24 de Fevereiro de 2013 - 07:00
Documento, que é direito do paciente, seria também forma de evitar desperdícios, como pedido repetido de exames.
Por FLÁVIA CRIZANTO
Algumas especialidades começaram a ter documento implantado no ano passado, mas 8 áreas de maior demanda ainda não têm registros
Algumas especialidades começaram a ter documento implantado no ano passado, mas 8 áreas de maior demanda ainda não têm registros
Algumas especialidades começaram a ter documento implantado no ano passado, mas 8 áreas de maior demanda ainda não têm registros
O prontuário médico é um direito de todo paciente, segundo o Código de Ética do Conselho Federal de Medicina (CFM). Nele deveriam ficar registradas as informações de todos os procedimentos feitos durante o atendimento hospitalar ou a consulta. Porém, em Juiz de Fora, essa conduta não é adotada em alguns setores do PAM-Marechal e do Departamento de Clínicas Especializadas, que funciona no mesmo prédio. O problema se arrasta há mais de 20 anos, trazendo prejuízos para o paciente, o profissional de saúde e os cofres públicos. As anotações do prontuário poderiam simplificar o processo de atendimento, evitar o pedido desnecessário de exames, reduzir custos, impedir o uso indevido de equipamentos e diminuir o tempo de permanência ou espera nas unidades de saúde.
A ausência do documento tem levado o Conselho Regional de Medicina (CRM) a se pronunciar, solicitando providências. Agora, com a nova gestão de saúde do município, o assunto volta a ser debatido entre o Executivo, o Ministério Público e o CRM. Um relatório com a denúncia feita pelo CRM tramita na Promotoria de Saúde desde 2010. "O paciente precisa de um registro do seu tratamento. Já o médico, que age com retidão, pode vir a necessitar dessas informações para comprovar procedimentos feitos, em caso de insucesso. Além do mais, se o médico muda, como fica a continuidade daquele tratamento?" O questionamento é feito pelo delegado do CRM de Juiz de Fora, José Nalon, responsável por várias fiscalizações no PAM-Marechal nos últimos anos.
Quem é atendido no PAM-Marechal sabe do prejuízo da não existência do documento e precisa tomar providências por conta própria. A dona de casa Claudilene da Silva vem de Bom Jardim há sete anos para fazer acompanhamento neurológico. Durante esse período, precisou trocar de médico. A solução encontrada pelo profissional, que atualmente a atende, para não perder as informações, foi a de anotar a evolução do tratamento no comprovante de retorno da consulta. "Neste papel ficam escritos o histórico do tratamento e os remédios que estou tomando. Eu aproveito para levar para o clínico da minha cidade. Lá tenho a ficha direitinho", conta.
Também usuária do SUS, a servidora pública Cássia Borges já enfrentou problema. Ela foi a uma consulta no ginecologista quando ainda não existia o prontuário no setor. "Ele preencheu as minhas informações em uma folha de papel A4, mas só colocou dados como nome, idade e sexo, com o encaminhamento do médico da Uaps (unidade de atendimento primário à saúde). Ele me pediu exames para voltar depois, mas não foi anotado."
Fragilidade
No Departamento de Clínicas Especializadas, são atendidas cerca dez mil pessoas todo mês, provenientes de 96 cidades da região. Outros três mil procedimentos também são realizados em média. Alguns médicos, que não quiseram se identificar, dizem buscar maneiras para driblar a situação. Uma delas é memorizar casos e pacientes assistidos. "Também conversamos com os atendidos para saber o que já foi feito ou qual exame foi solicitado." O chefe do departamento, Carlos Sérgio Santos, admite a fragilidade e acredita que a implantação dos prontuários em todo o PAM-Marechal pode representar também uma economia para os cofres públicos. "Alguns pacientes precisam passar por mais de um especialista e, às vezes, um simples hemograma pode ser pedido repetidamente. Neste caso, estamos falando de um exame barato, mas não podemos esquecer daqueles mais caros e de alta complexidade."
Problema antigo
A primeira denúncia ao Ministério Público relatando a ausência dos prontuários chegou em maio de 2010, quando foi instaurado um procedimento. "A informação era a de que o paciente chegava, uma ficha era preenchida a mão e depois descartada. A partir daí, começamos um trabalho de conversa com as esferas responsáveis. Os gestores foram fazendo propostas de adequação e, atualmente, algumas especialidades contam com o prontuário, enquanto outras não", explicou a promotora de Saúde, Carolina Andrade. No início de 2012, uma minuta de ajustamento de conduta foi entregue ao Município. Segundo a promotora, até hoje não houve resposta. "A minuta não foi devolvida. Vou provocar o novo secretário e o novo prefeito a esse respeito e reencaminhar o documento."
"É difícil instalar um prontuário médico em um lugar que nunca teve. Estou há 20 anos no PAM-Marechal como médico e há três anos e meio como chefe de departamento. Nunca admiti essa questão", relata Carlos Sérgio, responsável pelo início do processo de implantação dos prontuários, em 2012. Atualmente o departamento faz atendimento em 20 especialidades, das quais cerca de 60% estão com o serviço funcionando. No entanto, os 40% que estão sem o prontuário são as áreas de maior demanda do SUS, como ortopedia, cardiologia, dermatologia, gastroenterologia, neurologia, otorrinolaringologia, proctologia e urologia.
Segundo Carlos Sérgio, os prontuários estariam sendo adotados no Departamento de Saúde da Mulher, no Departamento de Práticas Integrativas e Complementares e no Serviço de Atendimento Especializado, que pertence ao programa DST-Aids."
Muita demanda, pouco espaço
As oito especialidades sem o preenchimento do prontuário têm o maior fluxo de pacientes e, por isso, segundo a Secretaria de Saúde, seria preciso uma estratégia diferente de implantação e armazenamento do material. "O grande problema da instalação do prontuário foi a falta de espaço físico para guardá-los. Existe um projeto de utilizar um andar inteiro com esse fim", explica o chefe do Departamento de Clínicas Especializadas, Carlos Sérgio Santos.
Mesmo com a implantação dos prontuários em várias especialidades, depois da exigência do Ministério Público, do Conselho Regional de Medicina (CRM) e do Sindicato dos Médicos, a continuidade do processo ainda esbarra na questão do repasse de recursos. "A logística está estabelecida, o que falta é material mesmo", relata o médico. "Nós estávamos colocando os prontuários gradualmente em todos os setores necessários, mas com a questão da campanha política (no ano passado) houve uma paralisação por falta da verba, que seria usada para comprar pastas, insumos, contratação de pessoal, computador etc. Depois que recebermos esses materiais, em até 180 dias, tudo estará resolvido."
O secretário de Saúde, José Laerte Barbosa, reconhece os problemas e diz que trabalhará para resolver a situação o mais rápido possível. "Primeiro, pretendo escutar as categorias. Sei que a situação é um desgaste terrível para o médico e para o paciente. Além disso, estamos realizando treinamentos no sistema 'Siga saúde' - um software que auxilia a gestão da informação - para avaliar em quais locais ele poderá ser implantado e os recursos que poderão ser explorados nesse caso específico." A assessoria de imprensa da pasta também informou que um pedido foi encaminhado à Superintendência Regional de Saúde, solicitando recursos, por meio de convênio, para compra dos insumos necessários. "Apesar dos desafios, percebemos que houve um amadurecimento na administração da saúde do município", avalia a promotora de Saúde.
Sistema eletrônico é discutido
Ao contrário do que ocorre no PAM-Marechal e no Departamento de Clínicas Especializadas, quem se dirige ao sistema primário de atendimento à saúde em Juiz de Fora tem prontuários, sejam registrados em arquivo físico ou eletrônico. O processo de digitalização começou a ser implantado no nunicípio em 2009, por meio do software chamado "Siga saúde".
O objetivo do sistema é reunir todas as informações dos usuários do SUS que passaram por atendimento. A instalação está sendo feita em etapas, começando pela atenção primária, seguindo para a regulação até chegar no sistema secundário, que inclui o PAM-Marechal. De acordo com a Promotoria de Saúde, a implantação do "Siga saúde" foi um dos argumentos usados pelas gestões anteriores para procrastinar o uso dos prontuários. "Há dois anos, foi feita uma fiscalização, e constatamos que realmente não existia o preenchimento do documento. Na época, foi assegurado que esse processo passaria a ser feito de forma digitalizada", conta o delegado do Conselho Regional de Medicina de Juiz de Fora (CRM), José Nalon.
O chefe do Departamento de Clínicas Especializadas, Carlos Sérgio Santos, é categórico em afirmar que o sistema não vai resolver o problema da falta de espaço. "É claro que o prontuário eletrônico facilita muito. É uma boa ferramenta. Ele agiliza, facilita a busca de dados e integra informações. Mesmo assim, é preciso imprimir e assinar, como é feito em qualquer hospital. A assinatura eletrônica não é permitida. Isso é lei. No fim das contas, o prontuário é sempre físico." Dentro dessa questão, José Nalon ainda reforça que existem algumas restrições ao uso do programa pelo CRM e que alternativas devem ser estudadas.
http://www.tribunademinas.com.br/cidade/pam-marechal-descumpre-codigo-de-etica-medica-1.1235573
Nenhum comentário:
Postar um comentário