quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Rei da cachaça cria cabras e cobras e sonha em distribuir seu dinheiro pelo mundo

RAFAEL ANDERY
DE SALINAS (MG)


Uísque ou água de coco, cerveja ou Coca-Cola. Bebe-se de tudo, menos cachaça no bar São Geraldo. A ausência da "marvada" pode passar despercebida entre os frequentadores, mas chama a atenção dos forasteiros que se aventuram pelo estabelecimento. Isso porque o bar se encontra em Salinas (MG), a capital mundial da cachaça, mais precisamente no bairro São Geraldo, epicentro da noite salinense.

Localizada no norte de Minas Gerais e com uma população de cerca de 40 mil habitantes, Salinas conta com mais de 60 marcas artesanais que produzem aproximadamente 5 milhões de litros da bebida por ano. A cidade abriga anualmente um Festival Mundial da Cachaça e é sede de um enorme museu da bebida.

A cachaça, contudo, não está em alta entre os moradores. "O povo aqui é tranquilo, só bebe socialmente." Quem explica é Antonio Rodrigues, 64, consumidor de nove doses diárias da bebida. "São três doses pela manhã, três pela tarde e três pela noite", explica "o maior produtor artesanal de Salinas, do Brasil e do mundo" ou o "grande rei da cachaça", como diz ser conhecido.

O reinado de Toni, como de fato é conhecido, impressiona. Dono das marcas Seleta, Saliboa e Boazinha, ele começou a trabalhar no ramo aos 27 anos, por influência do sogro, dono de uma fábrica da bebida. A produção própria só começou em sua fazenda depois de dez anos. O motivo para entrar no ramo era simples: "Eu sempre gostei de ganhar dinheiro".

Hoje, Toni produz cerca de 1,3 milhão de litros por ano e exporta para países como EUA e China. Mas o que realmente chama atenção é sua figura.

Toni recebeu a Serafina vestido de branco da cabeça (chapéu) aos pés (sapatos). "Quando estou de branco, a alma fica limpa e o espírito aberto", diz. "Por isso, gosto de usar branco às segundas, quartas e sextas-feiras, começo, meio e fim da semana", explica o cachaceiro, que encontrou a reportagem em uma terça-feira.

Sua marca registrada é uma longa barba branca, que acaba de completar 15 anos de idade. A grande e grisalha cabeleira, que a acompanha invariavelmente, escorre por debaixo de algum dos chapéus que compõem sua vasta coleção. Toni tem três guarda-roupas e três sapateiras. "Uso uma roupa por no máximo três horas e tomo de seis a oito banhos por dia", diz.

Por baixo do chapéu Marcatto, de R$ 77 --ele não tira as etiquetas das roupas--, Toni leva um galho de arruda atrás da orelha. Orgulhoso proprietário de 500 pés da planta, garante que não usa a erva para espantar o mau-olhado. "Eu finjo ser supersticioso", conta. "Faço isso para chamar a atenção." Mas não gosta de maldizer a sorte. "É melhor ter sorte que ser filho de pai rico", diz. "E eu tenho."


Toni não gosta de dirigir --conseguiu atolar o carro e estourar um encanamento subterrâneo em sua fazenda nos poucos minutos em que levou a reportagem para um passeio. Seu meio de locomoção favorito é a mula. Sempre que pode, ele lança a sela em uma de suas 36, de preferência na que é seu xodó, Pirraça. Mas tem algumas de nomes mais sugestivos, como Sua Mãe e Seu Cuzinho.

Fascinado por animais, ele diz ter adestrado pessoalmente todas as mulas e os 84 cachorros que moram em suas duas fazendas.

Em sua casa na cidade, conta com a companhia de uma simpática cabra, de nome Arapuca, e o visitante ainda pode tomar um susto com Catarina, uma jiboia de seis metros que rasteja placidamente pelos aposentos. A cabra e a cobra, garante Toni, são amigas.

FAVOR NÃO BATER NO PORTÃO

Surpreendentemente simples para o dono de uma empresa que fatura "bem mais de 10 milhões por ano" (a política da companhia é não divulgar números), a casa de Toni não recebe estranhos de portas abertas.

Em cima de um muro amarelo, uma coleção de carrancas sugere uma recepção pouco calorosa. Na porta, um aviso afixado passa o recado mais diretamente: "Patrocínio já era, doações também. Favor não bater no portão".

Dentro do imóvel, fotos ampliadas dos seus seis filhos e cinco netos dividem as paredes com frases de autoajuda e piadas, impressas em folhas de papel sulfite e coladas com fita adesiva.

"Pai alho, mãe cebola, o filho não tem como cheirar bem", prega uma. "Cachaça só faz duas coisas com seu coração partido: ou arregaça estraçalhando tudo de vez, ou remenda", diz outra, para deleite do mineiro banguela, que ri alto, exibindo um buraco recente (fruto de um acidente gastronômico que lhe vitimou um pivô) e 25 dentes de ouro. "Tenho uma boca rica", brinca.

E, se depender dele, ela tem tudo para ficar mais rica ainda. "Não ganhei dinheiro o suficiente", resmunga o cachaceiro. "Mas estou mexendo com um segundo negócio muito promissor, que é uma lavra de pedras preciosas, de turmalina rosa", conta.

"Dentro de cinco anos, vou ganhar R$ 500 bilhões", prospecta, muito otimista (o quilate da pedra, em sua variedade mais valiosa, vale R$ 617. Para efeito de comparação, o preço do quilate de esmeralda mais valioso é 20 vezes maior).

E mantém a humildade para ajudar o repórter. "São 16 números, se você precisar escrever depois." Embora prestativo, o mineiro embaralha as contas, talvez inebriado pelo efeito da cachaça com Gatorade que beberica ao longo da entrevista. Quinhentos bilhões se escrevem com 12 números (14, se contar os dois zeros depois da vírgula).

Esse detalhe não incomoda o empreendedor, que possui questões mais prementes a tratar. Toni tem planos para sua empresa até 2048, ano em que completará seu centenário. Até lá, pretende formar um sucessor. "Quem sabe algum neto ou bisneto."

Gastar toda a bolada que sonha ganhar com a turmalina rosa não será problema. "Vou ficar só com 1% e doarei 99%, o que dá R$ 495 bilhões, para 13.500 pessoas que eu escolherei", diz. É bom correr. Você só tem mais 36 anos para cair nas graças de Toni Rodrigues.

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