quarta-feira, 14 de julho de 2021

Ascensão e queda de um mito

 


Nós, que somos liberais, conservadores e adeptos da direita democrática, estamos vivendo hoje sentimentos contraditórios. Para livrar o país da praga lulopetista, botamos no poder o que havia na prateleira eleitoral em 2018.

- E o que havia na prateleira eleitoral em 2018?

Um candidato a presidente da República egresso do meio militar, onde se notabilizara (e dali fora expelido) por ato de indisciplina. Ingressando na carreira política, primeiro como vereador, e depois como deputado federal, o ex-capitão Jair Messias Bolsonaro não produziu, ao longo de quase 30 anos de atividade, um único documento legislativo digno de nota. Em compensação, protagonizou cenas de baixaria explícita, em confronto com adversários, e entronizou, no rendoso mundo da política, os três filhos adultos e uma ex-esposa. Isso, sem falar na multidão de parentes e apaniguados, abrigada em funções de gabinete – alguns, no papel de fantasma. Nesse ínterim, pulou de partido em partido (PTB, PFL, PP, PSC, e PSL, segundo a Wikipédia) e pautou a atuação parlamentar na defesa de interesses corporativos, praticando uma espécie de sindicalismo militar. Atualmente, no cargo de Presidente da República, encontra-se sem partido, à espreita de uma sigla de aluguel, que o acolha com carta branca e porteiras fechadas, para se lançar à reeleição em 2022.

O grande mérito do indisciplinado capitão, talvez o único na sua carreira política, foi trazer ao proscênio a ideologia da direita, que nos últimos tempos vivia acabrunhada, murcha, envergonhada de si mesma, vendo a esquerda crescer e ocupar todos os espaços. Foi esse filão, pronto para eclodir à luz do sol, que Bolsonaro soube explorar, por cálculo ou por instinto.

A original trajetória do capitão rumo à Presidência foi impulsionada pelas malfeitos cometidos pela esquerda, em especial pelo ramo lulopetista, que governou o país por 14 anos, deixando pelo caminho um rastro interminável de corrupção. Mas não só da temática anticorrupção alimentou-se o bolsonarismo. As contradições da esquerda, no que se refere aos costumes, desempenharam também papel crucial no processo. Num país como o Brasil, de maioria amplamente conservadora, o ativismo revolucionário e iconoclasta de minorias agressivas, em particular aquelas de fundamento sexualista, toleradas, senão francamente incentivadas pela esquerda, geraram a justa repulsa da população, que se traduziu em apoio ao capitão Bolsonaro, paladino da moral e dos bons costumes, o Mito, como passou a ser chamado pelos adeptos; campeão também do patriotismo, dos símbolos e das cores nacionais, burramente desprezadas pela esquerda, que as trocara pelo vermelho da internacional socialista. Apoio, aliás, muito justificável, quando se sabe que, nos países em que a esquerda detém poder absoluto, tal tolerância inexiste, pelo contrário, qualquer ativismo, quando não pautado estritamente na rígida política oficial, é reprimido ferozmente pelas forças governamentais.

Assim, as coisas evoluíam na surdina, sem que se tivesse uma visão clara do sentimento coletivo que ebulia no íntimo da nação, até que chegou o ano eleitoral de 2018. Para descrédito e chacota de muitos, Bolsonaro cometeu a audácia de se lançar candidato a presidente da República, sem tempo de TV, sem verba eleitoral e sem um partido minimamente organizado. Contra tudo e contra todos, o Mito foi eleito com 57 milhões de votos e por pouco não ganhou no 1º turno. Oh!

Despeitados atribuem a vitória do capitão à facada que o tirou da campanha, a poucos dias do 1º turno. Conversa de derrotado. Quem elegeu Bolsonaro foi a miopia da esquerda, turbinada pela corrupção lulopetista.  Nós, da direita envergonhada, saímos resolutos do armário e entronamos Jair Messias Bolsonaro no cargo máximo da República para o que desse e viesse. Assim alcançamos a meta colimada, que era expulsar a esquerda do governo e da boca do cofre. Mas a que preço!

Bolsonaro levantou a bandeira da direita, mas o fez de maneira destrambelhada, como é do seu estilo, sem observar limites nem medir consequências. Lamentavelmente o Mito não hesitou em destampar também a banda carcomida da extrema-direita, dando-lhe visibilidade e cargos importantes no governo. Na verdade, tal descaminho era previsível, dado o seu temperamento autoritário, impulsivo, arrogante e pouco afeito à ordem democrática. Ególatra, ele se acha ungido pelos deuses, com a missão divina de salvar o Brasil, e não consegue perceber a dinâmica social que o levou ao poder. Alheio à majestade do cargo a que foi guindado, ele insiste em praticar as baixarias de sempre, na tola suposição de que assim manterá vivo o clima que o elegeu. Ledo engano. Sua conduta, contrária à índole pacífica do povo brasileiro, o afasta cada vez mais do sucesso eleitoral em 2022, que ele persegue a todo custo, a qualquer preço. Mas nem o primarismo intelectual que o caracteriza o impede de perceber que esse leite escorre por entre os seus dedos. Então ele adota a tática do confronto com os outros Poderes e tenta cooptar os militares para essa batalha inglória, sabe Deus com que malévolas intenções. Pois saiba ele que não logrará êxito, se a iniciativa resvalar para aventuras antidemocráticas.

Não se diga por aí que este é o desabafo de um bolsonarista arrependido. Primeiro porque não sou e nunca fui bolsonarista e segundo porque não me arrependo do meu voto em 2018, que alijou a esquerda do poder, por breve período que tenha sido.

https://clabitt.blogspot.com/2021/07/ascensao-e-queda-do-bolsonarismo.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário