Emílio Luís Mallet, nascido francês, brasileiro por amor e opção, artilheiro por vocação e patrono pela exemplar bravura de soldado.
Aos 18 anos, chega ao Brasil com excepcional bagagem cultural: Matemática na escola na Escola Militar de Saint-Cyr, França, e Humanidades, na Bélgica. D. Pedro I convida-o a alistar-se nas fileiras do Exército Nacional, em vias de organização.
Matriculado na Academia Militar do Império, no Curso de Artilharia, jura a Constituição Imperial, adquirindo a nacionalidade brasileira.
Foi em terras sulinas que viveu o maior período de sua vida militar. Na Campanha Cisplatina, entrou em combate. Seu batismo de fogo aconteceu na Batalha do Passo do Rosário, em 1827, quando se revelou um guerreiro dotado de extrema coragem e notável liderança. Nesse episódio, ao assumir o comando de quatro baterias, substituindo seus comandantes feridos, o Tenente Mallet galgou ao posto de capitão por sua iniciativa e atuação enérgica.
A inesperada crise política de 1831, ocorrida na Corte, rende-lhe a primeira injustiça. Com a abdicação de D. Pedro I, é demitido do serviço militar por não ser brasileiro nato, com base em lei votada sete anos após ter escolhido o Brasil para ser sua Pátria e lutado sob sua Bandeira.
Eclode o Movimento Farroupilha e, apesar de tudo, oferece-se para integrar as forças legais, o que é aceito pelo governo imperial. Apaziguado o conflito, é novamente afastado da tropa.
Somente em 1851, quando participou como voluntário das lutas contra o restabelecimento do Vice-Reinado do Prata, é reintegrado ao Exército no posto de major, em ato de justiça e reconhecimento.
Por sua atuação em Monte Caseros e, posteriormente, em Paissandu, onde sua artilharia bombardeou o inimigo durante 52 horas ininterruptas, fator decisivo para a rendição daquela praça de guerra, Mallet recebeu a Medalha de Ouro da Campanha do Estado Oriental do Uruguai e de Oficial da Ordem Imperial da Rosa.
O homem, o soldado, o comandante tornava-se um mito para seus comandados e um exemplo para seus pares e comandantes.
Ao lado de Caxias, Osorio, Sampaio, Cabrita e tantos outros, peleja arduamente nos sítios da Guerra da Tríplice Aliança, restabelecendo e reafirmando nossa soberania.
Em Tuiuti, no comando do 1º Regimento de Artilharia a Cavalo, sobressaiu-se por sua inesgotável energia e capacidade profissional. Ante surpreendente carga de cavalaria inimiga contra as posições aliadas e a impossibilidade de reação adequada pelos elementos avançados, a artilharia responde com uma impressionante cadência de tiro – a artilharia revólver de Mallet – que, apoiada em um profundo poço de proteção construído à frente das posições, sustou oito vagas de assalto dos adestrados esquadrões inimigos. “Eles que venham… por aqui não passarão!” E não passaram. Mais uma vez evidencia-se sua reconhecida capacidade profissional.
Aos 65 anos, promovido a coronel, por bravura, recebe o comando da Brigada de Artilharia, à frente da qual palmilha quase todo o território paraguaio. Desde a estóica Travessia do Chaco e a ocupação de Assunção, às vitórias de Itororó, Avaí, Lomas Valentinas, Angustura e Peribebuí, a Artilharia de Mallet constituiu fator indispensável para a vitória.
Quando a guerra entrou em sua última fase, Mallet é alçado ao Comando Geral da artilharia para conduzi-la na vitoriosa e decisiva Campanha da Cordilheira. É promovido a Brigadeiro e agraciado com a Medalha do Mérito Militar e a Medalha Geral da Campanha do Paraguai.
Encerrava-se, em campanha, uma brilhante carreira de soldado. Admirado e respeitado por todos, incorporava as grandes virtudes de chefe militar. O extremo cuidado com seus subordinados e rigoroso zelo com o material – “com a mão enluvada em pelica branca, inspecionava a culatra das peças da artilharia” – personificaram em Mallet o espírito dos artilheiros de todas as gerações.
Fidalgo em Dunquerque, entrou para a nobiliarquia brasileira com o título de Barão de Itapevi. Seu brasão contém o símbolo glorioso da artilharia, de chama ardente e viva, tal qual o invicto Patrono acendeu no coração e na alma de seus subordinados e que, hoje, inspira seus discípulos de arma.

UMA HOMENAGEM A TODOS OS AMIGO ARTILHEIROS.




Eu sou a poderosa Artilharia
Que na luta se impõe pela metralha,
A missão das outras armas auxilia
E prepara o campo de batalha

Com seus tiros de tempo e percussão
As fileiras inimigas levo a morte e a confusão. (BIS)

Se montada, sou par da Infantaria,
Nos combates, nas marchas, na vitória !
A cavalo acompanho a Cavalaria,
Nos contatos, nas cargas e na glória

Com rajadas de fogo surpreender
As vanguardas inimigas e depois retroceder. (BIS)

Quer de costa, antiaérea ou de campanha,
Eu domino no mar, no ar, na terra,
Quer no forte, no campo ou na montanha,
Vibra mais no canhão, a voz da guerra;

Da batalha sinistra a melodia
É mais alta na garganta da Pesada Artilharia. (BIS)

Se é mister um esforço derradeiro
E fazer do seu corpo uma trincheira,
Abraçado ao canhão morre o artilheiro
Em defesa da pátria e da Bandeira.

O mais alto valor de uma nação
Vibra n'alma do soldado, ruge n'alma
do canhão. (BIS)

Hurra ! ... Hurra !... Hurra !...

O CANHÃO E O ARADO


Luiz Emílio Leo



Por estranhos caprichos se encontraram,
Em um velho galpão abandonado,
A terrível garganta de um canhão
E a afiada navalha de um arado.

De repente uma voz rompe o silêncio,
Fazendo estremecer todo o galpão.
Voz cavernosa, tétrica, sóbria;
Vinha da negra face do canhão.

“Diz-me, pedaço insignificante,
De ferro inútil por mal empregado: que
Fizeste no mundo, de que serves, qual o
Valor do que se chama arado.

Podes falar-me sem constrangimento
Diante de minha superioridade,
Quero também saber a tua história e o
Que fizeste pela humanidade”.

E a afiada lâmina do arado lançou a
Sua voz na escuridão; Falou com
Calma e com serenidade: “Ouve terrível,
Rápido canhão.

Julga-te superior e me desprezas.
Triste poder da força que assassina!
Há entre nós só uma diferença: Eu
Sou a construção tu és a ruína.

Porque blasonas superioridade, se tens
do sangue e do ódio a atroz missão?
Tu revolves a terra para morte,
Eu a terra revolvo para o pão”.

Sou o bem, tu és o mal. Paz e guerra!
Matas milhões para um herói criar;
Sacrifico a um só, lavrando a terra,
Para milhões com trigo alimentar.

Calado, ouve o canhão, depois, sereno,
Triste falou: “meu velho arado, vejo
Que és bom, és justo, e te admiro.
Porque vives ao bem sacrificado.

Mas não me queiras mal; o meu destino
Será somente visto com pavor.
Sempre temido, não serei amado;
Só ódio e maldição, jamais amor!

Saiba porém, meu velho companheiro,
Que não só represento a destruição.
Todos me odeiam porque sou temido:
“ULTIMA RATIO REGIS”, o canhão.

Ora diz-me: Tu sabes porventura o que
É paz, soberania, estado?
Que é liberdade, que é democracia?
E o direito de um povo, pobre arado?

Sabes o que é viver na independência?
Tu não odeias também a escravidão?
Nem só de trigo vive a humanidade,
Nem, só de sonhos vive uma nação.

Eu sou a sentinela do direito,
O forte guardião da liberdade.
Marco as fronteiras da soberania,
Desumano, eu defendo a humanidade.

Se, porventura, os déspotas tentarem
Tomar teus campos de alourado trigo,
Eu surgirei, e meu poder tremendo
Será, então, arado, teu amigo.

E tu, n’ânsia incontida da defesa
Do solo pátrio contra o estranho ousado,
Darás todo teu ferro para balas,
E serás um canhão em vez de arado”...