quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Para um Grande Exército, um Grande Patrono!


“Soldado e estadista, cabo de guerra e cidadão, Luiz Alves de Lima e Silva, Duque de Caxias, é um desses heróis históricos que tanto podem resplandecer numa galeria cavalheiresca de grandes vultos guerreiros, como numa série, silenciosa e civil, de construtores de nacionalidade”.
                                                                           Pedro Calmon (Historiador)

Considerações Iniciais

  Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, “Nome Tutelar da Nacionalidade” e “Unificador da Pátria”, foi tudo em nosso Brasil! Marechal do Exército, Conselheiro de Estado e da Guerra, Generalíssimo dos Exércitos da Tríplice Aliança, Barão, Conde, Marquês, Duque (o único do Brasil independente), Presidente de Províncias, Deputado (eleito pelo Maranhão, mas não empossado), Senador, três vezes Ministro da Guerra, três vezes Presidente do Conselho de Ministros, Grã-Cruz das Ordens brasileiras de Aviz, de Dom Pedro I, da Rosa e do Cruzeiro! E hoje, como preito de gratidão e reconhecimento dos brasileiros, o augusto nome do insigne Patrono do Exército Brasileiro está inscrito, por força de Lei, no “Livro dos Heróis da Pátria”, existente no Panteão da Liberdade e da Democracia, na Praça dos Três Poderes, em Brasília-DF.

  Muito já se disse a respeito do Duque de Caxias. É fato consabido e assinalado por historiadores de nomeada, que a modelar existência do “Pacificador” se confunde com a do Exército e a do próprio Brasil, sendo certa e recerta a intemporalidade das belas lições que ele nos legou. Repetir dados e enfoques de sua vida, já assaz conhecidos, afigura-se em um mero exercício de tautologia. Entretanto, aspectos pessoais, singulares e pouco lembrados da fulgurante trajetória terrena do ínclito Soldado, máxime as suas memorabilíssimas e históricas declarações, merecem ser relembrados.

   Assim, apresentaremos, dentre tantos e de escantilhão, alguns registros dignos de nota relativos ao Homem-Caxias; ao Pacificador-Caxias e ao Soldado-Caxias. Outrossim, recordaremos as principais homenagens que foram tributadas a esse pró-homem da nacionalidade brasileira. Tal é o objetivo dessas achegas, escritas em apertada e incompleta síntese.  

  O Homem-Caxias

  Luiz Alves de Lima e Silva pautou a sua vida pela inteireza de seu adamantino caráter, acendrado patriotismo, arrojo, fervorosa religiosidade e inexcedível exação no cumprimento do dever.

   Caxias possuía estatura acima da média para a sua época (quando trasladado, em 1949, para o Panteão em frente ao Ministério da Guerra, no Rio de Janeiro, na Ata de Exumação constou que o esqueleto media 1,72m); de compleição atarracada, ombros largos, olhos castanhos, cabelos castanho-alourados, tez clara e rosada, voz suave, sisudo, garboso, austero, pundonoroso, de hábitos morigerados, rigorosíssimo no cumprimento do dever, porém muito humano, saudável, apesar de padecer de uma malária contraída no Maranhão, que lhe causava a inchação do fígado; orgulhoso de sua formação militar, resoluto, corajoso, determinado, sedizente fatalista - o que também pode explicar a sua invulgar temeridade -, maçom dedicado, pai extremoso e “cristão de fé robusta”. 

 O Coronel José de Lima Carneiro da Silva, neto de Caxias, quando entrevistado, aos 83 anos, pela revista “Nação Armada” (n° 23, Out 1941), declarou em determinado trecho da entrevista: “O Duque, após o passamento da Duquesa, jamais tirou o luto, mesmo em casa. Era, entretanto, alegre e se alimentava bem, preferindo à mesa, pratos da culinária gaúcha. Apesar de fluminense, o Rio Grande do Sul era a sua menina dos olhos. A toda hora falava de suas coisas, dos seus homens e tinha mesmo um certo sotaque de riograndense do sul. A música encantava-o, como velhas mazurcas e valsas, tocadas ao piano por sua comadre Maria José, que ele ouvia em silêncio, fumando grandes e perfumados charutos. Era um inveterado fumante de charutos, consumindo vários por dia.”

  Caxias tomou posse no Senado, em 11 Mar 1846, como Senador pelo Rio Grande do Sul. Um dos Senadores pelo Rio de Janeiro, era o seu pai, o ex-Regente, Marechal Francisco de Lima e Silva. Pai e filho, como Senadores, sempre se respeitaram e quase nunca faltavam às sessões; quando tal ocorria, como nos conta um de seus melhores biógrafos, o General Affonso de Carvalho, “o ex-Regente deixava-se ficar em casa e os seus íntimos adivinham a resposta: Eu hoje teria de votar contra o Luiz. Da mesma forma, quando o Conde não manda preparar a caleça, a bondosa “Anica”,
sua esposa, já conhece a explicação: Eu hoje teria de votar contra meu pai”...

  Caxias trouxe do Paraguai, três cavalos: “Moleque”, “Douradilho” e “Aedo”. Um de seus biógrafos, o Dr. Vilhena de Moraes, nos dá conta da seguinte reminiscência: “Ao fogoso “Douradilho”, da ponte de Itororó, Caxias, já velho e enfermo, costumava melhorar-lhe a ração na data de aniversário daquele combate (6 de dezembro)”...

  Quando da concessão da anistia aos vencidos, ao término da Revolução Farroupilha, sobejamente aflorou o sentimento de generosidade  do “Pacificador”. Ele concedeu liberdade aos cativos farroupilhas, incorporando os que assim desejassem ao Exército Imperial, e tratou com extrema bondade os derrotados, sendo escolhido, pelos próprios gaúchos, para Presidente da Província e por eles indicado para Senador pelo Rio Grande do Sul. Não apenas por tudo isso, o saudoso jornalista e acadêmico Barbosa Lima Sobrinho concedeu-lhe a envaidecedora honorificência de “Patrono da Anistia” e o eminente historiador militar, Coronel Cláudio Moreira Bento, o cognominou de “Pioneiro Abolicionista”.

  Manoel Marques de Souza, futuro Conde de Porto Alegre, fôra colega de Turma do Duque de Caxias e escreveu, em 8 Nov 1841, uma carta de congratulações, mas muito cerimoniosa, ao recém-promovido Brigadeiro Luiz Alves (anote-se que Manoel Marques não havia logrado promoção, permanecendo como Tenente-Coronel). Caxias não gostou do tratamento que lhe foi dispensado pelo velho amigo e lhe enviou uma missiva, na qual, em determinado trecho, assim se expressou: “De volta de minha fazenda, onde me demorei mais de dois meses, recebi uma carta tua, de 8 de novembro, em que me tratas com toda a “gravidade” devida a um Barão e Brigadeiro, porém não a um amigo velho e camarada, um pouco mais feliz na sua carreira do que tu. Eu sou o mesmo Luiz Alves e cada vez mais amigo dos meus amigos e, conquanto não despreze em nada as honras com que Sua Majestade Imperial me quis agraciar, contudo não me enfatuo com elas”.

  Na Campanha contra Oribe, do Uruguai (1851), o Comandante-em-Chefe lança uma conclamação a seus soldados: “Não tendes no Estado Oriental outros inimigos senão os soldados do General Manoel Oribe; e esses mesmos quando iludidos, empunharem armas contra os interesses de sua Pátria. Desarmados, ou vencidos, são americanos, são vossos irmãos, e como tais os deveis tratar. A verdadeira bravura do soldado é nobre, generosa e respeitadora dos princípios de humanidade”.

  Após a batalha do Avaí (11 dez 1868), o Brigadeiro João Fonseca Costa, Chefe do Estado-Maior de Caxias, lhe comunica a ocorrência de duas transgressões disciplinares. Houvera a fuga do “xadrez de campanha” de um grupo de soldados, os quais se armaram indevidamente e se incorporaram às tropas, tomando parte na batalha. Caxias, sempre muito compreensivo e humano, após ouvir o relato de seu Chefe de Estado-Maior, disse-lhe com um sorriso nos lábios: “Meu caro João, desculpe a última transgressão e, se possível, conceda a graça do perdão para a primeira”... 

  Ainda com referência à grandeza de espírito de Caxias, observe-se em seu Testamento, como está expressa uma de suas vontades: “Declaro que deixo ao meu criado Luiz Alves, quatrocentos mil reis e toda a roupa de meu uso”. Diga-se que esse criado era um índio que ele trouxera do Maranhão, ainda jovem, após a Balaiada, adotando-o e dando-lhe o próprio nome; ressalte-se também que ele foi a primeira pessoa lembrada no dito Testamento, no qual, somente depois, são mencionados familiares e amigos íntimos do venerando Marechal...

  Seria despiciendo falar-se do exacerbado patriotismo do Duque de Caxias. Mas gostaríamos de encerrar essas relevantes considerações atinentes à figura humana desse exponencial personagem de nossa História, alinhavadas não em ordem cronológica, relembrando um trecho de uma carta por ele escrita ao Visconde do Rio Branco, ao tempo da “Questão Christie”, de dolorosa memória, e que bem evidencia o seu acrisolado amor ao Brasil: “Não se pode ser súdito de nação fraca. Tenho vontade de quebrar a minha espada quando não me pode servir para desafrontar o meu País, de um insulto tão atroz”.

  “Ecce Homo!” Era assim, o Homem-Caxias!

  O Pacificador-Caxias

  Caxias pacificou quatro Províncias do Império: Maranhão, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, havendo quem inclua também nesse rol, a Província do Rio de Janeiro, em vista de ele haver debelado, em 1832, a insurreição liberal-republicana  promovida pelo Major Miguel de Frias e Vasconcelos. Não é escopo deste trabalho, a abordagem de aspectos estritamente militares dessas Campanhas, tantos já o fizeram com exatidão e competência. Salientaremos apenas alguns aspectos que devem ser perenemente lembrados, tal é o grau superlativo dos mesmos. 

    Na pacificação do Maranhão, o jovem Coronel Luiz Alves denomina a sua tropa de “Divisão Pacificadora” e, logo de início, lança uma proclamação de elevado teor emocional: “Maranhenses! Mais militar que político, eu quero até ignorar o nome dos partidos que, por desgraça, entre vós existem!” E, com firmeza e magnanimidade, consegue pacificar a Província, submetendo a cidade de Caxias - capital dos revoltosos -, recebendo, “ipso facto”, em 30 Jun 1841, o primeiro de seus títulos nobiliárquicos, o de Barão de Caxias. Registre-se que o 24° Batalhão de Caçadores, de São Luís (MA), ostenta, com ufania, a denominação histórica de “Batalhão Barão de Caxias”.

  Em 1842, São Paulo e Minas Gerais se revoltam. O Barão de Caxias, já Brigadeiro, incumbido de nova missão pacificadora, parte para São Paulo e age com inexcedível rapidez e eficiência, conseguindo subjugar Sorocaba, principal foco rebelde, fazendo prisioneiro o ex-regente, Padre Diogo Antônio Feijó, que lhe dirigiu uma carta em que afirmava: “Quem diria que em qualquer tempo o Sr. Luiz Alves de Lima e Silva seria obrigado a combater o Padre Feijó? Tais são as coisas deste mundo!” Caxias lhe responde: “Quando pensaria eu, em algum tempo, que teria de usar a força para chamar à ordem o Sr. Diogo Feijó? Tais são as coisas deste mundo! As ordens que recebi de Sua Majestade, o Imperador, são em tudo semelhantes às que me deu o ex-ministro da Justiça, Padre Diogo Feijó, em nome da Regência, nos dias 3 e 17 de abril de 1835, isto é, que levasse a ferro e fogo todos os grupos armados que encontrasse e, da mesma maneira que então as cumpri, as cumprirei agora”. Quando o mencionado Padre foi preso, disse-lhe Caxias, com toda reverência: “Só o dever de Soldado me impõe o doloroso dever de vir prender o Senhor Senador Feijó, um dos Chefes do movimento revoltoso. Convido-o a acompanhar-me”.

  A seguir, o Barão dirige-se para Minas, em marcha forçada, assediando Ouro Preto, Barbacena e Sabará e vai ter seu definitivo triunfo em Santa Luzia, comandando um assalto à baioneta, com que derrotou os revolucionários e pôs cobro à revolução.

  Em 1843, Caxias dá início às operações contra os farroupilhas, no Rio Grande do Sul, em um cenário bem mais difícil e perigoso, em face das circunstâncias geográficas, militares e políticas da área conflagrada. Ao chegar àquela Província, tal e qual procedera no Maranhão, conclama os gaúchos, alertando-os: “Riograndenses! Lembrai-vos que a poucos passos de vós está o inimigo de nós todos, o inimigo de nossa raça e tradição. Não pode tardar que nos meçamos com os soldados de Rosas e de Oribe. Guardemos para então nossas espadas e nosso sangue. Vêde que esses estrangeiros exultam com esta triste guerra, com que nós mesmos estamos nos enfraquecendo e destruindo. Abracemo-nos e unamo-nos para marcharmos não peito a peito, mas ombro a ombro em defesa da Pátria que é a nossa Mãe- Comum!”

  Em 1845, a Província é pacificada e os farroupilhas escolhem Caxias para seu Presidente e o indicam, à sua revelia, para representá-los no Senado, faltando apenas três votos para que a consagração do sufrágio fosse por unanimidade.

  O Barão, ao saber da intenção de se celebrar um Te-Deum em ação de graças pela vitória final, chama o seu Capelão e lhe diz: “Se é verdade que fiz a guerra aos riograndenses dissidentes, não posso deixar de sentir as suas desditas e choro pelas vítimas que eles perderam em combate, como um pai pode chorar a perda de seus filhos. Vá, Reverendo, e em lugar de um Te-Deum em ação de graças pela vitória que obtiveram os defensores da lei, diga antes uma Missa de Defuntos, que eu, com o meu Estado-Maior e a tropa que couber na Igreja, a iremos ouvir pelas almas de nossos irmãos que morreram em combate”. Ao epílogo da sangrenta luta travada nas coxilhas gaúchas, conclui, deste modo, a sua última proclamação aos gaúchos: “Riograndenses! É sem dúvida para mim, um inexplicável prazer o ter de anumciar-vos que a guerra civil, que por mais de nove anos devastou esta bela Província, está terminada. Uma só vontade nos una, riograndenses! Maldição eterna a quem ousar recordar-se das nossas dissensões passadas”. 
  A origem do epíteto “Pacificador” se deve a Dom Pedro II, consoante o emérito historiador Lourenço Luís Lacombe, que por muitos anos dirigiu o Museu Imperial de Petrópolis. Ele declarou que após Caxias findar as suas ações pacificadoras, o Imperador, quando de uma recepção palaciana, lembrava aos convidados a presença do General e sugeria aos mesmos: “Cumprimentem ali o nosso Pacificador!”

  O Soldado-Caxias

  Caxias, de Tenente a General, honrou a tradição militar de sua ilustre família, integrada por inúmeros e ínclitos Soldados. Jovem Tenente, vêmo-lo na Bahia, na Guerra por nossa Independência. Como Capitão, tomou parte na Guerra da Cisplatina. Palmilhou o Nordeste, o Leste, o Sudeste e o Sul do Brasil, em sua benemérita missão de não permitir a secessão da Pátria. A sorte sempre o bafejou nos momentos de alta periculosidade. É que ele “tinha estrela”, tanto que a “grande estrela de Caxias” apareceu com resplandecente brilho nos céus do Rio Grande do Sul, quando de uma de suas audazes ofensivas noturnas contra os farroupilhas (era, na realidade, o cometa “Brilhante”), a respeito da qual dizia Caxias, em tom zombeteiro, mas alimentando, com sagacidade, a crendice popular em torno de sua pessoa: “É, eu nasci na Vila de Estrela, no Rio de Janeiro”...

  Como experimentado General transpõe as fronteiras do continente sul-americano, sempre conduzindo as nossas armas à Vitória, projetando, destarte, a sua impoluta figura na Historia Militar Universal, “ad perpetuam rei memoriam”.

  A intrepidez e a audácia de Caxias revelaram-se em inúmeros episódios, nos quais o intimorato Comandante não se furtou a correr o “risco calculado”. Ele era, de fato, extremamente arrojado, como se pode constatar em várias oportunidades de seu historial castrense, desde Tenente a General. Notável foi a sua valentia nas Guerras da Independência e da Cisplatina, tendo como Tenente e Capitão recebido encomiásticas referências, mercê de sua coragem e desprendimento. Saliente-se, igualmente, a sua ousadia, em 1842, quando do combate de Santa Luzia (MG); no reconhecimento naval, em 1852, do porto de Buenos Aires e, em especial, na Guerra do Paraguai.

  Por ocasião do maior conflito bélico de que participamos, o Generalíssimo executou audaciosas manobras, como a de envolvimento e cerco, em conjunto com a Marinha, e que redundou na queda da “inexpugnável” Fortaleza de Humaitá. Empreendeu a estupefaciente “marcha de flanco”, conduzindo os nossos três Corpos de Exército através de uma estrada de cerca de 11 Km, adrede construída no Grão-Chaco, desembocando à retaguarda do inimigo, que foi totalmente surpreendido e envolvido, o que abriu caminho para a capital paraguaia. Aliás, acerca dessa memorável manobra, ao tomar prévio conhecimento da inacreditável proeza, disse, desdenhosamente, a irlandesa Madame Lynch, amante de López: “Aníbal só existiu um”... Caxias, então, pôde desencadear a “Dezembrada” (dezembro de 1868, quando ocorreram as batalhas de Itororó, Avaí e Lomas Valentinas e a rendição de Angustura), vingando a “dezembrada” paraguaia (dezembro de 1864), quando a então província de Mato Grosso foi cruelmente talada pela invasão das tropas de Solano López.

  No dia 6 Dez 1868, feriu-se a célebre batalha de Itororó. No fragor dessa refrega, o Marquês de Caxias, aos 65 anos de idade, parte na direção da ponte sobre o arroio Itororó (já tomada, mas retomada pelos bravos paraguaios), sabre em punho e a galope de carga, montando o seu cavalo “Douradilho”, após bradar: “Sigam-me os que forem brasileiros!” (consigne-se que o marcial apelo do Comandante-em-Chefe, era tão somente anímico, ao sentimento de brasilidade, posto que apenas tropas brasileiras participaram da cruenta batalha). A ponte, finalmente, foi conquistada!

  Na batalha do Avaí (11 Dez 1868), Caxias permaneceu montado por mais de nove horas, sob chuva torrencial. Sendo-lhe enviada uma xícara de café, o Marechal encara o militar que lhe levara a bebida e lhe diz: “Tome você, soldado, que precisa mais do que eu”...

  A “Revista Semanal”, número especial, de 28 de outubro de 1925, publica interessante matéria que narra insólito episódio que envolveu Caxias, quando Ministro da Guerra, e o Imperador Dom Pedro II. Ei-la: “Era o Duque de Caxias Ministro da Guerra, quando o Imperador foi visitar em sua companhia e com séqüito, um dos quartéis da capital. Chegando ali, percorreu o edifício todo, indo até à cozinha, onde se servia, na ocasião, o rancho dos soldados. Dê-me uma dessas marmitas, ordenou o Soberano, indicando uma das rações de sopa. Atendido, tomou Sua Majestade todo o conteúdo, declarando que, mesmo no Paço, jamais tomara sopa mais saborosa.

  Disciplinado e disciplinador, Caxias não gostou da singeleza do Monarca. E, ao portão do quartel, disse-lhe, brusco: “Vossa Majestade há de desculpar a minha franqueza, mas por esse processo, Vossa Majestade não se populariza” E corajoso: “Vossa Majestade vulgariza-se”.

  Caxias foi Ministro da Guerra por três vezes. Neste cargo, implementou profundas e importantes reformas administrativas, introduziu imprescindíveis mudanças no ensino militar, adotou moderno armamento para o Exército, fez construir fortificações em Tabatinga, Corumbá e Uruguaiana, ampliou a Escola Militar, criou regulamentos, etc, etc. Mas quiçá o seu maior feito foi a instituição, em 1856, da “Repartição do Ajudante General” (o Ajudante General tinha sob seu comando direto, os Comandos das Armas da Corte e das Províncias). Aduza-se que a mencionada Repartição foi o elemento formador ou o embrião do Estado-Maior do Exército - Alto Órgão de Direção-Geral -, criado em 1899.

  Principais Homenagens Tributadas a Caxias

 Por esses imensos “brasis”existem incontáveis logradouros públicos, escolas, monumentos, etc, que exibem o radioso nome do maior vulto militar de nossa bela e rica História. Dentre essas honrarias, sobrelevam-se os nomes de duas importantes cidades: a de “Duque de Caxias”, no Rio de Janeiro, em cujas terras nascera Caxias, em 25 de agosto de 1803, e “Caxias do Sul”, no Rio Grande do Sul (repita-se, por ilustrativo, que a cidade de Caxias, no Maranhão, deu origem ao seu primeiro título nobiliárquico - o de Barão de Caxias).

  Quando da trasladação dos restos mortais do Duque e de sua esposa, em 25 de agosto de 1949, para o “Pantheon Militar”, defronte ao Palácio Duque de Caxias, no Rio de Janeiro (onde se encontra o Comando Militar do Leste), ocorreu um fato histórico singular, muito pouco lembrado, desafortunadamente. É que, naquela data, se deu o definitivo resgate da memória do Duque de Caxias, que tantos e tamanhos serviços prestara à Pátria Brasileira, na paz e na guerra. Mas tal resgate foi apenas um magnífico epílogo de um justo desagravo e da recuperação da imagem do “Condestável do Império”, o que já vinha acontecendo, especialmente a partir de 1923, como adiante faremos referência.

  Caxias morreu, no ano de 1880, triste e magoado. A tristeza se devia ao falecimento, em 1874, de sua amantíssima esposa, tendo ele usado luto completo, desde então até morrer, seis anos depois. Três pungentes mágoas o afligiram no final da vida e diziam respeito ao Imperador, à Maçonaria e à Igreja Católica.

  O Duque encontrava-se agastado com o Imperador, desde quando concedera, em 1875, com a relutância de Dom Pedro II, a anistia aos Bispos de Pernambuco e do Pará, solucionando, de forma magnânima, a chamada “questão religiosa”. Após o retorno de uma longa viagem à Europa, o Monarca destituiu o Gabinete Conservador, presidido por Caxias, nomeando um outro, com membros do Partido Liberal. O velho Soldado, assaz desgostoso, recolheu-se à Fazenda Santa Mônica, de propriedade de uma de suas filhas, aonde viria a falecer, em 8 de maio de 1880, afastando-se, definitivamente, da vida pública. À beira de seu túmulo, assim se pronunciou o Visconde de Taunay: “Carregaram o seu féretro seis soldados rasos; mas senhores, esses soldados que circundam agora a gloriosa cova e a voz que se levanta para falar em nome deles, são o corpo e o espírito de todo o Exército Brasileiro. Representam o preito derradeiro de um reconhecimento inextinguível que nós, militares, de norte a sul deste vasto Império, vimos render a nosso velho Marechal, que nos guiou como General, como protetor, quase como um pai, durante quarenta anos; Soldados e Orador, humildes todos em sua esfera, muito pequenos pela valia própria, mas grandes pela elevada homenagem e pela sinceridade da dor”. 

  Mas retomando a reluzente existência do grande Soldado, assinale-se que o Decreto de anistia aos Bispos, concedido pelo Gabinete presidido por Caxias, nunca foi aceito pela Maçonaria.

  O Visconde do Rio Branco, Grão-Mestre da Ordem, solicitou demissão do Conselho de Ministros, a fim de não assinar o dito Decreto, rompendo com o seu grande amigo Caxias, “Irmão que se tornou altamente impopular entre os da Arte Real”, pelo que o Marechal deixou de frequentá-la.

  Ademais, a Igreja Católica exigiu que o Duque, provecto e doente, obedecesse aos ditames de uma bula papal e abjurasse a Maçonaria. Como ele não atendeu àquela determinação religiosa, foi expulso, por ser “maçom pestilento”, da Irmandade da Cruz dos Militares, da qual fôra Provedor.
  Acrescente-se que a figura de Caxias, desde os últimos anos da Monarquia, vinha sofrendo duras críticas, desferidas por profitentes do Positivismo. Os positivistas, que tiveram decisiva participação na proclamação da República, eram pacifistas e, por isso, menosprezavam os gloriosos feitos marciais do Império, dos quais o nosso “Soldado-Maior” foi o expoente máximo.

  Porém, naquele agosto de 1949, toda a nação Brasileira reparou as injustiças e ingratidões perpetradas contra o Duque, quando do traslado de seus despojos e os da Duquesa. A histórica Solenidade cívico-militar, presidida pelo Presidente da República, Marechal Eurico Gaspar Dutra, revestiu-se de excepcional brilhantismo, sendo o Presidente da Comissão de Trasladação, o Dr. Nereu Ramos, Vice-Presidente da República, que era um fiel maçom. Membros da Família Imperial Brasileira e o Marechal Rondon, tradicional positivista, estiveram presentes à Cerimônia, que se encerrou com um monumental desfile militar. Acrescente-se que a Igreja Católica velou os restos mortais de Caxias e de dona Ana Luíza, na Igreja da Irmandade da Cruz  dos Militares, que o havia expulso, em 1876, sendo concelebrada uma Missa por 18 Bispos e Arcebispos de todos os rincões brasileiros, presenciada pelo Cardeal do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara. E mais: houve um dobre de sinos, em todas as Igrejas católicas do Brasil, na hora da trasladação. Assim, em 25 de agosto de 1949, ocorreu, de fato, uma inesquecível reparação histórica da altaneira imagem de um dos maiores filhos desta Pátria, o Duque de Caxias.

  O Patrono do Exército, relembremos, foi instituído, no ano das festividades do bicentenário de seu nascimento, mediante a Lei n° 10.641, de 28 de janeiro de 2003, “Herói da Pátria”. Por isso, o nome do Herói foi inscrito no “Livro dos Heróis da Pátria” (é um grande livro de aço existente no Panteão da Liberdade e da Democracia, na Praça dos Três Poderes, em Brasília), por ocasião de bela cerimônia, prenhe de historicidade e emoção, transcorrida no “Dia do Soldado”, em frente ao Quartel-General do Exército, na Capital Federal.

  No Exército Brasileiro, a memória de Caxias começou a ser reabilitada de um não condizente semi-anonimato (ao qual foi relegada pelo sectarismo positivista-republicano), no ano de 1923, pelo Ministro da Guerra, General Setembrino de Carvalho. Ele instituiu, pelo Aviso n° 443, de 25 de agosto de 1923, a “Festa de Caxias”. Posteriormente, por meio do Aviso n° 366, de 11 de agosto de 1925, o mesmo Ministro criou o “Dia do Soldado”, também a ser comemorado em 25 de agosto, data natalícia do Duque. Naquele ano de 1925, sob o influxo das diretrizes do Ministro da Guerra, a Turma de Aspirantes-a-Oficial da Escola Militar do Realengo escolheu a denominação histórica de “Turma Duque de Caxias”.

  Luiz Alves de Lima e Silva, o Duque de Caxias, foi proclamado “Patrono do Exército”, por força do Decreto n° 51.429, de 13 de março de 1962. Aliás, saliente-se por relevante, que a Turma de 1962, da Academia Militar das Agulhas Negras, à qual pertence o atual Comandante do Exército, General de Exército Enzo Martins Peri, ostenta, com muito orgulho, a denominação de “Turma Duque de Caxias”.

  Outro momento de grande importância para o enaltecimento  de Caxias, no âmbito da Força Terrestre, se deu por ocasião do comando do então Coronel José Pessôa Cavalcanti de Albuquerque, na Escola Militar do Realengo (1931/34). Este militar, de elevadíssimos méritos, implantou naquela Escola, várias místicas alusivas ao nosso glorioso passado, sendo as maiores delas a instituição do título de “Cadete” para os alunos do estabelecimento militar e a criação do espadim, de uso exclusivo dos Cadetes, réplica do invencível sabre de Caxias - paradigma  dos tradicionais valores castrenses do Soldado brasileiro. 
 
  O altivo, glorioso e invicto Exército Brasileiro, do qual Caxias é o Patrono, possui os seguintes locais e Organizações Militares que exibem o seu venerável nome, com indescritível desvanecimento, em suas denominações históricas: “Palácio Duque de Caxias” (no Rio de Janeiro, sede do Comando Militar do Leste e antigo local do extinto Ministério da Guerra); “Forte Duque de Caxias” (no Rio de Janeiro, onde está instalado o Centro de Estudos de Pessoal); “Batalhão Barão de Caxias” (que é o 24° Batalhão de Caçadores, de São Luís-Maranhão); “Grupo Conde de Caxias” (que é o 3° Grupo de Artilharia Antiiaérea, sediado em Caxias do Sul-Rio Grande do Sul, cidade criada a partir de uma Vila, em homenagem a Caxias, quando ele era Conde e Presidente da Província, pela segunda vez); “Companhia Praça Forte de Caxias” (é a 13ª Companhia de Comunicações, com sede em São Gabriel-Rio Grande do Sul, aquartelamento que era, quando da Revolução Farroupilha, o Quartel-General do Barão de Caxias); “Batalhão Duque de Caxias” (que é o Batalhão da Guarda Presidencial, de Brasília-DF, Unidade oriunda do “Batalhão do Imperador” e onde Caxias serviu de Tenente a Major).

  À Guisa de Conclusão

  Impende lembrar, por final, neste escorço referente a multiformes e pouco lembrados aspectos da mui brilhante gesta do Duque de Caxias, como Homem, Pacificador e Soldado, a par das homenagens que lhe foram rendidas,axias, de que na História Militar da Humanidade, é muito raro encontrar-se um vulto histórico da grandeza do Patrono do Exército Brasileiro. Exército   que é, no dizer do saudoso escritor e sociólogo, Gilberto Freyre, “a mais lídima e representativa das instituições nacionais, o verdadeiro índice do povo brasileiro”. E na relembrança de Guararapes - berço da nacionalidade e da Força Terrestre Brasileira -, podemos afirmar, com integral e acendrada vaidade, que “Para um Grande Exército, um Grande Patrono!” 

  Por derradeiro, desejaríamos trazer à lembrança, como corolário de tudo o que até aqui foi expendido, uma expressão - “caxias” -, cunhada pelo mais uma vez citado Gilberto Freyre, que bem retrata o caráter irreprochável e as peregrinas virtudes de nosso insigne “Soldado e Pacificador”. Tal expressão, uma metáfora caída na consagração popular, muito bem caracteriza aqueles que cumprem, integral e rigorosamente, os seus deveres. Disse Gilberto Freyre: “Caxiismo não é conjunto de virtudes apenas militares, mas de virtudes cívicas, comuns a militares e civis. Os “caxias” devem ser tanto paisanos como militares. O caxiismo deveria ser aprendido tanto nas escolas civis quanto nas militares. É o Brasil inteiro que precisa dele”...

     Coronel Reformado, de Infantaria e Estado-Maior, Manoel Soriano Neto –  Historiador Militar.

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