13 de Novembro de 2013 - 07:00
Inquérito civil aponta falhas em funcionamento de prédio; secretário de Saúde disse que algumas medidas já estão sendo adotadas
Por Daniela Arbex (colaborou Eduardo Valente)
Não há mais tempo para o PAM-Marechal. Pelo menos esse é o entendimento do Ministério Público. O promotor da Saúde, Rodrigo Barros, entrou na Justiça com pedido de interdição imediata do prédio de 11 andares do Departamento de Clínicas Especializadas, onde são realizadas mais de 18 mil consultas mensais pelo SUS em 24 especialidades. O motivo é o mesmo de pelo menos três anos atrás, quando a situação foi denunciada, resultando em instauração de inquérito civil público concluído há uma semana: falta o mínimo de segurança para as cerca de 20 mil pessoas de Juiz de Fora e de outros 96 municípios da região que circulam no edifício a cada mês, e isso inclui até a estrutura do prédio. O risco se estende aos servidores municipais que trabalham no local, onde funcionam, ainda, o Laboratório Central e diversos departamentos, como o de Saúde da Mulher. Relatórios recentes sobre o imóvel revelam que o prédio continua sem alvará sanitário e com irregularidades em relação às normas de prevenção de incêndio e pânico, havendo "risco iminente aos usuários e servidores", conforme constatação do Corpo de Bombeiros. Entre os problemas apontados está o sistema de hidrante, incapaz de atender a toda área. Pior: faltam laudos técnicos sobre as condições elétricas da unidade. Relatório de vistoria da Vigilância Sanitária Estadual, do mês passado, aponta instalações improvisadas e fiação elétrica exposta em diversos ambientes, cujos espaços não contam sequer com sinalização de rotas d e fuga em caso de um desastre. No início deste mês, um princípio de incêndio no depósito de lixo do PAM-Marechal foi registrado, causando tumulto.
O secretário de Saúde do município, José Laerte Barbosa, considerou uma "falta de compromisso ético" ficar sabendo da decisão do Ministério Público pela Justiça e a imprensa, já que nem ele e nem o prefeito Bruno Siqueira (PMDB) foram informados da situação. Segundo José Laerte, o Executivo não foi oficialmente notificado, mas soube que o juiz irá ouvi-los antes de tomar uma decisão. Caso o pedido do MP seja acatado, o secretário informou que não há como garantir a continuidade imediata de todos os serviços.
Vigilância sanitária
O aspecto externo do prédio é apenas a parte mais visível do problema. Dados das vigilâncias sanitárias municipal e estadual apontam para a presença de materiais esterilizados com prazo de validade vencido, inadequações no Serviço de Radiodiagnóstico, ausência de recipientes adequados para resíduos perfurocortantes e infectantes, e resíduos biológicos dispostos diretamente sobre o piso nas áreas comuns de circulação do público/paciente. Em setembro deste ano, os técnicos da Vigilância Sanitária também identificaram deficiências de higiene, como acúmulo de sujeira nas paredes, janelas deterioradas e sem vidros, peitoril em madeira danificados, ambientes sem ventilação adequada, além de rampas e escadas sem corrimão. Nos banheiros públicos dos andares foram identificados portas de madeira apodrecidas, sanitários sem assento, mau cheiro, descargas estragadas e ausência de trincos que garantam a privacidade do usuário. No banheiro feminino do 5º andar, por exemplo, faltam condições mínimas para uso. Não há sequer sabonete, toalha de papel e papel higiênico para os usuários. No banheiro dos funcionários também há precariedades sendo que, em diversos setores, homens e mulheres são obrigados a dividir o mesmo sanitário. Parte dos bebedouros está coberta com sacos pretos indicando a impossibilidade de uso. Para a comerciante Margareth Aparecida Dias, 49 anos, a sensação de descaso é inevitável. "O usuário sente-se totalmente abandonado diante de um prédio nesse estado. É um descaso com o ser humano."
Segundo Rodrigo Barros, há mais de três anos tramita no Ministério Público procedimento administrativo visando a sanar as irregularidades de maneira extrajudicial, mas os argumentos do passado se mantêm. O principal deles é sobre a propriedade do edifício, que pertencia ao antigo INSS e hoje encontra-se em fase de doação para a cidade. O acordo ainda não foi concretizado, o que resultou na impossibilidade de investimentos por parte do Poder Público municipal. "Apesar do argumento, as incontáveis inadequações colocam em risco a vida e a saúde dos pacientes do SUS e dos servidores. Além disso, o fato de o imóvel ainda não pertencer ao Município não afasta a responsabilidade do Poder Público quanto ao fornecimento de serviços de saúde em locais seguros e adequados. A impossibilidade de regularização do imóvel deve, obrigatoriamente, ensejar a transferência dos serviços ali disponibilizados para outros locais", declarou o promotor, reiterando a necessidade de preservar a dignidade dos pacientes atendidos e de quem trabalha no local. "Como não houve êxito nas propostas de formalização de termo de compromisso de ajustamento de conduta - uma tentativa de sensibilizar os administradores municipais -, não restou outra alternativa, senão ajuizar a presente ação", completou Barros. Se a Justiça acolher o pedido, o Município terá prazo de seis meses para sanar os problemas. O Poder Público poderá recorrer, quando a decisão for publicada. A ação tramita na 1ª Vara da Fazenda Municipal.
Medidas adotadas
Para minimizar os transtornos causados pela necessidade de uma reforma estrutural, o secretário de Saúde, José Laerte Barbosa, explicou que algumas medidas estão sendo adotadas, como a reforma dos elevadores e a criação de uma brigada de incêndio. Ele também citou iniciativas que visam minimizar a ocupação do espaço. "Alguns serviços estão sendo transferidos. É o caso da farmácia, que atraía um público de aproximadamente mil pessoas por dia. Também é nossa intenção tirar alguns laboratórios, a radiografia e o atendimento do Centro de Testagem e Aconselhamento para Portadores de DST/Aids. Mas tudo isso depende de novas locações, e deve ser feito gradativamente."
Sobre as reformas, o secretário garantiu que não há recursos para a realização das obras. Estima-se que cada um dos andares custe aos cofres públicos algo em torno de R$ 700 mil. "E mesmo se tivéssemos o dinheiro, não é uma intervenção que se faça em seis meses. Nós reconhecemos os problemas do prédio e estamos trabalhando para melhorar a situação. Inclusive já temos prontos os projetos arquitetônico, hidráulico e elétrico, mas falta dinheiro, que buscamos com auxílio dos nossos deputados por meio de emendas. Por tudo isso, considero precipitada a atitude do promotor."
Irregularidades em todos os andares
O relatório da Vigilância Sanitária Estadual, que recebeu visto da coordenação sanitária do órgão em 18 de outubro deste ano, aponta irregularidades em todos os andares do prédio e cita problemas já relacionados anteriormente que permaneceram sem solução, agravando o quadro de deficiência da saúde pública. No andar térreo, por exemplo, já é possível identificar mofo e infiltração em consultórios. No primeiro andar, o teto está com a fiação exposta. Já no terceiro pavimento, o depósito de material de limpeza é usado para acondicionar lixo, e nem a torneira do tanque, que há meses estava fixada com pano, foi consertada. Na Coordenação Municipal DST/Aids, há produtos armazenados no piso, e o sanitário público não possui sequer acessórios para higienização das mãos, além de tampa no vaso. No Centro de Testagem e Aconselhamento (CTA), foram encontrados materiais esterilizados no banheiro dos funcionários. Já no almoxarifado, localizado no 10º andar, onde se encontram gaze, abaixador de língua, álcool, seringas, luvas, fio de sutura, papel grau cirúrgico e até medicamento, não há controle de temperatura e umidade. Também foi identificada presença de insetos.
A situação dos consultórios médicos impressiona. Em muitos deles há camas de madeira no lugar de macas. Não há troca permanente de lençóis, e as mesas estão corroídas. Para amenizar o problema, uma médica, que preferiu não ser identificada, envelopou o mobiliário dela. "Como a mesa estava muito oxidada, sujava o jaleco, rasgava a nossa roupa. Então improvisei", contou. As condições degradantes afetam a rotina de quem trabalha lá, um contraste com setores já reformados, como da Odontologia. "Realmente essa realidade é horrorosa. É frequente chegar aqui, e um dos elevadores estar estragado. No meu caso, como sou alto, e há um armário em cima da pia do consultório, tenho dificuldade para lavar as mãos. Lençol, eu nem sei quando troca", revelou outro médico do corpo clínico. Ao todo, 78 médicos trabalham no local. O improviso também dificulta o atendimento a quem mais precisa, como a cadeirante Marli de Souza, 52 anos, que teve a perna esquerda amputada recentemente. Nesta terça-feira (12), o filho dela, Romário, 19, que a acompanhou na consulta, não conseguiu entrar com a mãe no consultório. A cadeira de rodas ficou agarrada na porta. "Me sinto ainda pior diante de uma situação dessas", lamentou Marli. Apesar dos problemas, um dos médicos que atende no prédio discorda do pedido de interdição. "Não há como fechar isso aqui. Se isso ocorrer para onde vai esse povo todo? Acho que as obras de melhoria deveriam ser realizadas sem impedir o funcionamento do prédio."
Faltam prontuários médicos em 13 especialidades
Relatório de diligências do Conselho Regional de Medicina de Minas Gerais (CRMMG), de 20 de junho de 2013, aponta, ainda, que das 24 especialidades médicas do PAM-Marechal, 13 continuam sem disponibilização de prontuários para registro de dados dos pacientes, o que é considerado grave violação ética. O problema, segundo o teor do documento, foi atribuído a "deficiência específica de recursos da Prefeitura".
Na prática, quando o paciente comparece para atendimento em uma especialidade sem prontuário implantado, as informações colhidas na anamnese, no exame físico, no diagnóstico de exames subsidiários carecem de registro, prejuízo não só para o usuário, mas também para o exercício profissional. Sem esse acervo documental, a história do paciente não está preservada, apesar de haver recomendações do CRMMG neste sentido desde 2003. Para o médico fiscal que assina o relatório, Lincon Porto de Queiroz, a unidade permanece há longo tempo sem prontuários médicos para todos os pacientes, o que pode configurar "insegurança ao exercício profissional".
Nenhum comentário:
Postar um comentário