terça-feira, 5 de março de 2013

Novos chefs levam cozinha contemporânea para Tiradentes, cidade da tradicional culinária mineira

ANA BRANCO/AGÊNCIA O GLOBO. PRODUÇÃO: LOU BITTENCOURT

TIRADENTES, Minas Gerais — É de surpreender dar de cara com um restaurante de cozinha contemporânea depois de caminhar por uma rua estreitinha de pedras capistranas, emoldurada por casas coloniais com janelas coloridas de madeira, muros de tijolos de barro cru, igrejas e chafarizes coloniais. Tiradentes, famosa por ser uma cidade que parou no tempo, está deixando esse perfil apenas para a arquitetura. Na gastronomia, o tradicionalismo anda dividindo espaço com uma trupe de novos chefs formados em escolas de gastronomia, que não abrem mão da doma (a casaca do chef), de descrições no diminutivo no cardápio e que até se aventuram numa fusion food — espuma de ora pro nobis,uai!

Em janeiro, a chef Tanea Romão levou o seu Kitanda do Brasil (32 9156-5624), que nasceu em Gonçalves, para lá. De segunda a sexta, suas panelas preparam geleias e chutneys de sabores nada convencionais (já inventou 4 mil!; vende para todo o país há 13 anos; atualmente, faz linha de 12 produtos de café da manhã encomendada para a loja e os restaurantes de Inhotim, que vão de rosas defumadas a frutinhas pouco conhecidas e apimentadas). Mas, no fim de semana, ela abre seu jardim para servir um menu degustação bem brasileiro, com 25 pratos cheios de inventices preparados ao lado da chef Flavia Mendes, que conheceu durante o curso de gastronomia no Senac de Campos do Jordão.

— Uso 70% de produtos locais, produzidos até 200 quilômetros de onde estou, e 30% de itens do mundo — conta ela. — Sirvo costela com geleia de mel e pimenta, salada com molho de alfazema e doce de leite com rosas, além de caipirinhas de banana com limão adoçadas com mel de pimenta.
O próximo passo é abrir uma lojinha no centro para vender suas geleias, azeites, chutneys, uma linha de jiló e ainda produtos brasileiros que a surpreenderam, como o colar comestível de licuri tostadinho.

— É uma cidade onde parece já ter acontecido tudo e de repente, puft!, aparece coisa nova — comenta Tanea sobre a renovação que a culinária local está vivendo.

Farofinha cítrica

Assim que se formou no Curso Superior de Gastronomia de Juiz de Fora, em 2010, Rodolfo Mayer, 25 anos, encontrou uma casinha na parte nova do Centro Histórico. Ele e a namorada Angela Marini (formada em Educação Física, ela aprendeu na marra a ser garçonete, abrir vinho e controlar uma fila de espera) adaptaram o espaço para uma cozinha moderna com parede de vidro para o salão e para a rua. 

O Angatu (32 3355-1391) ficou um charme. Com um menu de comfort food no almoço e autoral à noite, ele prepara filé suíno com chutney de maracujá e pimenta branca, batata doce assada, farofinha (ó o diminutivo aí!) cítrica e azeite de carvão; capelete de beterraba assada com queijo artesanal da Serra do Salitre e creme de tomate; salmão salteado, risoto de banana-da-terra e castanha de caju; de sobremesa, terra de café e espuma gelada de leite, sorvete de avelã com chocolate e crouton caramelizado. No rol das bebidas, águas temperadas, suco de uva branca e doses de cachaça Angatu.

— Faço um cardápio sazonal, com ingredientes da estação. Escolho tudo, não encomendo nada. Quando cheguei, incluí muitos detalhes moleculares, como falso caviar de coco e ar de limão, mas hoje diminuí um pouco — diz Rodolfo, que usa pinças para retocar o prato e tem taioba no jardim.

Na mesma primeira leva de formandos do curso, estavam o arquiteto Sandro Lopes de Oliveira, 36 anos, o advogado Yury Feliciano, 35 anos, e Natália Gonçalves, 23 anos. O trio, que se aproximou durante o Festival Gastronômico de Tiradentes, acabou encontrando uma casa para abrir um restaurante. A ideia era fazer algo inédito na cidade. Depois de pesquisar, tinham três opções: japonês, chinês ou uma steakhouse. Ficaram com a terceira, inaugurando há sete meses o Archote (32 8818-3353), que serve 12 tipos de carnes, como o rocambole de torresmo assado por cinco horas, que vai bem com o barbecue da casa.

— Nosso cardápio tem cortes variados e acompanhamentos especiais, como farofinha de biju do Araxá e salada crocante de arroz selvagem — conta Sandro.

O esquema do trio é sempre se revezar na cozinha, mantendo um deles servindo as mesas e recebendo os clientes. Eles querem aprender tudo, acompanhar minuciosamente o que acontece no restaurante.

— Estamos experimentando, para conhecermos as etapas do funcionamento. Gostamos de ter um chef em contato direto com os clientes para nos dar um retorno do que eles estão achando — diz Yuri, que estuda livros de veterinária para aprimorar seus conhecimentos sobre carne e corte de animais.

Diretamente de Lisboa, o chef João Carlos Aires Mota chegou à cidade em busca de uma casinha colonial para fazer comida contemporânea. Depois de largar a vida em frente ao computador, se matricular em cursos no Instituto Português de Formação Profissional e de fazer experiências ao lado de chefs, ele abriu o Lusitania (32 9145 4875) em Tiradentes. A intenção é oferecer um mapa da gastronomia lusa com toques mineiros. Entre as opções, tropeiro de bacalhau com camarão e couve salteada, embutido de porco feito no restaurante e rolinhos de linguado com camarão recheados com abobrinha e requeijão.

— Adoro a comida mineira. Pretendo fazer alguma coisa com taioba, sempre usando muito azeite — avisa João, que, nas horas livres, percorre cozinhas tradicionais e fábricas de produtores para aprender mais sobre Minas.

Cogumelo de Barbacena

O ponto de encontro pós-trabalho de todos eles é no único bar da cidade, o Petruccio Buteco Arte (32 3355-2322), de Peter Fedewicz, que cuida dos drinques. Fernando Dias é quem prepara as comidas. Num ambiente que mistura decoração de pub com peças vintage garimpadas pelo mundo (tem uma registradora de 1912 em funcionamento) e obras de arte, pessoas chegam para escutar jazz, beber uma variedade enorme de coquetéis (muitos inventados na hora) ou cervejas especiais, além de beliscar comidinhas no balcão, como suflê de bacalhau e sanduíche de almôndegas.
— Começamos em Bichinho, mas tivemos a oportunidade de vir para Tiradentes. Queremos ser o bar mais incrementado, com decoração e cardápio contemporâneo, que fica aberto até mais tarde na cidade — diz Peter, que fecha seu bar às 4h30m.

O prefeito da cidade, Ralph Justino (responsável pelo Festival de Gastronomia de Tiradentes antes de ocupar o cargo, e quem promoveu o encontro do pessoal do Madri Fusión com os chefs de Minas, iniciativa que rendeu uma edição do evento espanhol homenageando o estado), pretende dar mais fôlego ao cenário gastronômico. Acaba de criar uma feira de produtos da região — do cogumelo de Barbacena aos queijos de São Vicente e ao rocambole de Lagoa Dourada.

— É maravilhoso ver a cidade ampliando suas especialidades, não se limitando à tradição nas cozinhas. Sem dúvida a gastronomia é um dos grandes potenciais de Tiradentes. É ótimo ver que a cidade acompanha a gastronomia mundial ao mesmo tempo em que mantém fortes as suas raízes, inspirando eventos pelo mundo afora — comemora.

E pensar que até pouco tempo Tiradentes só via domas em fantasias de cozinheiro durante o carnaval.

http://ela.oglobo.globo.com/vida/comportamento/novos-chefs-levam-cozinha-contemporanea-para-tiradentes-cidade-da-tradicional-culinaria-mineira-7724231


Um comentário:

  1. Em Tiradentes tem uma Pousada/Restaurante que é de um médico que faz o melhor Leitãozinho a pururuca do mundo. O médico inventou um processo de pururucar que não resseca a carne...

    Ir a Minas, engorda muito...

    ResponderExcluir