"Os fortes exercem o poder, os fracos se submetem." (Tucídides)
Em 1999, o Exército Popular da China compilou diversos estudos sobre técnicas de fazer a guerra do futuro, publicando-os no livro A GUERRA ALÉM DOS LIMITES, antecipando-se ao ambiente de conflito que observamos no mundo moderno.
Os autores, coronéis Qiao Liang e Wang Xiangsui, tomaram como referência a Guerra do Golfo, acontecida em 1991. Reconheciam-na desbalanceada no poder de combate, mas, independentemente dos resultados, seus reflexos mudariam a natureza da guerra contemporânea.
Em 2010, o professor americano Richard Clark publicou o livro CYBER WAR, no qual descreve as possibilidades de uma nova forma de guerra, baseada nas tecnologias da internet. Tratou sobre sistemas, alcances, desafios e oportunidades do emprego de ações militares no espectro cibernético.
Inaugurou-se um novo princípio para as guerras que permite a utilização de todos os meios, militares e não-militares, letais e não-letais, para compelir um inimigo a submeter-se aos interesses do adversário.
É da natureza humana, a guerra nunca deixará de existir. Doravante, irá permear a sociedade humana, de uma forma mais complexa, mais penetrante, encoberta e sutil.
Tudo é guerra, nada é guerra.
O inimigo tornou-se invisível e confunde-se no tumulto das massas impactadas pelo embate e no choque de civilizações.
As armas mais sofisticadas são operadas de grandes centros de comando ou até de minúsculas salas enfumaçadas em porões imundos.
A inteligência artificial ganha espaço nas decisões sobre a batalha.
Os drones poupam vidas amigas e ceifam inimigas.
Satélites oferecem imagens de altíssima resolução para auxiliar na linha de ação.
Um simples smartphone pode se tornar arma de guerra para difusão de narrativas.
Os combates à baioneta ficaram para as telas de cinema.
Assim, as fronteiras tornaram-se permeáveis e devassadas. O sentido de proteção da soberania de um país precisará ser reajustado para fugir do estereótipo tridimensional. A ambiência do conflito será multidimensional.
A guerra nuclear, como instrumento de pressão, há tempos foi reavaliada. Não por acreditar-se na impossibilidade de seu emprego, ele existe sempre - na guerra da Ucrânia, vez por outra a Rússia sinaliza a possibilidade de seu emprego tático.
Entretanto, os últimos conflitos mostram que mais eficaz que uma destruição incontrolada pelas ogivas atômicas, assume protagonismo a guerra informacional, híbrida, cognitiva e “entre o povo”.
Diante deste cenário, algumas pessoas começaram a aceitar e regozijar-se com a redução do uso da força militar para resolução de conflitos.
Tolos, a guerra persistirá sob outro formato, em outro cenário, sob regras que não protegerão os menos poderosos.
A esses recomendo a leitura do diálogo meliano, na guerra do Peloponeso, histórico debate no qual enviados gregos deixaram claro aos melianos que possuíam armada e falange mais poderosas e por isso a discussão era mera retórica.
No mundo vulnerável, incerto, complexo e ambíguo (VUCA), a soberania estatal passa a ser relativa.
Porquanto, será imperativo ressignificar os conceitos de segurança e defesa, deixando de observá-los apenas do ponto de vista físico, para adentrar-se no eletromagnético, espacial e cibernético.
O Brasil, por suas imensas potencialidades, é alvo constante de cobiça difusa. Deixar a porteira de nosso território aberta, sem guardas habilitados a defendê-la, seria irresponsabilidade criminosa das lideranças políticas.
Todavia, há néscios que, a título midiático, ideológico e reacionário, propõem soluções simplórias, como cortar orçamento, alterar missões e inviabilizar projetos, olvidando o efetivo papel das Forças Armadas e suas demandas para cumpri-los.
Ao finalizar, transcrevo pensamento do General Golbery do Couto e Silva, emitido em 1952 e publicado na obra CARACTERÍSTICAS GEOPOLÍTICAS DO BRASIL: “Vivemos dias de transmutação radical e repentina de todos os valores e conceitos tradicionais. A vida vegetativa e relacional das sociedades, dos povos e dos estados, [...] se desarticula toda e desmorona ao embate incessante de novas forças incontroláveis”.
Nada mais atual. Olhe para o lado, caro leitor, o inimigo pode estar a prescrutá-lo. Já estamos em guerra.
*General de Divisão da Reserva
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