quarta-feira, 18 de abril de 2012

JUIZ DE FORA - CPI IRÁ APURAR DENUNCIAS DE CORRUPÇÃO POLICIAL


Denúncias feitas ao Ministério Público e ao Legislativo envolvem nomes de policiais civis e militares; eles receberiam propina para liberar jogos de azar

Por Guilherme Arêas, Marcos Araújo e Sandra Zanella

Coronel Anselmo diz ter ficado perplexo com denúncias
Coronel Anselmo diz ter ficado perplexo com denúncias
A suposta participação de policiais militares e civis de Juiz de Fora num esquema de exploração de jogo do bicho e de máquinas caça-níqueis deverá ser investigada por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O deputado estadual Sargento Rodrigues (PDT) protocolou ontem, junto à mesa diretora da casa, o pedido com 40 assinaturas. Se instalada - o que pode ocorrer até semana que vem -, a CPI vai apurar as suspeitas de que policiais da cidade estariam recebendo propina para permitir o funcionamento de pontos de jogos de azar. A denúncia foi publicada ontem pelo jornal "Hoje em Dia", de Belo Horizonte, com base no depoimento de três PMs de Juiz de Fora, que garantem não ter aderido ao esquema criminoso. As declarações foram prestadas, no dia 28 de março, ao procurador do Centro de Apoio ao Crime Organizado do Ministério Público Estadual, André Ubaldino, e aos deputados Sargento Rodrigues, Luiz Carlos Miranda (PDT) e Rômulo Viegas (PSDB). As chefias das polícias Civil e Militar informaram que já estavam investigando as denúncias, mas não deram detalhes do andamento das apurações.
De acordo com o depoimento de um dos militares, veiculado no jornal da capital mineira, o empresário juiz-forano Frederico Márcio Arbex, que seria responsável por pontos de exploração de jogos de azar, atuaria realizando pagamentos a policiais, incluindo nomes da cúpula das polícias Civil e Militar. Conforme o "Hoje em Dia", estariam incluídos no esquema o ex-chefe da 4ª Região da PM, coronel reformado Anselmo Fernandes; o atual comandante da 4ª Companhia Independente de Meio Ambiente e Trânsito, major Renato Sampaio Preste; o delegado de Polícia Civil Fernando Camarota; além de outros dois policiais militares.
A propina, segundo a denúncia, era paga semanalmente. O esquema só foi abalado quando uma equipe de policiais, que não teria aceito suborno, começou a realizar operações para combater o jogo ilegal. "Ele (Frederico Arbex) me procurou e disse que apenas eu e minha equipe não estávamos ajudando. Também perguntou o que estava precisando para lhe ajudar e qual o motivo da apreensão e da destruição de suas máquinas", teria dito o policial, segundo o "Hoje em Dia".
Ainda conforme as denúncias, o coronel Anselmo seria sócio e amigo de Frederico, que teria chegado a bancar festas regadas a bebidas e mulheres para oficiais. Já o major Preste aparece no esquema como suposto comandante da arrecadação da propina. Ainda segundo o "Hoje em Dia", o delegado Camarota mandava oferecer, ao policial que denunciou o esquema, certa quantia semanal para interromper as ações contra caça-níquel e jogo do bicho.
Crime organizado
O esquema de crime organizado dos jogos de azar ficou evidente no final de 2007, após a realização da maior operação já feita na cidade para combater a contravenção, feita pela Polícia Federal. Os policiais chegaram a uma quadrilha que atuava em Juiz de Fora, Belo Horizonte, Rio de Janeiro e São Paulo e lucrava R$ 15 milhões por ano com os caça-níqueis e videobingo. Desde então, também as polícias Civil e Militar fizeram inúmeras operações, mas isso não impediu a disseminação dos jogos no município. No ano passado, a máfia do jogo do bicho e caça-níquel deu mostras de que existe rivalidade entre grupos ou "empresários do jogo", já que dois pontos de caça-níqueis na região central sofreram atentados com detonação de explosivos. Em matéria publicada pela Tribuna no final de 2011, o delegado chefe da Polícia Federal de Juiz de Fora, Cláudio Dornelas, foi enfático e classificou a jogatina como "epidemia que abre margem para corrupções e milícias".

Deputado quer quebra de sigilo bancário e telefônico

Como determina o artigo 112 do regimento interno da Assembleia Legislativa, a abertura de uma CPI está condicionada ao recolhimento de, pelo menos, 26 assinaturas, ou seja, um terço do número de deputados. "Como já contamos com 40, temos um montante que significa muita força e grande possibilidade para a instalação da CPI, porque, infelizmente, o Governo acaba pedindo a alguns deputados a retirada de assinatura, o que levaria à morte do procedimento. Mas, por outro lado, temos uma boa parcela, inclusive da base governista, que se comprometeu em não retirar", ressaltou o deputado, acrescentando que: "Se não houver a retirada, terei condições de cobrar do presidente da casa a publicação e a instalação da CPI." Segundo Sargento Rodrigues, após o pedido ser protocolado, deve haver o despacho para publicação no Diário Oficial, uma leitura do assunto em plenário e a determinação para que os partidos, em um prazo de cinco dias úteis, indiquem seus membros para composição da comissão. "Nossa expectativa é que todo o processo seja concluído na próxima semana."
Ainda de acordo com o deputado, as denúncias colhidas pela Comissão de Direitos Humanos da Assembleia, feitas por um tenente, um sargento e um cabo da PM, no último dia 28, durante sessão reservada, já haviam sido repassadas a um Inquérito Policial Militar (IPM), instaurado em Juiz de Fora, em outubro de 2011. "Na época, os militares suspeitos continuaram na posição que ocupavam, ou seja, foram protegidos pela corporação, que exerceu seu famoso protecionismo." Com a abertura de uma CPI, como aponta o parlamentar, é possível realizar a quebra de sigilo bancário e telefônico e vasculhar a evolução patrimonial dos suspeitos de uma maneira mais ágil do que um inquérito instaurado pela Polícia Civil. "Para conseguir a quebra do sigilo bancário e telefônico, o delegado depende de autorização judicial, além de sofrer pressão política. Com a CPI, isso não acontece", ressaltou o parlamentar.
O deputado ainda afirmou que já existem denúncias a respeito de dois militares da PM de Juiz de Fora que possuem uma evolução patrimonial "estupenda". "Eles estão construindo casas magníficas, cuja construção não pode ser com o dinheiro de salário deles. Temos uma afirmação no próprio IPM e na Comissão de Direitos Humanos de que eram feitos pagamentos semanais de propina. Isso só pode ser apurado por uma CPI, que tem poderes próprios e autoridade judiciária." Depois de instalada, a CPI irá requerer reunião a fim de convocar o apoio do Ministério Público, das corregedorias das duas polícias e da Polícia Federal, para a realização de uma força-tarefa, para apurar os fatos.
Risco de morte
Durante seu depoimento na Assembleia, o tenente, que temia por sua vida e fez a denúncia sobre a corrupção, teria relatado que, em operação de combate ao caça-níquel, no ano passado, alguém bateu no ombro dele e disse que Frederico Márcio Arbex queria falar com ele. O militar foi ao encontro do empresário, que perguntou: "Só você não está me ajudando. Só você apreende minhas máquinas. Eu sou amigo dos oficiais da PM, e vários colaboram comigo, inclusive há um coronel que é meu sócio." Esta versão, segundo o deputado Sargento Rodrigues, foi confirmada em depoimento pelo cabo e pelo sargento que estavam ao lado do oficial na ocasião. O parlamentar ainda aponta que pode haver ligação de Juiz de Fora com quadrilhas do Rio. "Precisamos lembrar que policial que aceita propina de contraventor é muito mais perigoso do que bandido, porque ele tem carteira de polícia, porte livre de arma e usa viatura."
O deputado estadual de Juiz de Fora, Bruno Siqueira (PMDB), afirmou que a bancada do seu partido assinou a solicitação de abertura da comissão. "Acreditamos ainda que a CPI deve dar todo o direito de defesa aos acusados, pois o que se tem, até agora, é o depoimento do denunciante, que é um policial militar. Com a abertura da CPI, a verdade sobre os fatos será esclarecida." O também deputado estadual por Juiz de Fora, Lafayette Andrada (PSDB), ex-secretário de Estado de Defesa Social de Minas, foi procurado pela Tribuna para comentar as denúncias, mas, segundo sua assessoria de comunicação, ele participava de uma plenária e não pôde atender a reportagem.

Coronel repudia acusações

O coronel Anselmo Fernandes repudiou as acusações e negou envolvimento com o empresário Frederico Arbex. "Não conheço, nunca vi, não sou sócio, e, principalmente, não estou envolvido em qualquer quadrilha." Apesar de se considerar "perplexo" com as denúncias, Anselmo disse que está tranquilo quanto a sua defesa. "Coloco meu sigilo telefônico, bancário, fiscal e digital completamente à disposição de qualquer autoridade que tenha competência legal para me investigar."
O ex-comandante negou que, durante sua permanência na 4ª RPM, tenha recebido contato de pessoas interessadas em pagar propina para ter liberada a exploração de jogos de azar em Juiz de Fora. "Nunca ouvi falar no nome Frederico Arbex, mas tenho e tive ciência de que pessoas ligadas à contravenção, seja ela do jogo do bicho ou até do tráfico de drogas, tentavam cooptar policiais. Sempre que tive notícias de que isso acontecia, essas pessoas eram afastadas e eram colocadas outras em seus lugares. Das (denúncias) que foram comprovadas, foram adotadas medidas que cada caso cabia, até a exclusão de militares."
Sobre sua permanência à frente da direção do Demlurb, o coronel não mostrou preocupação. "Cheguei a conversar com ele (prefeito Custódio Mattos) hoje (ontem), e, em momento algum, ele demonstrou a intenção de mudanças em relação à minha condição na Prefeitura."
O secretário de Comunicação, Rodrigo Barbosa, reiterou a posição do prefeito. "Sabemos da competência, da honradez e da capacidade de trabalho do Anselmo, que tem dado contribuição especial ao trabalho da Administração Municipal. Não há qualquer razão para alguma reação que não seja a solidariedade."
Já o major Renato Preste não atendeu as ligações que a reportagem fez durante toda a tarde e noite de ontem. Por meio de nota divulgada ontem por sua assessoria de comunicação, o comandante da 4ª Região da PM, coronel Ronaldo Nazareth, confirmou que já havia instaurado procedimento apuratório regular para esclarecer o que foi denunciado. Segundo ele, a investigação, conduzida por um coronel da PM de Minas, está em fase de conclusão e será remetida ao comando da corporação no estado e à corregedoria para a adoção de medidas cabíveis. "É prematuro fazer juízo de valor a respeito, para que não seja cometida qualquer injustiça, até que as denúncias sejam esclarecidas por completo", finaliza em nota.
O chefe da assessoria de comunicação organizacional da PMMG, major Marcone de Freitas Cabral, também disse que a corporação já estava investigando o caso. "A PM já instaurou apuração com relação ao fato e está na fase de encerramento das investigações. Ainda há os processos de ampla defesa, mas, o quanto antes, teremos finalizado. Temos transparência e não vamos fugir a essa característica."
Segundo ele, caso seja comprovado o envolvimento dos policiais, eles poderão ser expulsos da corporação. "Há investigação pelo setor de inteligência, corregedoria e também pela própria guarnição da PM em Juiz de Fora. Nada está comprovado ainda, mas se for confirmado, eles podem sofrer várias punições, como ser demitidos, responder pelo crime de corrupção e a inquérito policial militar (IPM)." Ele não informou o número de policiais envolvidos. "Está sob sigilo para não atrapalhar a apuração."
Já a assessoria de comunicação da 1ª Delegacia Regional de Polícia Civil informou que não houve, em Juiz de Fora, formalização de denúncia envolvendo a conduta de qualquer policial civil da região ou procedimento administrativo anterior que apure o envolvimento de servidores com jogo do bicho ou caça-níquel. A assessoria da Polícia Civil em Belo Horizonte limitou-se a dizer que a corregedoria da entidade já havia recebido as denúncias e que está apurando o caso.
O delegado Fernando Camarota disse que não tem conhecimento oficial das denúncias e que ficou sabendo das acusações pelo jornal de Belo Horizonte. "Primeiro tenho que tomar consciência do que realmente essa pessoa (policial que denunciou), que ninguém sabe quem é, falou. Não sei do que se trata."
Empresário
A reportagem também entrou em contato com o empresário Frederico Arbex, que negou as acusações. Ele disse não ter relação com os nomes citados no "Hoje em Dia". Segundo informações do advogado dele, William Castro Borboni, o empresário foi ouvido duas vezes pela Corregedoria da PM em Juiz de Fora, pela suspeita de pagar policiais militares. No depoimento mais recente, realizado em 4 de abril, na sede do Núcleo de Assistência Integral à Saúde (Nais) da PM, em Santa Terezinha, Frederico ficou frente a frente com um policial militar que acusou o empresário de cobrar propina para explorar jogos ilegais. A acareação também foi feita com outro militar, que supostamente receberia dinheiro do empresário. Neste caso denunciado pelo jornal, porém, o advogado também afirma que o seu cliente não tem qualquer envolvimento.

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