Reportagem de Gustavo Simon publicada na edição impressa deVEJA)
A BORDO, TUDO TEM SEU PREÇO
Companhias aéreas usam de artifícios para criar taxas sobre serviços que antes eram de graça
A competição entre as companhias aéreas nacionais trouxe uma grande vantagem aos passageiros: o preço dos bilhetes é o mais baixo desde 2002. Mas só o dos bilhetes. As empresas passaram a cobrar dos passageiros por serviços que antes saíam de graça. Na semana passada, a Gol anunciou a adoção de novas taxas – muitas já praticadas pelas concorrentes. Desde o começo de junho, para embarcar menores de idade desacompanhados, pagam-se 90 reais extras (60 dólares no caso dos percursos internacionais).
A partir desta semana, quem quiser reservar um assento próximo à saída de emergência, onde há mais espaço para as pernas, vai desembolsar uma tarifa de 10 reais. Também neste mês foi reduzida a oferta de lanches grátis nos aviões da companhia. Desde abril, os sanduíches eram cobrados em 180 dos 900 voos diários – agora, é preciso pagar por eles em 400 voos. A Gol já havia reduzido de quatro para três o número de comissários de bordo nas viagens domésticas feitas com o Boeing 737-700.
A justificativa das companhias aéreas é que a demanda crescente por passagens veio acompanhada de aumento nos custos de operação. As despesas do setor são maiores que as receitas desde 2006. O preço do querosene de aviação subiu 29,3% em 2011. A Gol tenta se recuperar do prejuízo de 710,4 milhões de reais que teve no ano passado. A TAM, sua principal concorrente, registrou prejuízo de 335 milhões de reais. Ambas alegam que os custos extras para os passageiros são uma tendência do mercado. É verdade.
Na ponta do lápis, em todo o mundo, apenas o modelo de negócios das companhias que vendem passagens a baixo custo, mas cobram por todo e qualquer serviço a bordo, tem se provado rentável. A irlandesa Ryanair, que instituiu taxa até para as compras feitas com cartões de crédito de bandeira não filiada a seu serviço, anunciou lucro de 500 milhões de euros em 2011.
Nos Estados Unidos, o Wall Street Journal avaliou a Spirit, similar americana da Ryanair, como a empresa aérea mais lucrativa do país. Diz André Castellini, da consultoria Bain & Company: “A diferença entre as companhias aéreas tradicionais e as de baixo custo é hoje muito mais tênue, e isso deve se acentuar. A prioridade do cliente são os preços baixos, e as tradicionais tiveram de se adequar. Passaram a oferecer tarifas referentes apenas ao transporte e a cobrar pelos adicionais”.
Os Estados Unidos se tornaram uma espécie de laboratório de testes sobre o que pode ser cobrado dos passageiros sem provocar revolta. O senador democrata Charles Schumer promoveu recentemente uma manifestação pública de repúdio à prática das companhias aéreas de cobrar pelas reservas feitas para as poltronas das janelas, do corredor e próximas às saídas de emergência. Casais ou famílias com crianças se veem obrigados a gastar um extra para se sentar próximo uns dos outros.
As taxas para escolha de assento custam entre 9 e 59 dólares “Um pai não deveria ter de pagar ágio para poder supervisionar e proteger seu filho em um avião”, protestou o senador Schumer. Em 2011, a Delta, líder nos voos domésticos nos Estados Unidos, arrecadou mais de 1,6 bilhão de dólares com tarifas extras. Quatro anos antes, esse valor não chegou a 115 milhões de dólares. Disse a VEJA o americano Charles Leocha, diretor da ONG Consumer Travel Alliance: “A cobrança de taxas já foi incorporada pelas companhias. Infelizmente, só resta aos passageiros acostumar-se com elas”.
(Veja o infográfico O custo extra de voar, que mostra os itens que antes eram de graça e agora pesam no bolso de quem viaja.)
A nave dos cheinhos
Passageiros com sobrepeso, e sem dinheiro sobrando para viajar na primeira classe ou na executiva, são os que mais sofrem nas poltronas estreitas dos aviões.
Pensando neles – e também em dar às companhias aéreas a possibilidade de criar uma nova taxa -, a Airbus vem desenvolvendo um novo modelo de seu jato A320 com poltronas junto ao corredor mais largas.
No A320 atual, os três assentos de cada lado da aeronave têm 46 centímetros de largura.
No novo avião, as poltronas do corredor terão 51 centímetros. As do meio e as da janela, 43 centímetros (mesma largura que as poltronas do Boeing 737, aeronave similar). Nas contas da própria fabricante, cobrar 20 dólares a mais por esses assentos poderia render, ao longo de quinze anos, em torno de 3 milhões de dólares a uma companhia. Ainda não há previsão para que o avião para gordinhos entre em operação, mas, segundo a Airbus, companhias aéreas de todo o mundo já manifestaram interesse no projeto.
As americanas devem ser as primeiras a voar com ele. Nos Estados Unidos, um terço da população é obeso e, em 2005, o FAA, departamento que regula a aviação civil, elevou o peso médio dos passageiros para cálculos de carga total de aeronaves. O homem médio, para o FAA, pesa 91 quilos, e a mulher, 81 quilos – 11 quilos e 15 quilos a mais, respectivamente, do que o padrão adotado anteriormente. A Airbus ressalta que os novos assentos poderão beneficiar também mães com crianças de colo e executivos viajando com pastas e computadores, ou passageiros simplesmente em busca de mais conforto.
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