A cachoeira de grampos que despeja diálogos radioativos sobre a reputação de Demóstenes Torres (DEM-GO) não pára de jorrar. Vieram à luz novas gravações. Revelam indícios de que o senador valeu-se do mandato e do prestígio pessoal para intermediar interesses do contraventor Carlinhos Cachoeira.
De acordo com os elementos colecionados pela Polícia Federal, Demóstenes moveu-se como lobista a pedido de Cachoeira no Judiciário de Goiás, no Congresso e até na Infraero. Os grampos são de 2009.
Foram transcritos no inquérito da Operação Vegas. Essa ação precedeu a Operação Monte Carlo, que levou Cachoeira à prisão no mês passado. Os detalhes ganharam as páginas do Globo.
Num dos diálogos, captado em 22 de junho de 2009, o senador pede que a Cachoeira que pague uma fatura de táxi aéreo da empresa Sete: “Por falar nisso, tem que pagar aquele trem do Voar. Do Voar, não, da Sete, né?”
Cachoeira concorda: “Tá, tu me fala aí. Eu falo com o… com o Vilnei. Quanto foi lá?” Demóstenes declina o preço: “R$ 3 mil”. Na mesma conversa, o contraventor como que cobra sua própria fatura.
“Deixa eu te falar”, diz Cachoeira a Demóstenes. “Aquele negócio tá concluso aí, aquele negócio do desembargador Alan, você lembra? A procuradora entregou aí para ele. Podia dar uma olhada com ele. Você podia dar um pulinho lá para mim?”
O “negócio” a que se referia Cachoeira era um processo judicial. Encontrava-se sobre a mesa do desembargador Alan Sebastião de Sena Conceição, do Tribunal de Justiça de Goiás.
Os autos envolviam um delegado e três agentes da Polícia Civil goiana, lotados na cidade de Anápolis. A tróica era acusada de tortura e extorsão. Após perguntar sobre detalhe do processo, Demóstenes aceita o encargo: “Tá tranquilo. Eu faço.”
Cachoeira, chamado de “professor” pelo senador, já havia conversado sobre o mesmo processo noutros diálogos que mantivera com Demóstenes, tratado pelo contraventor de “doutor”.
Num grampo de 6 de abril de 2009, a voz do “doutor” soa assim: “Fala, professor. Acabei de chegar lá do desembargador. O homem disse que vai olhar o negócio e tal.” Cachoeira pergunta se o julgamento será célere.
E Demóstenes: “Vai julgar rápido. Mandou pegar o papel, já pegou o… negócio lá. Diz que vai fazer o mais rápido possível.” Ouvido, o desembargador Alan Sebastião confirmou que tratou do caso dos policiais goianos.
O magistrado disse não se recordar se recebeu a visita de Demóstenes. Alegou que muita gente vai ao seu gabinete para pedir a análise de processos com “carinho”. Rogou: “Se você for escrever alguma coisa, escreva que meu voto foi pela manutenção da condenação dos policiais.”
Noutro diálogo, recolhido pelas escutas da PF em 22 de abril de 2009, Cachoeira pede a Demóstenes que levante o andamento de um projeto de lei. Fala como se desse uma ordem: “Anota uma lei aí. Você podia dar uma olhada. Ela tá na Câmara: 7.228/2002. PL [projeto de lei].”
O projeto em questão fora apresentado em 2002 por um ex-congressista goiano: Maguito Vilela, do PMDB. Tratava de jogos de azar. Assunto caro a Cachoeira. Demóstenes, de novo, aceita a missão: “Vou levantar agora e te ligo depois”.
Decorridos dois dias, o “professor” cobra uma posição do “doutor”. Cachoeira pede a Demóstenes que converse com Michel Temer (PMDB-SP). Nessa época, o atual vice-presidente da República presidia a Câmara.
Demóstenes compromete-se a ajudar. Diz que tentará fazer com que o projeto chegue ao plenário da Câmara. Algo que não ocorreu. Entre um grampo e outro, o “doutor” alertou ao “professor” que a proposta de Maguito proibia os jogos de azar.
Cachoeira deu de ombros. Disse que, em contrapartida, o projeto regulamentaria as loterias estaduais, um ramo do seu interesse. Demóstenes insistiu: “Regulamenta não”.
O senador informou ao contraventor: “Vou mandar o texto procê. O que tá aprovado lá é o seguinte: ‘transforma em crime qualquer jogo que não tenha autorização’. Então, inclusive, te pega, né? Então vou mandar o texto pra você.”
Solícito, Demóstenes prosseguiu: “Se você quiser votar, tudo bem, eu vou atrás. Agora a única coisa que tem é criminalização, transforma de contravenção em crime, não regulariza nada”.
Cachoeira parecia familiarizado com a proposta: “Não, regulariza, sim, uai.” Ele citou dois incisos do projeto: “Tem a 4-A e a 4-B. Foi votada na Comissão de Constituição e Justiça.” Ouvido, Temer disse jamais ter sido procurado por Demóstenes para tratar de projetos relacionados a jogos.
Nem só de jagatina eram feitos os interesses de Cachoeira. Numa conversa grampeada em 4 de abril de 2009, ele trata com Demóstenes de contratos de informática na Infraero, estatal que gere os aeropostos brasileiros.
Demóstenes não era propriamente alheio ao setor. Atuara como relator de uma CPI constituída para perscrutar as causas do caos aéreo. A certa altura, o senador relata ao contraventor o resultado de um encontro realizado por um intermediário.
“O negócio da Infraero, conversei com a pessoa que teve lá. Disse o seguinte: o nosso amigo marcou um encontro com ele em uma padaria, não sei o quê. E levou o ex-presidente [José Carlos Pereira, da Infraero], cê entendeu? E que aí o trem lá não andou nada. Eles nem sabem o que tá acontecendo.”
Cachoeira diz que o negócio exige a interferência direta de Demóstenes, sem intermediários: “Mas tem que ser você mesmo. Você que precisava ligar para ele.” A julgar pelo que diz o brigadeiro José Carlos Pereira, ex-presidente da Infraero, Demóstenes deu ouvidos a Cachoeira.
“Houve uma época, durante a CPI [do Caos Aéreo], eu senti que o Demóstenes poderia estar interessado em assuntos muito internos da Infraero, principalmente ligados à área de informática. E eu cortei na raiz. Eram licitações”, rememora o brigadeiro.
Como se vê, a cada novo jorro da cachoeira de grampos, Demóstenes distancia-se mais um pouco da imagem de Demóstenes que construíra. Hoje, mais se parece com um ex-Demóstenes. De defensor da renovação dos costumes, tornou-se alvo de investigaçãoautorizada pelo STF para esquadrinhar os indícios de maus hábitos.
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