terça-feira, 5 de janeiro de 2021

Não esmoreça, tenente. - Por Otávio Santana do Rêgo Barros


 "Corridinha mixuruca, que não dá nem pra cansar. Eu aqui nesse passinho, volta ao mundo quero dar!"

Gritos de guerra são tradicionais nas corridas militares. O sistema de preparação para o combate considera os aspectos psicomotores combinados com os cognitivos como essenciais para atingimento da higidez física e mental.

Servem também para instruir, de forma simbólica, que os objetivos, quando definidos, devem ser buscados insistentemente em qualquer ação a que combatentes se predisponham encarar.

Os puxadores de canção sentem a disposição da tropa e a estimula em uma batida ritmada de pés e mãos. O líder do grupo vai à frente para controlar a passada e evitar que os menos capacitados fiquem para trás e não concluam a atividade junto com todo o grupo.

Lembro-me do tenente Brian (saudoso comandante de pelotão) correndo com a alunada pelas ladeiras do Jardim Chapadão, bairro de Campinas, São Paulo, na época em que eu cursava a Escola Preparatória de Cadetes do Exército (EspCEx).

Findo o impensável ano de 2020 — qualquer qualificação demeritória ainda será amena — e já nos primeiros dias de 2021 iniciamos, sociedade brasileira, uma corrida em forma.

Consideremos, figurativamente, que o Brasil é um pelotão que atravessou há pouco a linha de partida, os fogos de artifício do ano-novo (ainda bem, foram poucos), e saiu para uma longa e dura corrida de obstáculos sem definição da linha de chegada.

Sabemos que os puxadores da contagem estão desafinados e arrítmicos, e os líderes não se preocupam com a coesão, olvidando a retaguarda de sua tropa. Parecem correr sozinhos.

Portanto, estamos sem faróis a definir nossos rumos, desunidos emocionalmente e despreparados em organização.

Se assim persistir, enfrentaremos uma “Lurdinha” — temida metralhadora alemã empregada na Segunda Guerra Mundial — em um campo aberto semelhante àquele de Monte Castelo. Uma carnificina para nós, pracinhas contemporâneos.

Na preparação para o concurso da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME), desafiador obstáculo acadêmico na carreira do oficial, havia um livro ao qual todos compulsávamos, cujo título era Espaços Geográficos (BIBLIEX - Tiago Castro de Castro).

A obra apresentava um passo a passo, ajudando a sistematizar as respostas às questões proposta pela banca examinadora. Treinava-nos a colocar no papel pautado o conhecimento adquirido nas muitas horas de preparação.

Digamos que nos fosse imposta uma questão da servidão citar: Considerando os campos do poder, quais os principais desafios a serem enfrentados pelo Brasil ao longo ano que se inicia?

É fácil esquematizar a tese. Os obstáculos são de conhecimento da maioria da população, que os sente na pele.

— O flagelo do desemprego, com mais de 14 milhões de desempregados;

— A luz amarela da inflação, efeito econômico desconhecido pelas novas gerações;

— A questão ambiental, agenda inconteste dos países que lideram as democracias ocidentais;

— Os desafios para a agroindústria, como fiel da balança de pagamentos;

— A readaptação ao multilateralismo, que crescerá com a vitória do presidente Joe Biden, nas eleições americanas;

— A falta de planejamento integrado, a prejudicar a sinergia de ações;

— A comunicação rasa, dificultando a compreensão por parte da maioria da população

— O nó de górdio do relacionamento diplomático do Brasil com o mundo, que precisará ser desfeito; e

— O combate implacável à pandemia do novo coronavírus. Dentre outros.

Nada tão complicado de deduzir-se para organizar o pelotão neste início de corrida.

— Pelotão! Corrida no mesmo lugar! Reagrupar! Ordenaria um bom tenente.

Um que liderasse de fato pelo exemplo. Que soubesse o quanto a intrepidez impensada, a irresponsabilidade, a vaidade e o pouco planejamento não são companheiros para o sucesso de seu pelotão.

“O Brasil espera que cada um cumpra o seu dever!” A frase do Almirante Barroso, enunciada na Batalha de Riachuelo, serve de emulação a todos nós.

Paremos de atribuir responsabilidade apenas aos tradicionais Poderes configurados por Montesquieu. O povo, por primeiro, que assuma seu quinhão em direitos e deveres conquistados no amadurecimento da sociedade.

Ainda de Montesquieu, um pensamento para que se estabeleça como dogma: “a liberdade é o direito de fazer tudo o que as leis permitem.” Fora delas, é anarquia. Fora delas, do tenente ao recruta mais bisonho, é transgressão, quiçá, crime.

Somos parte da argamassa na construção de um mundo melhor. Podemos ser o líder e o puxador de cantos de nosso pelotão: a nossa consciência cidadã. E dentro da lei.

Paz e bem!

*Otávio Santana do Rêgo Barros é general e ex-porta-voz da Presidência da República


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