Se a possibilidade de reeleição existisse em 1996, quando Custódio Mattos (PSDB) encerrou sua primeira gestão, talvez fosse enfrentar um pleito maistranquilo do que o de agora. Ele mesmo reconhece que o fardo eleitoral deixado há 16 anos ao então candidato de seu partido, Reginaldo Arcuri, era mais leve. "O legado político era mais fácil. O clima hoje, o nível de exigência, de intolerância, de crítica está muito mais elevado. Tive que partir de um patamar mais baixo do que o Reginaldo partiu naquela eleição."
Para alguém que já disputou quatro eleições para prefeito, das quais venceu duas, a novidade da primeira reeleição transparece logo que ele chega ao endereço do Marquise Bistrô Urbano, escolhido pela Tribuna para os almoços-sabatinas com os candidatos. Sem negar a fama de detalhista, ele atravessa o portão pontualmente ao meio-dia e dispara, sorrindo: "Vocês não estão cansados de me entrevistar?". E logo emenda, em explicação aos assessores: "Eles estiveram na minha casa, há quatro anos". A lembrança serve de mote para a pergunta, já durante o bate-papo, sobre sua opinião em estar na condição de vitrine. "É bastante difícil. A expectativa das pessoas ao conversar com um candidato-prefeito é diferente, porque ao mesmo tempo em que estou propondo fazer, sou a pessoa responsável por fazer neste momento. E não posso misturar os papéis."
Custódio não faz jus somente à fama de detalhista; é também objetivo. Tanto que, depois de entrar no restaurante - cumprimentando dos clientes ao chef e seus garçons - e se acomodar na mesa reservada para a reportagem, na qual brinca com o chargista Mário Tarcitano, ele pede logo o prato principal: filé de frango grelhado acompanhado de arroz com brócolis cortados bem pequenos e salada verde, sem tomate. De entrada, as promessas das obras viárias são postas na mesa. "No caso concreto, o governador Aécio Neves cumpriu rigorosamente o que prometeu. Logo no início da minha Administração, ele enviou uma verba de R$ 60 milhões, que daria para fazer o que foi compromisso dele. Mas também cheguei à conclusão, logo no início, de que conseguiríamos os recursos para fazer essas obras no Governo federal."
Desgaste político
Segundo ele, a medida possibilitou as reformas das avenidas Itamar Franco, Rio Branco e Costa e Silva, além das ruas Santo Antônio e Olegário Maciel e asfaltamento em bairros. No entanto, a negociação com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) esbarrou na queda da diretoria do órgão. Se ficou tenso? "Muitíssimo. Fui à Brasília umas 20 vezes por conta disso." Custódio assegura que valeu a pena, mas uma observação provoca: "O desgaste político foi grande". Ele concorda. "Foi, tenho convicção disso. Mas aí entra um pouco da experiência e um pouco da serenidade que a experiência dá." Com um gole em sua água com gás, ele se antecipa e introduz sozinho outro tema espinhoso. "Faço analogia, em menor grau, com a questão da (Avenida) Rio Branco. Vocês são instrumentos de veiculação das insatisfações. Mas eu tinha convicção de que, ao final, a obra significaria muito para a cidade e para os usuários." No entanto, ele admite que as queixas poderiam ter sido menores se a população tivesse sido consultada. "Aprendi umas lições. Na Costa e Silva, que é uma obra muito mais limitada, tivemos muito mais precauções de discutir, de expor, de preparar as pessoas, de envolvê-las. Mas vivendo e aprendendo."
A pauta é saúde quando o almoço é servido. Como fica a parceria com o Governo do estado com a economia mineira em crise? "Devo muito ao Governo do estado. Todos os compromissos assumidos foram cumpridos. Na obra do hospital, por exemplo, a gente tem saldo em conta. Só não está sendo mais rápida porque é muito complexa, e o empreiteiro teve dificuldade de mão de obra especializada", justifica. "Antecipo que pretendo colocar em discussão uma coisa que eu gostaria de ter feito, mas havia outras prioridades, que são unidades de atendimento especializado regionalizado."
Sem críticas a adversários
O clima é amenizado no meio do almoço, quando o prefeito fala sobre suas leituras, que no momento se dividem entre "Desenvolvimento como liberdade", do indiano Amartya Sen, e "O mundo pós-aniversário", da americana Lionel Shriver. "É um livro muito feminino. Estou tendo, sem nenhum machismo, uma certa dificuldade. Ela detalha sentimentos que são muito característicos e muito contraditórios."
O exercício de lidar com sentimentos conflitantes, porém, não deixa de ser uma metáfora sobre a tarefa de administrar as diversas demandas de uma sociedade. Assim como o pouco entusiasmo com que o flamenguista Custódio tem acompanhado o desempenho de seu time serve de anedota para questionar a situação do Ginásio Poliesportivo, que se arrasta desde o governo Bejani. "A obra nunca parou, mas está muito devagar. Optamos por, em vez de devolver o dinheiro, fazer num ritmo adequado às nossas finanças. Enquanto isso, estamos negociando parcerias."
O termo é a deixa para, garfos repousados, cutucar outra caixa de marimbondos: terceirizações na saúde. Custódio assegura que eram necessárias. "As UPAs estão funcionando há dois anos, e o nível de avaliação de ótimo e bom varia em torno de 80%. E agora vamos abrir a UPA Norte." Apesar do otimismo, o setor é um calcanhar de Aquiles. "Além da carga da demanda, temos a falta de recursos, porque o ministério não corrige os repasses que faz para a gente há anos. E estamos com o abacaxi na mão", desabafa, enquanto come rodelas da fruta de sobremesa.
Outro vespeiro: o transporte público, cuja licitação caminha a passos lentos no Tribunal de Contas do Estado (TCE). "O sistema foi concebido na década de 1980. Tenho que reformular tudo. E agora o Governo anunciou o PAC Mobilidade Urbana. Se estivesse com aquele projeto, estava na hora de financiá-lo. Vou apresentar projetos, mas são projetos parciais", lamenta. Ele insiste, porém, na informação de que a tarifa em Juiz de Fora é uma das mais baratas entre as cidades de mesmo porte. "Posso aumentar horário, é só pôr mais ônibus. Só que o sistema fica mais caro."
Lembrado de que o impasse sobre a passagem não é apenas econômico, mas político, em função dos escândalos de 2008, Custódio pondera: "O aumento era dado em abril ou maio. Nunca houve um ano que não tivesse aumento. Mas antes a negociação coletiva do sindicato e o aumento da tarifa eram juntos. Isso dava um jogo, entendeu? Acabava a Prefeitura entrando num negócio que não é dela", explica, deixando os últimos pedaços de abacaxi no prato, por estarem um pouco ácidos. "Aí optamos por um atraso e fazer mais tarde, em junho, julho. Mas faltou tutano (aponta para a cabeça), porque no ano da eleição, um aumento em julho produz o que aconteceu aí. "
Consistência
Bancar medidas impopulares como essa, assim como o aumento do IPTU e o relacionamento conturbado com a Câmara, faz parte do estilo Custódio? "Você paga um preço. Política admite muitos raciocínios diferentes, mas não admite a inconsistência, a incongruência. A política já elegeu o Maluf, o Lula, o FHC, pessoas totalmente diferentes. O que eles têm em comum? São autênticos." Sobre os adversários, ele não faz críticas. "Margarida (Salomão, PT) e eu fomos secretários da mesma administração. Só tenho mais eleição, mas somos da mesma geração política, formados nos mesmos debates. O elemento novo é o Bruno (Siqueira, PMDB). E é bom que em cada eleição você tenha diferentes perspectivas."
Isso é tranquilidade? "Não, porque este é um momento tenso. Mas me considero no auge da minha capacidade: hoje tenho formação, mais experiência, mais um pouco de serenidade. Tenho netos, né?", brinca o político, casado com Mary Mattos, pai de Luíza e Rodrigo e avô de Antônio, Alice, Marcelo e Eduardo. Após o café, ele, mais uma vez, cumprimenta clientes e se despede de todos. Depois se vira para a equipe do jornal: "É a última vez, hein?".
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