Baixos salários e atraso tecnológico fazem com que 653 oficiais da elite militar do país pendurem as fardas
Lucas Souza
O ex-capitão Victor Dalton
(Cristiano Mariz/VEJA)
A história do ex-capitão ilustra a fuga de cérebros que atinge as Forças Armadas brasileiras. Nos últimos três anos, outros 652 oficiais pediram baixa das três Forças. A debandada aumentou 63% de 2011 a 2013. Esse grupo inclui a elite militar do país, formada em centros de excelência, como o IME e o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). O número de engenheiros que deixaram a farda, por exemplo, cresceu 153% e chegou a 92 no ano passado. Só no primeiro mês deste ano, outros onze já abandonaram a carreira militar em busca de salários maiores na iniciativa privada e de uma ascensão profissional mais rápida. No total, restam pouco mais de 1.700 engenheiros entre os mais de 500.000 militares brasileiros.
Essa “deserção” tem impacto direto em grandes projetos no país com participação dos militares, seja porque nenhuma empreiteira se interessou ou porque as empresas contratadas não conseguiram cumprir o contrato. Obras como a construção da BR-163 (que liga o Pará ao Rio Grande do Sul) e a recuperação da BR-319 (do Amazonas a Rondônia), tocadas por batalhões de engenharia do Exército, foram paralisadas por problemas operacionais. A primeira apresentou “deficiência” no projeto de execução, enquanto a segunda teve falhas no estudo do impacto ambiental, de acordo com o Tribunal de Contas da União.
O ex-coronel da FAB Nehemias Lacerda
Até o projeto básico de um trecho sob responsabilidade do Exército, o da Bacia do Nordeste Setentrional, foi considerado deficiente pelo TCU. Para a realização de um projeto hidroviário no rio, o governo teve de contratar, em 2012, o Exército americano.
Outro fator de preocupação é a defesa cibernética brasileira. Embora um centro militar de estudos no setor tenha sido criado em 2012, o país permanece frágil perante os ataques. Apenas no ano passado, os sites da Polícia Federal, Senado, IBGE, Ministério dos Esportes, Cultura e Cidades foram atacados e deixados momentaneamente fora do ar. O próprio ministro da Defesa, Celso Amorim, chegou a ressaltar a dificuldade de manter profissionais dentro das Forças. “Precisamos ter formação de pessoal e garantir que eles continuem trabalhando para nós. Frequentemente se ouve sobre alguém que era muito bom e foi trabalhar em uma multinacional”, afirmou em novembro.
A questão salarial é, de fato, um dos motivos que levam a essa fuga. Em 2000, um capitão da Marinha ganhava o equivalente a dezoito salários mínimos. Hoje, o poder de compra caiu pela metade. Enquanto isso, a revolução tecnológica e o fenômeno das start-ups também atraem os profissionais mais qualificados para a iniciativa privada. “Conforme eu crescia na hierarquia militar, passei a receber atribuições administrativas. Mas a minha vocação era trabalhar como pesquisador”, conta o ex-coronel da FAB Nehemias Lacerda. Formado em engenharia pelo ITA, depois de trinta anos na Aeronáutica ele decidiu abrir sua própria empresa. Na carteira de clientes em busca de soluções de engenharia estão Embraer, Vale, Votorantim e multinacionais como General Motors, Ford e Philips.
A competição entre a carreira militar e a iniciativa privada é uma guerra desigual, com enorme vantagem para o campo adversário das Forças Armadas. Neste ano, o Ministério da Defesa foi o que sofreu o maior corte entre as pastas. O orçamento caiu de 4,5 bilhões em 2013 para 3,5 bilhões de reais neste ano. A perspectiva de grandes inovações vindas dos militares é tão distante quanto as suas principais realizações – como a primeira transmissão de telégrafo no país, em 1851, na Escola Militar do Rio de Janeiro.
http://veja.abril.com.br/noticia/brasil/forcas-armadas-perdem-seus-cerebros
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