domingo, 24 de junho de 2012

Plano Real atinge maioridade com novos desafios à frente no campo fiscal


Em 1º de julho de 1994, a população do Brasil vivia um misto de esperança e apreensão. Esperança com uma nova moeda, o real, que entraria em vigor naquela data, lastreada em mais um plano econômico com a promessa de estabilizar o sistema financeiro do País e derrotar de vez o dragão da inflação que ganhava cada vez mais força e havia chegado a 2.400% um ano antes.
A apreensão ficava por conta do receio de que o Plano Real não pudesse cumprir o estabelecido, a exemplo de outras tentativas, como o Plano Cruzado, lançado logo após o fim do regime militar.
Na próxima semana, o real completa 18 anos desde seu lançamento com um saldo bastante significativo. O plano, gestado quase uma década antes com base em estudos elaborados pelos economistas Pérsio Arida e André Lara Resende, e que depois ficou conhecido também como plano “Larida”, trouxe para o Brasil estabilidade econômica e pôs fim ao processo inflacionário que corroía o poder de compra da população.
Após a entrada em vigor do real como moeda, o País trocou uma inflação de cerca de 4% ao dia para algo próximo disso, mas com a diferença de que essa passou a ser a taxa anual.
AE
O presidente da República Itamar Franco lançou oficialmente o real, em 1º de julho de 1994 em agência da Caixa Econômica Federal, em Brasília, ao lado do então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero
Desde a década de 1980, a inflação oficial medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acumulava em um período de 12 meses taxas na casa dos 100%. Mas os mecanismos de indexação adotados à época na tentativa de, por exemplo, repor parte da inflação sobre os salários e manter um pouco do poder de compra da população pioravam ainda mais a situação com repasses automáticos para os preços e contribuindo para consolidar a cultura da inflação nas pessoas.
Essa alta generalizada e descontrolada dos preços cujo efeito é a desvalorização da moeda, atuava como um fator de empobrecimento da maioria das pessoas. Apenas uma pequena parcela da população conseguia buscar algum tipo de proteção depositando as suas reservas financeiras nos bancos para tentar reduzir parte das perdas com a desvalorização da moeda na época.
Nos três últimos meses que antecederam o lançamento do Plano Real, a inflação mensal foi de 42,68% em abril de 1994, 44,03% em maio daquele ano, e de 47,43% em junho. Encerrando o primeiro mês com a nova moeda já em vigor, a inflação foi de 6,84% e atingiu 1,86% em agosto daquele ano.
Quando comparado ao IPCA fechado de 1993, ano anterior à adoção do real, período em que a inflação atingiu incríveis 2.477,15%, o acumulado em 12 meses até maio deste ano, que aponta uma variação de 4,99% segundo o IBGE, é um claro termômetro de como a economia do País mudou nesses 18 anos de estabilização.
Tomando-se a média de cinco índices de inflação publicados por diferentes institutos de pesquisa, a taxa de inflação acumulada havia chegado a 758,59% no primeiro semestre de 1994. Esse dado representou uma inflação média mensal de 43,1%, equivalente a uma taxa anual de 7.271,84%. No segundo semestre de 1994 a taxa de inflação acumulada foi de 18,72%, com uma média mensal de 2,9%.
Mas apesar dos muitos avanços, Arida, um dos pais do Plano Real e ex-presidente do Banco Central, afirma que a estabilidade não é uma tarefa encerrada, mesmo após dezoito anos do Plano Real, e que a taxa de juros elevada no Brasil ainda é resultado da desconfiança da sociedade com a inconsistência fiscal no País.
Segundo Arida, a busca por uma melhora na questão fiscal está entre os principais desafios do atual momento, exemplificando que a carga tributária aumentou de 25% do PIB, na época do Plano Real, para 37% do PIB nos dias de hoje.
No campo fiscal, a queda abrupta da inflação no início do Plano Real provocou um nítido alívio para o equilíbrio das contas públicas. A receita líquida do Governo Federal aumentou 11,5% em 1994, trazendo a arrecadação para o valor de US$ 63,2 bilhões naquele ano. Em 1993, um ano antes do plano, essa receita havia sido de US$ 56,7 bilhões.
O plano de estabilização
Além da estabilização da economia e do combate à inflação, o Plano Real pretendia estabelecer um novo padrão monetário que passasse confiança à população. O real entrou em vigor após uma sucessão de moedas adotadas sem sucesso no Brasil.
Desde 1942 foram feitas diversas reformas econômicas que culminaram com a adoação de seis novas moedas: cruzeiro novo, em 1967, cruzeiro em 1970, cruzado em 1986, cruzado novo em 1989, cruzeiro novamente em 1990 e cruzeiro real em 1993, que antecedeu a adocação do real em 1994. A inflação acumulada de 1967 até 1994 foi de aproximadamente 1.142.332.741.811.850% tendo como base o IGP-DI, da Fundação Getúlio Vargas.
Antes da entrada em vigor da nova moeda, em 28 de fevereiro de 1994, teve início a publicação dos valores diários da Unidade Real de Valor (URV) pelo Banco Central. A URV serviria como moeda escritural e conviveu em paralelo com o cruzeiro real para todas as transações econômicas, com conversão obrigatória de valores, dando início a um processo de desindexação da economia sem o qual o novo plano correria o risco de naufragrar como seus antecessores.
A partir de 1º de março de 1994, passou a vigorar o Fundo Social de Emergência (FSE) considerado essencial para o êxito do plano. Por meio de uma emenda, o Governo desvinculou as verbas do orçamento da União, direcionando os recursos para o fundo, que daria ao poder público margem para remanejar ou cortar gastos supérfluos. Os gastos do governo contribuíam para a alimentar a hiperinflação, uma vez que a máquina do Estado brasileiro era grande, dispendiosa e ávida por recursos.
Em 1º de julho de 1994, com o lançamento da nova moeda, o real, toda a base monetária do País foi trocada de acordo com a paridade estabelecida de CR$ 2.750,00 para cada R$ 1,00.
Com a inflação debelada, o ganho proporcionado para a população incentivou o consumo, principalmente de alimentos com maior valor agregado, como foi o caso do iogurte, carnes de cortes mais nobres e o frango dessossado, que virou um dos símbolos dos novos tempos na economia com o real.
Globalização, crises e as fragilidades expostas
Dada à globalização da economia mundial, o real enfrentou logo na largada graves crises como a do México em 1995, a Asiática entre 1997 e 1998 e a da Rússia em 1998. Em todas as ocasiões, o Brasil foi afetado diretamente. O País necessitava de recursos, investimentos e financiamentos estrangeiros. Grandes somas de dinheiro deixaram o Brasil em cada um desses momentos devido ao medo que os grandes investidores tinham com os ainda incipientes mercados emergentes.
Como lembra Arida, somente em 1995, três bancos tiveram que ser socorridos pelo Governo devido a problemas financeiros. Foram os casos do Banco Econômico, do Banco Nacional e do Bamerindus que foram saneados com recursos do Proer, programa criado para evitar uma quebradeira geral no sistema financeiro, e depois repassados a outras instituições financeiras. “Durante o período de inflação alta, essas distorções eram mascaradas”, diz Arida. “Com o fim desse período, após a adoção do real, as ineficiências do sistema financeiro vieram à tona naquele momento de maior fragilidade”, acrescenta.
Ao menor indício de crise em qualquer um desses países, uma massa de investidores corria para buscar refúgio em moedas fortes, como o dólar americano
Outros aproveitavam esses movimentos para especular fortemente contra as moedas dos emergentes, na intenção de obter grandes lucros em curto espaço de tempo, esvaziando as reservas em moeda estrangeira. Isso contaminava negativamente as contas de diversos países, causando um efeito cascata globalizado.
Conforme lembra Arida, para tentar conter o ataque especulativo ao real, o Banco Central recorreu naquela época às reservas internacionais, que eram de US$ 30 bilhões e que em três dias acabaram. Hoje o colchão de proteção da economia conta com mais de US$ 350 bilhões em reservas depositadas no BC.
Como essas crises deixavam o Brasil sem meios de financiar seu plano de estabilização, o governo era obrigado a aumentar a taxa básica de juros, a Selic, para remunerar melhor esses capitais externos, numa tentativa de impedí-los de abandonar o País. O objetivo era evitar uma quebra generalizada que empurrasse o Brasil a uma moratória externa.
Após essa sucessão de ataques, em janeiro de 1999 o Banco Central, sob o comando de Gustavo Franco, outro dos formuladores do plano de estabilização, promoveu a maxidesvalorização cambial para tentar evitar uma fuga maciça de capital estrangeiro que poderia acabar com a estabilidade da economia.
Na avaliação de Franco, a estabilidade e a longevidade do real não são fruto apenas da arquitetura incial do plano, mas também do esforço e da essência do mandato do Banco Central. “Houve um aperfeiçoamento instituicional com outra percepção e a adoção de outras linguagens em termos de política econômica.”
Outras crises menores, apesar de não prejudicarem tanto o processo de controle da inflação do Brasil, que já estava consolidado, trouxeram efeitos negativos na taxa de crescimento. Os ataques terroristas nos Estados Unidos, em setembro de 2001, a Crise da Argentina, em dezembro de 2001, a crise eleitoral de 2002 e o apagão de energia ajudaram a derrubar a taxa anualizada de crescimento do PIB naquele momento.
Recentemente, a crise bancária e das hipotecas no fim de 2008 nos Estados Unidos,seguida pela crise do endividamento nos países da zona do euro foram os desafios mais recentes para o programa de estabilização do Brasil. Mas a cada crise, com o passar do anos, esses efeitos foram cada vez mais diuídos devido à base econômica construída no passado por meio dos erros e dos acertos em termos de políticas econômicas e monetárias.
Veja imagens de alguns momentos marcantes da economia antes e depois do real
Delfim Netto em evento na Escola Superior de Guerra, no Rio de Janeiro, em 1980, na época em que era Ministro do Planejamento. Foto: AE

Nenhum comentário:

Postar um comentário