Miguel Soares de Azevedo, ex-combatente de Parelhas-RN
† 23-07-2012
Minhas sinceras condolências à família desse homem extremamente simpático e querido por todos os Parelhenses, que disse “sim” ao Brasil e colocou a própria vida à disposição dos compatriotas durante a Segunda Guerra Mundial. Como todas as palavras elogiosas são poucas para definir esse grande parelhense, posto aqui seu depoimento que tive a honra de coletar para minha dissertação de mestrado. Que Deus o guarde numa morada confortável e de muita paz grande guerreiro.
Rani Macedo – Professor Mestre em História pela UFRN
Biografia do Veterano retirado da tese Ex-combatentes potiguares na Defesa do litoral
Miguel Soares de Azevedo
“…Meu nome é Miguel Soares de Azevedo. Nasci em 22 de novembro de 1922 no sítio Suçuarana, em Parelhas. Essa foto foi lá na Universidade. Esse menino aqui me botou para falar. Eu disse: “não sei falar não, sou maluco”, mas falei muito.
Eu morava no sítio antes da Guerra. Com dois dias de nascido fui para Várzea do Barro [zona rural de Parelhas], onde passei 11 anos. Depois fui sorteado para o Exército em 1943. Morei em três cantos, sofri muito. Morava na Serra das Queimadas e fui sorteado em Jardim [Jardim do Seridó-RN].
Daqui para lá era estrada de barro, tempo de sofrimento. Alistei-me, fui para o BCC e passei 10 dias dormindo no chão. Recebi o nome de guerra, passei 7 dias em Ponta Negra e voltamos para a cidade no tempo que a Guerra arrochou.
Eu fiz exames no quartel. Tinha um tenente que era muito meu amigo e disse que podia falar com um medico para ele me tirar, aí fui para o hospital militar fazer todo tipo de exame e dali fomos para Recife. Lá tinha 10 mil homens para fazer exames de manha e de noite, todos nus, um atrás do outro.
Aí passei… Li o boletim e passei; então o major deu 10 dias de licença para a gente vir para Natal e depois para casa, tomar a benção aos pais, na Serra das Queimadas. De lá vim para rua e da rua peguei o carro para Natal. Minha mãe ficou muito aperreada, chorou demais dizendo que eu ia morrer.
O povo na rua assombrado… Que besteira rapaz! Aí fui e peguei bexiga, passei quase 5 dias baixado em Natal. Quase que morro com a bexiga.
De lá fui para Recife, mas a FEB já tinha embarcado. Fiquei lá em Recife esperando outro contingente (da FEB), o 3º escalão. Eu ia no segundo mas não deu. Fui para Natal esperar lá, me apresentei no quartel e perguntaram se eu queria ir para a Itália. Eu disse: “vou na hora”, mas só que a Guerra acabou e foi uma festa medonha no quartel, em Natal. Antes disso já tinha gente se mudando de Natal pela proximidade com a guerra, lá era bombardeado na hora. O povo todo aperreado.
Mandaram-me fazer um curso em Recife e eu passei 4 dias lá, aí fiquei na boa, trabalhando e ganhando bem. O cabra ganhava bem naquele tempo. Dei baixa em vez de ter engajado mais. Perdi a chance de ir para a polícia, entrar como cabo.
Podia ter trabalhado lá, tava tudo pronto e vim embora. Casei-me, o tempo passou, fui arrancar toco, trabalhar… Aí foi que veio isso aqui [aposentadoria de ex-combatente] dado por Deus. Me aposentei, tenho INPS, mas demorou demais. Hoje tenho todos os direitos. Com essa carteira aqui por onde eu passar o povo respeita. Certo dia nós vínhamos de Natal, aí a Federal [Polícia Rodoviária Federal] me parou. Quando eu mostrei a carteira ele falou: “pode passar”, não quis nem ver mais nada. Ônibus… É por que eu não quero mais usar [se refere ao fato de não pagar passagem nos ônibus].
Quando voltei de Natal me casei e fui morar no sítio. Quem passou quase 4 anos numa vida boa… Minha mulher bonita, noiva e fui arrancar toco. Depois fui negociar com uma bodega. Passei 18 anos.
Meus filhos todos estudaram, nunca trabalharam. Inácio de Loiola, que morreu, era sabido, todos são sabidos. Naquele tempo tinha muito minério, eu vendi demais. Era só eu. Hoje tudo é em saco, antes era só no papel. Mas papel é seboso, por isso que não querem mais.
Pois é, eu fui para Caicó, fui entrevistado lá, foi muita festa mesmo, todo mundo arrumado, eu em pé lá disse: “eu quero falar”, disseram que podia e acharam bom demais. Eu contei toda minha vida, ele (Muirakitan) me abraçou e tirou uma foto comigo. Fui para Jardim do Seridó; lá estava cheio de gente e eu com a bandeira do Brasil junto com um bando de malucos [outros ex-combatentes].
Eu já fui marchar em Natal, no 7 de setembro. Eu sei marchar. Lá era aberto, cheio de velho ex-combatente, e marchei do começo ao fim. Aplaudiram a gente do começo ao fim. No final um moço no carro me chamou e me deu os parabéns, eu me arrepio todinho. Ano passado me chamaram mas eu não quis ir, mas próximo ano eu vou, eu acho bom. Os lesados daqui não vão. Aqui tem bem uns 20 abestalhados que não saem para nem um canto, acredita? Conheço Caicó, Jardim, todo canto. Antes da convocação eu conhecia Campina Grande, Patos, Caicó… Cidades da Paraíba.
Jogava bola e apanhava muito. Sofri muito, fiquei nervoso, passei quase um mês em Recife pronto para ir para a Itália, no quartel em Olinda dentro dos matos. O quartel era grande e eu dormia dentro dos matos, tinha que me esconder. Eu fui ao comandante e falei: “Major, quero permissão para ir para cidade, já que eu estou aqui para ir para Guerra, quero dá uma volta em Recife”.
E ele deu permissão e fui para Recife andar. Era longe. Tudo lá era longe, mas a gente ia andar. Graças a Deus! Eu sofri, fiquei nervoso. Meu amigo, você ter família… Meus amigos conhecidos foram todos para a guerra e eu fiquei sozinho, no quartel esquisito, dormindo de noite no chão, só tinha percevejo. Tomava café e ia para dentro dos matos. É negócio de doido. Não fazia nadinha no quartel, ficava de contingência esperando para embarcar no próximo contingente, mas peguei bexiga e quase que morro. Se você vê, eu sou todo pelado ainda.
Fiquei no hospital e a pele largou todinha. Passava uma pomada vermelha. Ouvia tanta coisa da guerra… Tinha um cabo, colega meu, que morreu. O cabra chegava e dizia: “fulano ou sicrano morreu”. As bombas lá pegavam e estouravam o cara todo. Eles pegavam um cabo brasileiro e matavam, espancavam… Um colega meu chegou daquelas cidades e disse que lá era uma tristeza, que andava naquelas cidades todas abandonadas. No quartel diziam que se nós fossemos para a guerra e víssemos algo de valor, de ouro, para que não pegasse, pois podia ser uma armadilha, podia detonar. Mesmo assim nós ganhamos. Brasileiro é demais mesmo. Eles subindo o morro e os alemães atirando de metralhadora.
Eles me contavam que lá fazia pena, muita gente estropiada, lascada, perna quebrada, corpo rasgado por estilhaços de bombas. Eles no quartel me contavam tudo. Morreu muita gente. Lá tem cemitério brasileiro.
Lá em Recife eu estava pronto para tudo. Só ficava nervoso, porque vivia só, dentro dos matos escondido. Eu tinha medo de ir sozinho para a Itália, sem conhecidos. Quando vai uma turma grande é bom… Mas valeu a pena. Eu encarei, graças a Deus fui e voltei e meu ganho hoje foi Deus quem deu. Se fosse hoje eu ia de novo. Não sou covarde, não tenho medo. Ficava só, mas Deus me ajudou. Hoje não pago imposto de renda, nem imposto de casa, tenho direito a advogado de graça… Muitas coisas.
A comida no quartel era boa, nunca achei ruim. Tinha carne todos os dias e eu comia a vontade. No café era pão com manteiga… A janta era boa, comia a vontade. Eu gostava.
Lá em Natal faltava comida, mas no Exército não faltava. Matavam muitos bois lá. Tinha quartel com 10 mil pessoas para pegar o rancho [refeitório do quartel]. Depois que eu fui trabalhar de armeiro fiquei na boa, mexendo com mosquetão, revólver… Quem mandava lá era eu.
Só não gostava quando chegavam melados de areia, por que eu tinha que limpar, mas eu tinha uma turma para me ajudar. Mas era bom… Eu só namorando, raparigando… Mas meu filho, mulher era demais. Peguei mulher demais. Hoje graças a Deus vivo bem, mas minha mãe chorou muito na época. A gente ganha bem, tem todos os direitos, não pagamos impostos, tenho direito a empréstimo de 27 mil.
Aqui [em Parelhas] teve muitos convocados, principalmente quando a Guerra arrochou mesmo. Foi a cidade onde mais se chamou no Brasil, dos 18 aos 21 era convocado, o resto era sorteado. Conhecia todos os convocados, um bocado já morreu, eram meus amigos. Eu sofri, dormi no chão numa barraca.
De meia noite tocava uma corneta e todo mundo tinha que entrar em forma, era uma putaria do diabo. Eu andava com um capitão do Exército e achava muito bom. Sofri mas também achei bom. Tinha muitos estrangeiros que falavam com a gente, mas a gente não entendia nada. Tinha demais. Agora, brasileiro é muito ladrão, por que os que iam trabalhar em Parnamirim roubavam eles demais. Colchas, lençóis, calçados… Tinha muito americano. Você entende a fala deles? Eu não sabia nem o que fazer quando eles falavam…”
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