Túnel construído pela Odebrecht, em Itaguaí, por onde passarão as estruturas do submarino nuclear, fabricadas pela estatal Nuclep, até o estaleiro. Pedro Kirillos
BRASÍLIA - O Ministério da Defesa fez uma convocação e as maiores empreiteiras do Brasil já asseguraram participação no desenvolvimento da indústria de equipamentos de segurança nos próximos anos. Conforme a Lei 12.958, aprovada em março, os grupos que criarem subsidiárias no setor terão vantagens tributárias e condições especiais para intermediar a incorporação de compras do governo. Odebrecht, OAS, Queiroz Galvão, Andrade Gutierrez e Engevix, além da Embraer, já entraram no ramo. Os grupos Synergy e Camargo Corrêa negociam com parceiros estrangeiros o ingresso no mercado, no modelo adotado pelos outros grupos.
O Brasil hoje tem importância quase irrisória em um mercado que movimenta US$ 1,5 trilhão por ano no mundo e que, ao lado do setor farmacêutico, detém o maior orçamento global para pesquisa e desenvolvimento. Do setor, historicamente derivam tecnologias usadas no cotidiano, desde o Fusca até a ultrassonografia. Os focos principais do governo hoje são os setores nuclear, espacial e cibernético.
O Brasil já tem empresas com tradição no setor e reconhecidas internacionalmente, como Helibrás, Avibrás e CBC. Mas a maioria é pequena, com menos de 40 funcionários, e tem poder financeiro limitado para competir globalmente. Segundo a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), só 10% das empresas que venderam ao Ministério da Defesa entre 2008 e 2010 fecharam negócios nos três anos seguidos, “expondo a inconstância das vendas mesmo para seu principal cliente, o Estado”, diz a entidade.
Decreto prevê conteúdo nacional
Ao aproximar essas empresas das empreiteiras, o governo quer criar grupos competitivos com fôlego para sobreviver diante das compras intermitentes das Forças Armadas. Assim, seria evitado que pequenas e promissoras empresas do setor fossem compradas por estrangeiras, como a AEL Sistemas, produtora de suprimentos de energia para satélites, vendida em 2001 para a israelense Elbit Systems.
— As empresas do setor são vulneráveis, porque o mercado é monopsônico: as vendas são só para nós e, quando elas vão exportar, dependem do aval do governo. É um problemaço, porque elas precisam sobreviver e eu compro pouco. Elas têm de partir para parcerias e dualidade (atendendo os setores militar e civil) — disse o general Aderico Visconte Pardi Mattioli, diretor do Departamento de Produtos de Defesa do ministério.
A primeira motivação das empresas para entrar no setor foi a indicação do governo de reaparelhamento das Forças Armadas no fim de 2008. Há hoje um orçamento de compras de R$ 70 bilhões até 2015 e outras dezenas de bilhões são previstas para até 2030.
A Odebrecht foi a primeira gigante a entrar no mercado em um contrato com a Marinha para, junto com a estatal Nuclep, construir o submarino nuclear brasileiro, orçado em R$ 9,6 bilhões. As obras já começaram em Itaguaí (RJ) e o valor envolvido despertou as concorrentes.
Essas empresas estão de olho não só nas obras de engenharia civil, mas também na tecnologia adquirida pelo governo nessas compras e na possibilidade de replicá-la exportando. Por isso, as empresas têm feito parcerias com estrangeiros. A Andrade Gutierrez se associou ao grupo francês Thales e a Engevix se uniu à alemã ThyssenKrupp, enquanto as outras negociam, por exemplo, com BAE Systems, do Reino Unido, e Finmecanica, da Itália. Procuradas, nenhuma das empresas brasileiras atendeu a pedidos de entrevista e algumas se limitaram a confirmar suas ações no segmento.
Pela lei, o governo criou a Empresa Estratégica de Defesa (EED), que terá desoneração equivalente às estrangeiras do setor, além de acesso diferenciado a procedimentos de licitação pelo Ministério da Defesa. Segundo minuta de decreto a que O GLOBO teve acesso, que regulamenta a lei 12.958 e deve ser publicado nas próximas semanas, terão essas vantagens de atuar como “integradoras” das compras do governo empresas brasileiras ou consórcios liderados por grupo nacional. O decreto prevê, ainda, o meio de oferta de condições especiais de financiamento pelo governo, o que está na lei.
O texto prevê o chamado Termo de Licitação Especial, um procedimento mais ágil para as EEDs exigindo delas, por exemplo, percentuais mínimos de conteúdo nacional, comprovação de capacidade inovadora e condição financeira para ter crédito.
Pela Estratégia Nacional de Defesa, que previu em 2008 as diretrizes para a formação da indústria nacional, o governo indica que, fomentando a ação desses grandes conglomerados no setor, o Brasil pode criar grupos capazes de exportar o suficiente para aumentar a balança comercial no futuro. Países periféricos aos grandes produtores de armamento na Europa e nos EUA, como Índia e China, têm investido bilhões por ano em importações para defesa.
Segundo a Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança (Abimde), o país tem potencial para, em 2030, exportar US$ 7 bilhões e atender o equivalente a US$ 4,4 bilhões no mercado interno. Em 2009, exportamos US$ 1 bilhão e, as vendas internas foram de US$ 1,7 bilhão.
O almirante Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, vice-presidente executivo da Abimde, disse que o Brasil já é reconhecido internacionalmente por nichos de excelência, como aviação, armas não letais e pistolas. Ele lembra que o movimento trazido agora pelo governo já ocorreu em outros países hoje relevantes no setor.
Falta consenso entre empresas do setor
A estratégia do governo para fortalecer a indústria nacional de defesa, porém, não é consensual entre as empresas brasileiras. Para Jairo Cândido, diretor do Departamento de Indústria de Defesa da Fiesp, o governo não deveria adquirir a tecnologia para só depois decidir como será incorporada à indústria nacional. Para ele, também é “perverso” pôr lado a lado empresas do setor e grandes empreiteiras, sem que elas escolham uma vocação específica para o segmento:
— Aquilo que deveria servir à soberania nacional está virando só oportunidade de negócios, mas não deveria se limitar a isso. Grandes empresas têm muito a contribuir e sou a favor do ingresso delas no setor, mas antes têm de dizer o que farão na área de defesa.
Ter uma indústria de defesa relevante é passo significativo no longo caminho do Brasil em busca de assento cativo no Conselho de Segurança da ONU. Para o almirante Pierantoni, o Brasil ainda conta com a vantagem de não ter histórico de posições questionáveis em conflitos e de ser simpático ao mundo, de uma maneira geral:
— Mais difícil é superarmos o entrave cultural nacional dos militares, porque muitos ainda não vêem o equipamento brasileiro com bons olhos.
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