Comerciantes atingidos pelo fogo na esquina da Floriano Peixoto com Getúlio Vargas reabriram seus negócios e tentam se reerguer
Por Daniela Arbex e Júlia Pessôa (colaborou Fernanda Sanglard)
Um ano depois da ocorrência de um dos maiores incêndios da história da cidade, cujo fogo consumiu oito estabelecimentos localizados na esquina das ruas Floriano Peixoto e Getúlio Vargas, o cenário na área atingida ainda não sofreu modificação. Com a demolição dos sete imóveis afetados, a reconstrução do espaço foi permitida através de aprovação de lei municipal. Além disso, a perícia realizada no local não conseguiu chegar a uma conclusão sobre as causas do acidente, que pode ter alcançado proporção maior em função de problemas em equipamentos de combate e controle das chamas. Conforme laudo número 3.942/11 da Seção Técnica Regional de Criminalística do 4º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, os hidrantes próximos à loja Tetê Festas, onde o fogo começou, não estavam em funcionamento no dia da ocorrência, obrigando os bombeiros a emendarem as mangueiras para conseguir captar água de um hidrante localizado na Avenida Rio Branco, a 200 metros do local. A hipótese da falta de água próximo aos estabelecimentos comerciais incendiados foi descartada pela Cesama sob a alegação de que o sistema que alimenta os hidrantes da Getúlio Vargas é o mesmo da Avenida Rio Branco. Se faltasse água em um o outro também seria afetado. O fato é que 12 meses se passaram sem que novos hidrantes tenham sido instalados no Centro, onde o clima de insegurança permanece. Os bombeiros garantem, no entanto, que a Cesama tem em mãos um planejamento sobre a instalação de mais nove equipamentos ao longo da Avenida Francisco Bernardino, também no Centro, projeto que está sob análise.
Quanto aos comerciantes afetados pela tragédia, a maior parte continua trabalhando em outros endereços, mas nenhum deles conseguiu receber os seguros contratados junto às instituições bancárias e seguradoras que, em tese, cobririam acidentes desta natureza. Clóvis Campos Ávila, proprietário da Rei do Disco, está nessa situação. Há 20 anos no mercado, ele e a esposa perderam tudo o que tinham. Só conseguiram salvar oito violões, mas tiveram que assistir outros 380 serem destruídos pelas chamas. Cinquenta guitarras também queimaram, fora os milhares de CDs. Com uma apólice de R$ 221 mil, o banco ainda não pagou o comerciante, apesar de Ávila ter aceitado o acordo proposto pela companhia de seguros em julho deste ano. "Se eu dependesse do seguro para recomeçar, estaria trabalhando na informalidade da área musical. Apesar de ter passado pela minha cabeça que eu não conseguiria me reerguer e de ter ficado desorientado, tenho garra e apoio da minha família. Um ano depois, os clientes ainda estão nos encontrando no novo endereço", comentou Ávila, que hoje está com a loja montada na parte baixa da Rua Floriano Peixoto. A Tribuna entrou em contato com a seguradora da Rei do Disco. A companhia informou que está levantando o motivo pelo qual o segurado ainda não foi ressarcido.
Um dos donos da Ferragens Gomes e da Casa Pipa Ferragens, Anderson da Conceição Bellei, 40 anos, também precisou reunir forças para recomeçar em dois endereços, um na parte baixa da Floriano Peixoto e o outro na Praça da Estação. Além de perder o ponto da loja, construído pelos pais há 56 anos, cerca de cinco mil itens foram perdidos no incêndio. Fora o estoque, Bellei ainda ficou sem os documentos pessoais, certidão de casamento, escritura de imóvel e dinheiro que estava armazenado no cofre do estabelecimento. E apesar de não ter recebido o seguro, ele ainda paga até hoje as prestações da apólice. "Não me deixaram tirar nada, embora minha loja tenha sido atingida quatro horas depois da primeira. Foi um susto perder tudo de uma hora para outra e ver tantos anos de trabalho irem embora por incompetência de órgão responsável pelo combate de incêndio. A dimensão do problema é muito maior do que as pessoas imaginam. Dos 20 funcionários da loja, precisei mandar 15 embora e pegar empréstimo para continuar a vida. Não recebi um telefonema de solidariedade de nenhuma autoridade pública. Ficam o trauma e a mágoa por tudo que aconteceu. O problema não é só o dinheiro, mas a vida que a gente tinha. Meu pai pediu minha mãe em casamento naquela loja. Até hoje, ele evita passar por aquela esquina", desabafa.
Adilson Dornellas, 43 anos, proprietário da Dornellas Multimídias, que hoje funciona na Rua Batista de Oliveira, alega ter tido prejuízo superior a R$ 1 milhão. "Comecei a trabalhar aos 7 anos de idade como camelô e continuo trabalhando depois do que houve. Perdemos bens materiais e isso eu não tive problema em aceitar. O mais difícil, porém, foi constatar que as nossas autoridades não estavam preparadas para aquele serviço e que não havia nada a fazer." Francisca da Silva Aguiar, 65 anos, dona da Tetê Festas, primeira loja afetada, disse que sua fé ajudou a prosseguir no negócio iniciado há 16 anos. "Além da fé em Deus, temos muita força de trabalho. Não imaginávamos o quanto éramos queridos na cidade", revela, ao comentar o apoio dado pela população. O filho de Francisca, José Carlos Vieira de Aguiar, 37 anos, disse que eles não tinham seguro, mas conseguiram manter os funcionários e montar nova loja com móveis emprestados pelo locador e até expositores doados por fornecedores. "O importante era recomeçar. Conseguimos e estamos lutando para cumprir com os nossos deveres." Procurado pela Tribuna, o proprietário do Castelo da Borracha, Luiz Alves Senra, 69 anos, preferiu não comentar o assunto neste momento. O comerciante teve o prédio de sete andares demolido, após o incêndio afetar a estrutura do imóvel.
'Temos a consciência tranquila', diz assessor dos bombeiros
O assessor de comunicação do Corpo de Bombeiros, capitão Marcos Santiago, garante que não houve falha operacional na atuação dos bombeiros. "Temos a consciência tranquila de que fizemos tudo o que poderia ter sido feito. Muitos argumentos são infundados, porque as pessoas não têm conhecimento técnico de nosso trabalho." Um dos alvos de crítica foi o fato de os bombeiros terem utilizado um hidrante na Rio Branco. "A água é consumida em uma velocidade altíssima, por isso foi preciso acionar outros equipamentos. Nenhum bombeiro que atuava no combate foi deslocado para unir as mangueiras, isso foi feito por parte do efetivo administrativo, que também foi ao local." Conforme levantamento da corporação, atualmente há 65 hidrantes em todo o município, sendo 28 na região central, dos quais 20 estão na área comercial. O capitão informou que um plano para instalação de outros nove equipamentos ao longo da Avenida Francisco Bernardino, cobrindo grande parte da área central, foi apresentado à Cesama.
Conforme a companhia, está sendo realizado estudo no local para verificar a possibilidade de instalação, cujos custos devem ser arcados pelo solicitante. No entanto, a Cesama esclarece que suas responsabilidades ficam restritas à disponibilização de água nos equipamentos com vazão e pressão necessárias e dentro das normas exigidas. Em relação à manutenção, a empresa garante que o serviço é feito periodicamente. A Defesa Civil acrescentou que enviou projeto para pleitear recursos junto ao Ministério da Integração Nacional, com a intenção de ampliar a rede de hidrantes da cidade. Foi solicitado quase R$ 1 milhão, mas o projeto ainda está em análise.
Sobre a falta de equipamentos e viaturas do Corpo de Bombeiros, capitão Santiago informou que o batalhão, que atende 145 municípios, possui 85 veículos destinados a resgate, combate a incêndios e funções administrativas, entre outras. Destes, 42 estão em Juiz de Fora, onde há um total de 299 bombeiros em atuação. "A taxa de incêndio, criada em 2004, foi essencial para que renovássemos nossa frota e chegássemos à situação atual. Só do ano passado para cá, mais de R$ 500 mil foram aplicados em infraestrutura. Não precisamos nos equipar mais para combater catástrofes, precisamos investir em medidas para evitá-las."
Sobre a alegação de que o efetivo tivesse demorado a atuar no combate ao incêndio, Capitão Santiago é taxativo: "Não houve atraso. Tão logo a ocorrência chegou ao batalhão, viaturas e homens foram deslocados para o local. O fogo foi controlado em um momento, dentro da loja onde ele começou. Mas a dispersão das chamas no fundo do imóvel, que estava inacessível às equipes, já estava muito avançada. Os bombeiros agiram dentro do que é orientado pela corporação."
De acordo com o assessor de comunicação, um fator determinante para a proporção do incêndio foi a falta de prevenção dos imóveis afetados. "Nenhum estava de acordo com as normas de segurança. Havia estoque armazenado de maneira irregular e com materiais de alta combustão, como papéis, líquidos inflamáveis, borrachas e botijões de gás. Além disso, a proximidade entre as lojas facilitou a dispersão das chamas."
O militar destaca que o incêndio da Rua Floriano Peixoto aumentou a atenção sobre áreas da cidade com as mesmas características, como a Avenida Getúlio Vargas e as partes baixas das ruas Marechal Deodoro e Batista de Oliveira, entre outras. "O caso da Floriano avivou o sentimento de que é preciso fazer algo pelo Centro, aumentar a prevenção. Por isso, intensificamos a fiscalização do 'Alerta vermelho', que já é feito periodicamente"
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