07 de Julho de 2013 - 07:00
Tribuna acompanhou a passagem dos comboios por 11 horas e 10 minutos
Por RENATA BRUM
A passagem dos trens paralisa a cidade, diariamente, de segunda a segunda, por duas horas. A estimativa considera o fluxo médio de 30 comboios em 24 horas, com bloqueio das travessias por cerca de quatro minutos a cada passagem. De acordo com a MRS Logística, detentora da concessão de exploração da malha ferroviária, uma composição atravessa a cidade a cada 48 minutos. Em 2008, os intervalos eram de 57 minutos. Quatro anos antes, em 2004, uma hora e 36 minutos separavam a passagem de duas composições. A cada ano, o trânsito é interrompido com maior frequência em função do aumento da produção ferroviária. No ano passado, a MRS transportou 155,4 milhões de toneladas de produtos, 2% a mais do que o volume registrado em 2011. Para este ano, a projeção é de 158 milhões de toneladas a serem transportadas. Mesmo diante desse cenário, nenhuma das alternativas para minimizar as interferências ferroviárias, como construção de viadutos e mergulhões - apontadas desde 2004 como solução - saiu do papel. Nos horários de pico, a situação é ainda mais crítica, já que espaço de tempo entre as composições não chega a 25 minutos. O resultado: congestionamentos que começam pelas vias adjacentes ao eixo ferroviário e se estendem por boa parte da região central. Em casos de acidentes na ferrovia, como os frequentes atropelamentos, as paralisações do trânsito chegam a ultrapassar 40 minutos.
Além de sobrecarregar ainda mais o tráfego urbano, já saturado com uma frota de 213 mil veículos - conforme estatística do Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) -, a linha férrea divide vários bairros, dificulta o acesso de moradores, além de oferecer riscos de acidentes. Para os especialistas e a própria Prefeitura, a solução definitiva para os problemas não passa pela concretização das obras viárias, consideradas apenas paliativas, mas pela retirada dos trilhos do Centro e pela implantação de um contorno ferroviário.
A Tribuna acompanhou o fluxo das composições férreas na passagem de nível da Benjamin Constant pelo período de 11 horas e 10 minutos (ver quadro), para verificar o impacto provocado na rotina da cidade. Pedestres, usuários do transporte coletivo urbano, motoentregadores, motoristas de serviços de emergência, todos sofrem com as retenções provocadas pela passagem do trem. Entre o fim da tarde e o início da noite, horário de rush, o cenário é ainda pior. Seis trens cruzaram a cidade entre 16h55 e 18h50. Em cada uma das vezes, o tráfego ficou interrompido entre três minutos e meio a quatro minutos. Ou seja, no intervalo de duas horas, cerca de 20% do tempo foram perdidos em função do fluxo ferroviário. O mesmo foi observado no início da manhã. Em 35 minutos, três composições interromperam o trânsito por quase 12 minutos. Entre meio-dia e 13h30, os juiz-foranos foram obrigados a esperar a passagem de outros quatro comboios de vagões.
No Poço Rico, o fechamento da passagem de nível reflete em congestionamentos pela Pinto de Moura e pelas vias próximas, como as ruas da Bahia e Osório de Almeida. A interrupção frequente também prejudica o fluxo de veículos que deixam a região Sudeste com destino à Zona Sul. E quem trabalha ou mora nos arredores ainda teme os acidentes. "Os imóveis são bem próximos da linha. E até os carros param muito perto. Já imaginou um dia ter um descarrilamento aqui? O risco de acidentes existe, e é por isso acho que deveriam tirar o trem do Centro", comenta o comerciante Fernando Barros.
No Morro da Glória, no trânsito já saturado da Avenida dos Andradas, a saída do Colégio Santa Catarina coincide com a passagem da composição. Para lojistas da região, o abuso é o maior problema. "O trânsito para, e ninguém tem paciência. Muitos descem a Andradas na contramão. Os pedestres ficam muito vulneráveis", conta a comerciante Juliana Siez.
Na Benjamin Constant, no Centro, a falta de sincronia entre o fechamento da passagem de nível e do semáforo resulta em um nó no trânsito. "A partir das 18h, o fluxo de trens é muito mais intenso, e o trânsito fica terrível. Como por aqui passam muitas linhas de ônibus, o caos é ainda maior. Além disso, há os atropelamentos por trens ou motos. Isso porque, quando o trem está se aproximando, o pedestre quer passar, mas o motoqueiro também, e é acidente na certa", diz a comerciante Ana Paula Bastos.
Impacto como o das escolas
O impacto dos trens na cidade pode ser comparado ao das escolas e da universidade nos horários de pico, segundo o engenheiro e consultor José Ricardo Daibert, especialista em mobilidade urbana. "As interrupções provocadas pelo trem representam o mesmo que o fluxo aumentado por conta da entrada de colégios. Não há diferença no impacto provocado. Um paliativo rápido para minimizar os prejuízos com a linha férrea em área urbana seria o reescalonamento das ofertas das composições pela MRS, de modo a conciliar com a demanda de fluxo, sobretudo no pico da manhã e da tarde e entre os picos, no horário de almoço", defende Daibert.
Segundo o gerente geral de regulação da MRS, Sérgio Carrato, a programação logística é baseada na produção de minério. "Os trens passam pela cidade após descarregar nos portos. Passamos por mais de 50 municípios, entre Rio e Minas, e não conseguimos ter uma grade de horários fixa, pois estamos suscetíveis a problemas variados. São mais de cem passagens de nível somente no trecho mineiro. Se há algum incidente, os trens ficam acumulados, um atrás do outro, e precisamos cumprir o contrato com os clientes. Mas hoje temos um centro de controle operacional moderno, para garantir integridade das operações e da comunidade", explica.
Para Carrato, a situação atual é reflexo da lacuna no planejamento da cidade. "Juiz de Fora assistiu ao aumento da população e da frota de veículos nos últimos anos, mas não teve grandes obras de transposição da linha férrea. A última foi o viaduto Ramirez Gonzalez, na Zona Norte, e na região central, o Viaduto Augusto Franco, em 1991. Recentemente é que o município assinou convênio com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), para obras de transposição. A MRS também assumiu compromisso com o Município, celebrado em convênio, com repasse de R$ 10 milhões para as intervenções. Do total, R$ 2,4 milhões já foram repassados, e o restante será aplicado no final das obras."
'A solução definitiva é o anel ferroviário'
Para o especialista em mobilidade urbana José Ricardo Daibert, a construção de dois mergulhões na área central (na Rua Benjamin Constant e próximo ao Terreirão do Samba) e dois viadutos, um deles no Mariano Procópio e outro no Poço Rico - todas interferências viárias de transposição da linha férrea -, é um paliativo. "De imediato, os condutores não teriam mais que parar na travessia, mas daqui a pouco essas obras estarão sobrecarregadas. A solução definitiva é o anel ferroviário, pois retiraria os trens de dentro da cidade, já que Juiz de Fora não é destino das composições. E o mais importante é que, ao fazer o deslocamento da ferrovia, a linha atual não seria mais demandada. São 25 quilômetros que poderiam ser aproveitados para o transporte de massa de velocidade sobre os trilhos. Seria um corredor de deslocamento rápido que atravessaria toda a cidade, uma grande solução para garantir a viabilidade do trânsito e a mobilidade urbana." Ainda segundo Daibert, o interesse seria também da MRS, já que a passagem dos comboios pela área urbana amplia o risco de acidente, aumenta o seguro das cargas e encarece o transporte ferroviário.
Gerente geral de regulação da MRS, Sérgio Carrato, confirma a informação."Se a linha fosse isolada, a eficiência do transporte seria bem maior. Na área rural, nossa velocidade é de 60 km/h, mas quando entra no Retiro é preciso reduzir para a metade. Poderíamos passar pela cidade em 20 minutos, mas hoje gastamos uma hora. Além disso, a imprudência das pessoas coloca a operação em risco. Quando um maquinista freia para evitar um acidente, é preciso verificar toda a composição, de cerca de 1.500 metros de comprimento, o que demora cerca de 40 minutos. Por isso também somos interessados nas obras viárias e no contorno ferroviário. Em primeiro lugar, pela segurança. Em segundo, porque aumentaria nossa velocidade, reduzindo nosso tempo de locomoção", explica Carrato, que acredita na união política para a viabilização do projeto: "Reconhecemos que o contorno é um projeto caro, que demandaria, no mínimo, R$ 600 milhões. O projeto já existe e foi feito pela própria Prefeitura, mas precisamos de avanços políticos."
Secretário de Transporte e Trânsito, Rodrigo Tortoriello, concorda. "Como a mobilidade urbana entrou na pauta política, essa é a oportunidade para tentar viabilizar o projeto. As obras viárias irão ajudar bastante, porque hoje qualquer incidente faz a cidade parar. Mas são intervenções com prazo de validade. O contorno ferroviário é a solução porque, além de garantir mais segurança, deixará o eixo remanescente, o qual poderá ser usado para o transporte público, independente do modelo. O mais adequado seria BRT(trânsito rápido de ônibus), que o Rio implantou e Belo Horizonte está implementando. O sistema com estações de embarque e venda pré-paga de bilhetes é uma 'metrorização' do ônibus."
Nenhum comentário:
Postar um comentário