Entre um compromisso e outro, o jornalista local Rodrigo Barbosa atravessava uma calçada juiz-forana. Certa vitrine interrompeu os passos. Exposto em uma das prateleiras, seu primeiro romance, "O homem que não sabia contar histórias", já estava à venda. Rodrigo achou estranha a cena. Há muito acostumado com mergulhos literários, nunca havia pensado em ter o fundo das próprias palavras explorado por leitores. "Mas, afinal, não é para isso que a gente escreve?", pergunta, em entrevista pelo telefone. O lançamento do livro, publicado pela Editora Record, está marcado para hoje, no Clube Sírio e Libanês.
Professor da UFJF e secretário de comunicação da Prefeitura, Rodrigo é também compositor, com canções gravadas por intérpretes como Milton Nascimento e Zé Renato. Para ele, a nova incursão, embora envolva a lapidação de palavras, pouco se assemelha à experiência musical. "A escrita é solitária", compara, declarando-se um leitor intenso. "Gosto quando a obra me traz a vontade de sair correndo para dividir aquilo com os outros."
O que o jornalista pretende nesse romance de estreia é exatamente tirar as pessoas do lugar. Seu protagonista, José Brás, passa por uma fase de questionamentos aos 40 anos e se descobre incapaz de contar histórias, ainda que não possa se esquivar de vivê-las, como qualquer sujeito. Ele está diante do amor e de um grande mistério a ser desvendado. O enredo desenvolve-se em três planos: o real, narrado em terceira pessoa; o da perspectiva individual do personagem, na primeira pessoa; e o imaginário, no qual o meteorologista Brás lança mão de um velho caderno para reescrever sua trajetória, visitando referências musicais e fatos marcantes, como o Golpe de 1964 e o atentado no Riocentro.
O tempo é figura central no romance, ambientado em Juiz de Fora. A sequência histórica brasileira, a realidade presente e o momento interior do protagonista são algumas facetas da passagem temporal apresentadas pelo autor. "O tema sempre me cutucou", afirma, citando uma composição, criada ao lado de Márcio Itaboray, na qual reflete sobre encontros e desencontros amorosos. Aliás, foi o tempo também quem permitiu o nascimento do livro, há cerca de sete anos. Na época, Rodrigo estava um pouco mais livre e pôde se dedicar à aventura. A faísca surgiu em um bar carioca, diante de um indivíduo eloquente e de gestos excessivos, o antípoda de Brás. "A partir de então, os personagens foram tomando conta da minha vida." E, aos poucos, de pontos conhecidos do juiz-forano, como o Parque Halfeld.
As palavras, de uma forma ou de outra, sempre estiveram na rotina do autor. Ainda que não tenha certezas sobre o próximo tema, ele sabe que a literatura permanecerá entre seus afazeres. "Com maior ou menor intensidade", observa, comentando sobre a inevitável crise da segunda publicação. Para Rodrigo, filho da pesquisadora e escritora Leila Barbosa, o novo ofício é um misto de prazer e sofrimento. "Ao mesmo tempo que nos motiva, nos cobra", resume. Assim que a narrativa ganhou ponto final, em 2008, o jornalista começou a mostrá-la para família e amigos. "Todos suspeitos", brinca. Os incentivos o fizeram apostar no projeto, aprovado pela Record em 2010. Após receber os originais, a escritora Rachel Jardim declarou-se entusiasmada. "Ela me ligou, e eu acabei fazendo o convite para a redação da orelha."
Sobre as possíveis influências, Rodrigo aponta Machado de Assis, Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade, além das muitas pérolas da MPB. "O trabalho resulta de um caldo de coisas. A gente nem sabe exatamente quais." Rachel fala em James Joyce. "De uma forma surpreendente, seu livro me reporta a um conto, talvez o mais importante do século passado, cuja história se passa em Dublin, Irlanda, e integra 'Os dublinenses'. Chama-se 'Os mortos'." Em seu texto de apresentação - que Rodrigo classifica como generoso -, a escritora juiz-forana também destaca a sutiliza e a ambivalência de "O homem que não sabia contar histórias". Para ela, o autor "trabalha com o dito, o não dito e com o que ainda está por dizer. (...) É nesse ponto que inova, e se apresenta como um escritor que vai marcar, no Brasil, a literatura contemporânea".
O HOMEM QUE NÃO SABIA CONTAR HISTÓRIAS
Lançamento hoje, às 20h
Clube Sírio e Libanês (Av. Rio Branco 3.480, 2º andar - Alto dos Passos)
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