03 de Fevereiro de 2013 - 07:00
Inquéritos abertos pela Promotoria de Habitação e Urbanismo buscam apurar irregularidades na Zona Sul
Por MICHELE MEIRELES
Apesar do aparato legal que trata da poluição sonora e da perturbação do sossego público (ver quadro), o cabo de guerra disputado por quem deseja uma noite de sono tranquila e pelos frequentadores de bares e restaurantes que funcionam durante a madrugada em algumas áreas da cidade está longe de chegar a um equilíbrio de forças. Em alguns casos, a situação chegou ao Ministério Público Estadual (MP) que instaurou inquéritos para apurar e regularizar o funcionamento de vários estabelecimentos localizados nos bairros São Mateus e Alto dos Passos, na Zona Sul da cidade. Sem detalhar as ações, a Promotoria de Habitação e Urbanismo informou que o órgão é procurado para tentar resolver a questão em Juiz de Fora, já que tem competência para recomendar intervenção ao Executivo Municipal. Porém, o MP só pode interferir após a Prefeitura ter sido procurada pelos moradores que se sentem incomodados. Caso o problema reclamado não seja sanado, a população deve entrar em contato com o órgão, apresentando a resposta formal dada pelo Município.
Mesmo com o amparo da legislação frente à convicção da impunidade, muitos dos atingidos pela poluição sonora sentem-se impotentes e, sem saber mais a quem recorrer para resolver o impasse, acabam tomando providências por conta própria. Uma moradora do São Mateus, que preferiu não se identificar, colocou seu apartamento à venda e conta que não aguenta mais o barulho proveniente de estabelecimentos que ficam abertos durante a madrugada. "Morei nessa rua por 16 anos, mas, infelizmente, vou me mudar. Já sou idosa, preciso conseguir dormir. Como ninguém faz nada, eu tive que tomar esta atitude." Um ex-morador da mesma área vendeu seu apartamento há dois meses por motivo idêntico. "Se eu continuasse lá, acho que ia adoecer. Ninguém aguenta viver no meio desta confusão", desabafa.
Moradores de regiões afetadas pelo barulho apontam o que seria uma brecha no Código de Posturas do Município - o artigo 86, que permite aos estabelecimentos comerciais funcionarem em horário livre -, como a responsável pelo incômodo sofrido durante a madrugada. Os residentes desse trecho do bairro afirmam que o incômodo é reflexo do funcionamento de dois estabelecimentos, uma lanchonete e um bar, um dos quais fica aberto até por volta das 7h, atraindo pessoas que saem de casas noturnas e festas."São pessoas gritando, carros com som alto. De quarta-feira a domingo, é impossível dormir", conta o morador José Luiz Britto Bastos. Ele documentou toda a movimentação do entorno de sua casa, que fica na Rua Professor Freire, com filmagens feitas em dias alternados. Nas gravações, foram registrados carros com som alto durante a madrugada, estacionados em locais proibidos e alguns até trafegando pela contramão. Além disto, jovens aparecem seminus nas filmagens, constrangendo os residentes. "Saio para o trabalho cedo e me deparo com estas cenas", reclama um representante comercial que não quis se identificar.
Região Sudeste
Moradores do Bairro Santos Anjos, região Sudeste, também denunciam incômodo com volume excessivo de som. No local, segundo uma residente da Rua Padre Arnaldo Jansen, o problema é causado por bailes que ocorrem em uma quadra de escola de samba, que fica na Avenida Brasil. "Há cerca de três meses estes eventos aconteciam domingo até 2h, e já era um inconveniente. Agora começou a acontecer também aos sábados, e a música vai até 4h, extrapola todos os limites de tolerância. O que justifica um local como este, que não tem isolamento acústico, estar em funcionamento?", questiona.
SAU descarta limitação de horário
O secretário de Atividades Urbanas, Basileu Tavares, acredita que a limitação prejudica o fim comercial desses estabelecimentos. "O que é de dever estamos cobrando, nossa busca é por melhorias para ambos os lados. Não estamos aqui para penalizar ninguém, mas sim para ter a ordem mantida e tranquilidade da população garantida." O morador do São Mateus José Luiz Britto Bastos discorda e acredita que a solução viria de uma limitação no horário de funcionamento. "Eles têm o direito de trabalhar, mas nós temos o direito de dormir. Não estamos pedindo para fechar os locais, mas para haver bom senso. Já nos reunimos diversas vezes com a Secretaria de Atividades Urbanas, que alega não poder fazer esta limitação. Então, a quem vamos recorrer? Precisamos de uma fiscalização contínua."
Caminhos
Por sua vez, a SAU sustenta que os problemas relatados não acontecem dentro dos estabelecimentos da área, portanto, não seriam provenientes da falta de limitação do horário. "Um estabelecimento alvo de reclamações na Avenida Presidente Itamar Franco, por exemplo, funcionava 24 horas por dia, depois de uma conversa com a SAU, limitou o funcionamento para 4h da manhã. Estamos mostrando os caminhos para eles se adequarem", alega Basileu. O secretário esclarece que, em caso de desacordo com a legislação, é feita uma notificação. Se não houver correção do problema, o estabelecimento será autuado e, só após o cumprimento destas etapas, é que o proprietário pode ser multado.
Sobre as pessoas que ficam no entorno com som alto, segundo o secretário de Atividades Urbanas, o proprietário não pode tomar nenhuma providência. "Mesmo depois que o estabelecimento fecha, as pessoas continuam na porta, ou no entorno, não tem como deter,"enfatizou o secretário.
'Dormir bem é qualidade de vida'
O professor aposentado do departamento de neurofisiologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Fernando Pimentel de Souza, é autor de um estudo sobre a importância do sono. Ele usou o mapa acústico de Belo Horizonte para nortear seu trabalho e convidou moradores das regiões mais afetadas pelo barulho a participarem da pesquisa.
Pimentel destaca que "se o sono não existisse o homem não seria capaz de produzir. É ele o responsável pela nossa recuperação física, mental e emocional." O professor explica que o descanso interrompido não consegue cumprir seu papel. "O sono é dividido em fases, as chamadas de nobres são as responsáveis pela nossa recuperação fisiológica, mas, para chegar ao sonho nobre, precisamos passar pelas etapas não tão nobres." O estudo concluiu que, quem não consegue dormir bem, tem a criatividade afetada e possui dificuldade para ter uma relação social harmoniosa.
"A questão é ainda mais grave quando tratamos de operários e motoristas, por exemplo. Se eles não se recuperam durante a noite, podem acabar causando sérios acidentes de trabalho." Pimentel lembra que o ideal é que o sono tenha duração de oito horas.
BH se mobiliza para garantir silêncio
Apesar de o código de posturas de outros municípios também permitir o funcionamento em horário livre, a ideia de fechar as portas mais cedo e trazer mais tranquilidade aos moradores já foi acatada em alguns. Em Belo Horizonte, por exemplo, motivado por denúncias, o Ministério Público, por meio da Promotoria de Justiça Especializada de Defesa de Habitação e Urbanismo, propôs uma ação civil pública e obteve da Justiça uma liminar que determina o fechamento às 22h de sete estabelecimentos comerciais localizados no Centro da cidade.
Ação semelhante aconteceu no Bairro de Lourdes, também na capital mineira. Um acordo firmado em março do ano passado entre MP, moradores e comerciantes prevê que, aos domingos e segundas-feiras, as atividades externas dos bares fiquem liberadas até a meia-noite. Às terças, quartas e quintas, o tempo se estende um pouco mais: até meia-noite e meia. Nas sextas, nos sábados e nas vésperas de feriados, as mesas e cadeiras poderão permanecer nas calçadas até 1h. Segundo a Regional Centro-Sul da Secretaria de Fiscalização do Meio Ambiente de Belo Horizonte, a medida tem apresentado bons resultados, com redução expressiva no número de reclamações no serviço disque-sossego.
Já em Aparecida de Goiás (GO), as autoridades prometem "tolerância zero" para quem colocar som alto no carro. Uma campanha para coibir a prática, lançada em janeiro, atenta que a pena para aqueles que burlarem a lei pode chegar a quatro anos de cadeia. Segundo a Secretaria de Meio Ambiente, em caso de reincidência, os veículos serão apreendidos e a aparelhagem de som só será liberada com determinação judicial.
Fiscalização deve ser intensificada
De acordo com a Secretaria de Atividades Urbanas, em 2012, foram realizadas 762 ações fiscalizadoras, que resultaram em 76 autos de infração e um estabelecimentos interditado. A região com maior incidência de casos é a Norte, seguida pela região central. Já na PM, foram registradas 3.175 ocorrências relativas à perturbação do sossego em 2011. No ano passado, foram 2.019 e, até o dia 16 deste mês, 110 ocorrências. " A população deve denunciar, porém é preciso bom senso. Conversa na rua, por exemplo, é impossível controlar," pontua o secretário Basileu Tavares.
Embora tenha competência para fiscalizar e penalizar de forma autônoma, a SAU estuda ação fiscalizadora conjunta com a Polícia Militar para tentar inibir os condutores que abusam do volume dos sons automotivos. De acordo com a SAU, até 30 de novembro do ano passado foram 112 condutores multados pelo volume excessivo. A chefe de fiscalização Graciela Marques afirma que a autuação é feita mesmo sem os decibelímetros. "Basta o fiscal notar o volume excessivo e anotar a placa." A multa para quem comete esta infração foi aumentada neste ano, passando de R$ 520,25 para R$ 549, 30.
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http://www.tribunademinas.com.br/cidade/ministerio-publico-apura-perturbac-o-do-sossego-1.1225561
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