farei a minha parte”.
http://www.tribunademinas.com.br/outras-ideias-com-maria-adelaide/
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