terça-feira, 20 de março de 2012

Moradores do Alemão temem retirada do Exército da favela a partir deste mês


Os moradores dos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, veem com desconfiança e medo a saída do Exército, que começa a deixar as comunidades no fim deste mês para a chegada da Polícia Militar. Traumas do passado e uma certa "fama ruim" que permeia a PM fazem a população ficar com "um pé atrás”. Muitos enxergam os policiais como “grosseiros” e os apontam como “mais corruptíveis” do que os militares.
Segundo o CML (Comando Militar do Leste) e o governo do Estado, os conjuntos de favelas devem receber UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) até junho. Os cerca de 2.000 policiais que assumirão a segurança das comunidades precisarão de paciência e boa vontade para provar que a transição não significa o início de uma relação hostil com os moradores.
Paulo Henrique de Souza, de 45 anos, vive desde 1986 na comunidade da Grota (Alemão), onde trabalha como autônomo. Ele diz que o medo dos PMs começou em 2010, quando teve a casa invadida.
- Eu já cheguei em casa e vi meu cadeado arrombado e tudo revirado. A polícia abusa mesmo. O Exército é mais tranquilo, bate-papo com a gente. Os policias não. Temos até medo de falar, de dar bom dia.
Um comerciante da Vila Cruzeiro, no Complexo da Penha, que se identificou apenas como Arlindo, foi além. Aos 58 anos, ele diz ter visto “muita coisa errada” e teme que os PMs deem espaço para o refortalecimento do tráfico de drogas, que perdeu espaço - apesar de ainda existir -, desde a chegada do Exército, em novembro de 2010.
- Pelo que tenho observado, o Exército tem trabalhado de forma tranquila, tem feito o seu dever. Temo que isso não seja feito pelos PMs. Para mim, eles são mais corruptíveis. Muitos acabam se envolvendo com a bandidagem.
Pedidos de permanência
Chefe da Comunicação Social da Força de Pacificação, o coronel Fernando Fantazzini admitiu que, durante as patrulhas pelas vielas e ruas dos complexos, muitos moradores param as tropas e pedem para que o Exército repense a ideia de deixar a região.
- Toda hora o pessoal para a gente e pede: 'Não vão embora. Vocês não podem sair daqui, senão as coisas podem não ficar iguais'. É claro que achamos isso legal, valoriza nosso trabalho, mas não podemos ficar para sempre. Agora, é hora de o Estado do Rio agir com suas próprias forças.
Desde o início do processo de pacificação nos complexos, os índices de criminalidade caíram na região que beira as comunidades. De acordo com o ISP (Instituto de Segurança Pública), de novembro de 2009 a novembro de 2010, foram registrados 162 casos de morte violenta (homicídios, auto de resistência e lesão seguida de morte) na área. O ano seguinte à tomada das comunidades registrou 102 ocorrências desse tipo - queda de 37%.
Paulo Martins, de 26 anos, dono de uma loja de roupas na Grota, concorda que a comunidade passa por dias de mais tranquilidade. Contrário à saída do Exército, ele teme que o Alemão volte a ser palco de confrontos violentos entre traficantes e policiais que num passado recente o tornaram conhecido como o “Coração do Mal”.
- Por mim, o Exército ficava aí. Confio mais e, desde que eles chegaram, a comunidade melhorou muito.
Se fosse possível, a vendedora Juliana Celestina Chagas, de 25 anos, também votaria pela permanência da Força de Pacificação. Entretanto, não considera a conduta do Exército exemplar.
- Os soldados da Força (de Pacificação) às vezes também são um pouco impacientes e começam a revistar os moradores sem motivos. Mas, pelo que sempre reparei, é óbvio que prefiro eles. Os policiais viram a cara para a gente e, quando pedimos ajuda, nos tratam mal. Parece que têm má vontade porque somos favelados.
Apesar de os moradores revelarem apoio à Força de Pacificação, desde a chegada do Exército à comunidade, foram registrados atritos entre moradores e militares. Na semana passada, um jovem disse ter sido torturado por militares no último dia 10 de março, na Vila Cruzeiro. Segundo o estudante de 22 anos, os militares afirmaram que ele tinha ligação com o tráfico e, por isso, o amarraram em uma árvore, dando socos, pontapés e choques. O caso é investigado pela Polícia Civil.
PM confia em boa relação com os moradores
Ante as críticas sobre sua atuação, o R7 procurou a Polícia Militar. Por meio de nota, a corporação afirma que “as UPPs significam o resgate da cidadania. Os policiais das UPPs recebem um curso específico para a função que vão exercer. Eles não são treinados apenas para enfrentar a violência, mas também, e principalmente, para conversar e negociar com a comunidade”. A PM diz confiar no “bom entendimento com a população ordeira de todo o Complexo do Alemão e Complexo da Penha".
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Moradores passeiam tranquilamente pela entrada da favela da Grota, no Alemão (Foto: Bruno Rousso/R7)

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