quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

CARNAVAL DE JUIZ DE FORA HOMENAGEIA O SAUDOSO MINISTRINHO

Pré-carnaval de Juiz de Fora lembra centenário do sambista Armando Toschi, o Ministrinho, que completaria 100 anos em 4 de maio

Por RENATA DELAGE

"No firmamento brilhou/Uma estrela em azul e branco/Armando eternizou/Seus belos versos de alegria e de pranto." A composição vice-campeã da quarta edição do Concurso de Marchinhas Carnavalescas de Juiz de Fora, assinada por Carlos Fernando Cunha e Jansen Narciso, é uma entre tantas homenagens preparadas para o ano do centenário de um dos grandes nomes do samba da cidade. Armando Toschi, o Ministrinho, que agora "canta com outros bambas lá no céu" e "ensina aos anjos violão e cavaquinho", é a figura exaltada em "100 anos de um menestrel". A Funalfa também elegeu o sambista como tema da quarta edição do Corredor da Folia, que começa amanhã, assim como o bloco Come Quieto, cujo enredo conta a história do compositor.
"Ministrinho era a memória do samba de Juiz de Fora", assevera Carlos Fernando Cunha. "Sua preocupação em registrar não só suas composições, mas a dos compositores da época, foi uma grande iniciativa. Graças a essa contribuição, as novas gerações podem ter acesso a essa memória", completa.
Quando o músico e pesquisador Márcio Gomes propôs o projeto da gravação do CD "Ministrinho - Nosso ídolo", difícil foi convencer Ministrinho a registrar suas próprias canções. "Ele queria colocar a música de um, de outro, deixando as dele de lado, em favor das que julgava mais bonitas ou mais marcantes, e eu precisava lembrá-lo a todo tempo que também queríamos canções dele", conta Gomes. Ministrinho, falecido em 1996, aos 82 anos, embora tenha visto o CD pronto, não o viu ser lançado, o que só aconteceu em 1998.
O carisma, a liderança e, sobretudo, a presença de Ministrinho nos bares e praças da cidade, a exemplo da praça do Jardim Glória onde sempre se apresentava - e que recebeu seu nome -, fizeram do sambista uma das figuras mais marcantes de sua época. "Ele foi muito atuante e se destacava na mídia. Todos queriam ouvir o que ele tinha a dizer, as fotos nas reportagens eram sempre dele, mesmo se outros músicos participassem do evento", diz Gomes. Sua morte, contudo, levou a figura e sua obra a certo esquecimento. "Não há algo que o faça ser lembrado periodicamente, como acontece, por exemplo, com Nelson Silva, cuja medalha é dada anualmente aos que se destacam na cultura negra na cidade", avalia.
Segundo Márcio Gomes, a música sempre esteve presente na vida do autor de "Homenagem a Catulo", ao lado de José Miranda Ribeiro, "Nosso ídolo", com José Benedito da Silva, e "Último abrigo", com Cesário Brandi Filho. "A família Toschi, assim como outras italianas que se concentraram no entorno do Largo do Riachuelo, tinha muita presença na cidade. Seus irmãos mais velhos foram fundadores, em 1911, do Tupynambás. Participavam não só do futebol, mas do carnaval e da música", conta Gomes. Aos 8 anos de idade, Armando começou a "beliscar" o cavaquinho nas reuniões familiares.
Como muitos irmãos mais novos, seguiu na sombra - e no ritmo - dos mais velhos. "Leva tempo até que o caçula tenha a sua vez", diz Márcio Gomes. Acompanhando o irmão Alfredo, contratado para tocar no bloco Amargosos na década de 1920, participou da festa de gêneros diversos - como marcha e maxixe, tocados com violão, trombone, trompete -, que viria a se tornar um bloco de samba e batucada. "A primeira escola de samba do Brasil, a Deixa Falar, do Rio de Janeiro, só surgiu em 1927", lembra Gomes, ressaltando que as influências cariocas logo assomaram a família Toschi. Assim, outro bloco liderado pela família, o Feito Com Má Vontade, de 1932, se tornaria, dois anos depois, a Turunas do Riachuelo. "A ideia da escola de samba já trazia certa organização, começaram a ter comissões de frente, com pessoas bem vestidas, e assim a polícia reprimia menos", conta o pesquisador. "As agremiações que se chamavam 'Turunas' viraram uma febre no Rio, e decidiram fazer o mesmo em Juiz de Fora." Este ano, a Turunas do Riachuelo completa 80 anos e homenageia seus fundadores no fim do desfile, segundo o vice-presidente, Diomário de Deus.
A passagem do "bastão do samba" na família, só se deu em 1941, quando Alfredo "fugiu da cidade em função de suas aventuras amorosas", como conta Gomes, retornando apenas dez anos depois. O refrão antes ouvido com frequência nas rodas de samba de Juiz de Fora ("quando eu chego na roda de samba, eu chego sem sentir medo, porque eu sou o Ministro, sou irmão do Alfredo") sofreria então uma mudança ("quando eu chego na roda de samba, eu chego devagarinho, porque eu sou o Alfredo, sou irmão do Ministrinho").


'Aquele que finge que corta a luz'

São muitas as histórias curiosas e engraçadas que cercaram a vida do sambista e ainda arrancam risadas daqueles que com ele conviveram. O apelido, Ministrinho, referência a um jogador de futebol de São Paulo, foi adotado pela semelhança de Armando no trato com a bola nos campos de Juiz de Fora. "Existiram dois jogadores com nome de Ministrinho. O segundo deles, que inspirou o apelido do nosso sambista, foi assim chamado por também se assemelhar a Giovanni del Ministro, que defendia o Palestra Itália, hoje Palmeiras." Os "Ministrinhos" juiz-forano e paulista chegaram a se encontrar, como conta Márcio Gomes. "Como os dois eram de família italiana, o nosso Ministrinho o levou para comer uma macarronada em sua casa."
Uma das passagens lembradas pelos amigos vem da época em que Ministrinho era empregado da Cia. Mineira de Eletricidade. "Era dele a atribuição de cortar a luz dos inadimplentes, só que ele não cortava. Como todos eram conhecidos, ele dizia que havia cortado a luz dos devedores, mas, na verdade, apenas pedia a eles para quitarem a dívida. Chegava até a pagar a conta de alguns deles com o seu próprio dinheiro. Ele contava que veio a receber alguns dos empréstimos, outros não", lembra Márcio Gomes, rindo do fato de até o diretor da empresa saber o que se passava e não despedir o funcionário. "Já se referia a ele como 'aquele que finge que corta a luz'."
Outra história se refere à Ordem do Rio Branco, recebida, em Brasília, pelas mãos do então presidente e amigo Itamar Franco. "O Itamar era um fã do Ministrinho e fez questão de homenageá-lo nacionalmente." Como conta Gomes, os amigos dizem que para colocá-lo dentro do avião foi uma batalha. "Ele nunca tinha andado de avião, teve até dor de barriga no aeroporto. Como não havia dormido à noite de medo, antes de a aeronave decolar, acabou cochilando e, quando acordou, perguntou quando iam decolar. Ao saber que já voava há meia hora, praticamente imóvel, exclamou: 'Esse negócio é melhor que ônibus!'."
Na mesma viagem, contam que, ao ser convidado para ficar em Brasília por Itamar para tocar para os ministros, Ministrinho recusou a oferta, já que "tinha um compromisso em Juiz de Fora", tocar no singelo Bar do Jerônimo. Ele também teria sido confundido, segundo contam Márcio Gomes e o advogado e amigo Antônio Emanuel Scanapieco, com um ministro italiano na volta, já que todos o chamavam por ministro, e ele usava o terno comprado para a ocasião e a comenda no peito.
"Ele foi um grande homem, muito exigente com a sua música, mas muito doce no trato com as pessoas", observa Scanapieco, que conheceu Ministrinho por toda a vida. Vindos de famílias vizinhas, compartilharam momentos marcantes da carreira do compositor. "Quando o pessoal do Rio vinha à cidade, como o Noca da Portela, íamos a um barzinho no Jardim Glória, e todos podiam participar da roda, nem que fosse para tocar o famoso 'instrumento de sapo', um tamborim qualquer, como dizia o Ministro", lembra o amigo, que acompanhou o sambista aos bares nos últimos anos de vida. "Quando ele faleceu, cantamos a música 'Feliz cidade', de Roberto Barroso. Ele deixou muita saudade, realmente batalhou pela música de Juiz de Fora."


Ano de homenagens

Durante todas as comemorações carnavalescas em Juiz de Fora, Ministrinho será lembrado, já que a Funalfa encampou as ações do chamado "Ano Ministrinho". Está em cartaz, até 7 de março, em três galerias do CCBM, a exposição "Ministrinho - Cem anos". Na Galeria Narcise Szymanowski, uma fotobiografia mostra, em 35 imagens, a trajetória artística e momentos marcantes da vida do juiz-forano. Já o espaço Alternativo 2 abriga uma ambientação do universo do samba, da música, do futebol e da boemia vividos por Ministrinho, numa espécie de bazar. Na galeria Alternativo 1, está exposto o fictício Grêmio Recreativo Escola de Samba Ministério do Samba, escola de samba imaginária criada e confeccionada pela equipe da Funalfa e por alunos do Programa "Gente em primeiro lugar", coordenados pelo artista plástico Daniel Rodrigues. As miniaturas contam a trajetória do compositor em cinco carros alegóricos e 11 alas.
Três projetos, aprovados na Lei Murilo Mendes, têm o compositor como tema. Um deles é o documentário do cineasta Marcos Pimentel, que já está sendo gravado. Outro, assinado por Márcio Gomes, levará quatro shows com repertório em homenagem ao sambista, sempre aos domingos, a partir de 4 de maio (aniversário de Ministrinho), à praça que leva seu nome no Jardim Glória. Por fim, o Quarteto Visceral produzirá um CD com composições de Armando Toschi, que deve começar a ser gravado em março.
No fim de 2013, a Câmara Municipal concedeu o título de cidadão benemérito a Ministrinho. A cerimônia deve acontecer nos próximos meses, segundo Márcio Gomes, que faz a ponte entre a família e os organizadores da programação especial do centenário.
http://www.tribunademinas.com.br/cultura/viva-a-memoria-do-samba-1.1424867

Nenhum comentário:

Postar um comentário