segunda-feira, 24 de agosto de 2015

Um escândalo chamado Cunha

Pela primeira vez na história, o País vê um político que ocupa o segundo cargo na linha sucessória da presidente da República ser denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro. Mas Cunha resiste e promete transformar a vida do governo num inferno.

Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
O deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) conseguiu uma façanha histórica ao ser denunciado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Ele tornou-se o primeiro presidente da Câmara a ser formalmente denunciado ao Supremo Tribunal Federal (STF) em pleno exercício do cargo. Se o tribunal reconhecer a consistência dos argumentos de Janot, o País terá como réu por corrupção o segundo na linha de sucessão da presidente Dilma Rousseff. Depois do vice Michel Temer, é ele quem assume, em caso de afastamento, renúncia ou impeachment da presidente. Desde que debutou na política no início da década de 80, Cunha foi diversas vezes flagrado na prática de métodos heterodoxos para obter vantagens pessoais. Agora é acusado por Janot de ter recebido, entre junho de 2006 e outubro de 2012, pelo menos US$ 5 milhões para viabilizar a contratação de dois navios-sonda para a Petrobras – algo evidentemente grave e totalmente incompatível com a importância do cargo que exerce. A Igreja Evangélica Assembleia de Deus teria intermediado o pagamento de pelo menos R$ 500 mil em propinas a Cunha em 2012. O procurador pede que ele devolva US$ 80 milhões – US$ 40 milhões como restituição de valores desviados e mais US$ 40 milhões por reparação de danos – R$ 277,36 milhões, pela cotação atual. “Têm existido tiranos e assassinos, e por um tempo eles parecem invencíveis, mas no final sempre caem”, diz Janot no início da denúncia de 85 páginas.
ABRE-CUNHA-DUPLA-IE.jpg
ATÉ A IGREJA
Denúncia da procuradoria da República diz que a Assembléia de Deus
intermediou propina para o presidente da Câmara, Eduardo Cunha
Mas Cunha, que alega inocência e diz que foi “escolhido” para ser alvo de investigação, resiste em deixar a cadeira de presidente da Câmara. Nos bastidores, ele promete ir além. Inimigo número um do governo no Congresso, o parlamentar garante a interlocutores que não medirá esforços para criar todos os embaraços possíveis para Dilma Rousseff, hoje ameaçada no cargo e às voltas com uma crise política sem precedentes. Por isso, a ação de Janot que à primeira vista beneficiaria o Planalto, eleva ainda mais a tensão política e tem tudo para produzir efeito inverso.
CUNHA-3-IE.jpg
CONTUNDENTE
Na denúncia contra Cunha, o procurador Rodrigo Janot disse
que "tiranos e assassinos parecem invencíveis por um
tempo, mas no final sempre caem"
Repousam na Mesa Diretora da Câmara 11 pedidos de impeachment da presidente Dilma. Para fazê-los tramitar, Cunha nem precisaria se movimentar muito. Bastaria dar o sinal verde para deflagrar o processo. A oposição está ciente de que Cunha pode ser um aliado muito mais valioso agora – mais do que já o foi até então. Principalmente porque o peemedebista não teria mais nada a perder. Virou um político kamikase. Está cada vez mais parecido com o ex-deputado Roberto Jefferson quando resolveu denunciar o mensalão. Mas uma diferença torna tudo ainda mais complicado para o Planalto: Cunha é o presidente da Câmara, controla a sua pauta e possui um séquito de parlamentares que votam religiosamente com ele. Não por acaso, minutos após a representação da Procuradoria ser protocolada no STF, o líder do DEM na Câmara, Mendonça Filho (PE), se opôs à tese de afastamento de Cunha da presidência. “Ninguém pode ser condenado previamente.” O presidente do DEM, Agripino Maia, fez coro. “A denúncia não significa condenação. Terá que ser dado direito de defesa. Só depois disso as normas prevêem afastamento de Cunha da presidência da Câmara” As manifestações de Mendonça e Agripino ocorreram pouco depois de os partidos da oposição na Câmara divulgarem nota informando que PSDB, DEM, PPS, PSC e Solidariedade haviam firmado entendimento sobre a “irreversível perda de condições por parte da presidente Dilma em conduzir o País.”
Entre os prazos de apresentação de defesa, manifestação do MPF e análise do plenário do Supremo a respeito da denúncia da PGR, Eduardo Cunha terá pelo menos um mês na presidência da Câmara antes de ser transformado em réu, se assim o STF decidir. Muitas movimentações podem ocorrer neste período. Segundo os aliados do peemedebista, um mês é tempo mais do que suficiente para transformar a vida do governo num inferno na Câmara. O PT aposta em um esvaziamento do poder de Cunha e na conseqüente perda da força do impeachment. Mas a reação do presidente da Câmara, após a apresentação da denúncia, indica que o PT pode errar ao subestimá-lo. “A evidência é de que essa série de escândalos foi patrocinada pelo PT e seu governo, não seria possível retirar do colo deles e, tampouco, colocar no colo de quem sempre contestou o PT”, afirmou em nota. Os próximos capítulos da crise prometem. “É evidente que o clima político fica acirrado a partir de agora”, atesta o deputado do PSD-DF, Rogério Rosso.
CUNHA-2-IE1.jpg
ELE NÃO MUDOU NADA
O senador Fernando Collor teria recebido R$ 26 milhões como pagamento
de propina por contratos firmados na BR Distribuidora
Os petistas se fiam na pressão que será exercida nos próximos dias pelo afastamento de Cunha. Na quinta-feira 20, um grupo de deputados de diferentes partidos, liderados pelo PSOL, anunciou um manifesto pedindo a saída do peemedebista. Subscreveram o documento deputados do PT, PSB, PPS, PDT, PR, PSC, PROS, PTB e até do próprio PMDB, partido de Cunha. “Sem sombra de dúvida fica ruim. Não é um ambiente saudável, não é um ambiente de normalidade”, afirmou o deputado Danilo Forte, do PMDB cearense. De acordo com a denúncia da PGR, Fernando Soares, conhecido como Fernando Baiano, considerado o operador do PMDB, orientou o lobista Júlio Camargo, responsável pelo pagamento de propinas a Eduardo Cunha, para que ele efetuasse o pagamento de R$ 500 mil a deputado por meio de depósitos feitos na conta da Igreja Evangélica Assembleia de Deus. “Soares teria alertado que pessoas dessa igreja iriam entrar em contato com o declarante Júlio Camargo. Representantes da igreja procuraram Júlio Camargo e informaram os dados bancários da Igreja Evangélica Assembleia de Deus,” diz o texto. A PGR diz que “não há dúvidas” de que as transferências foram feitas por indicação de Cunha e para o pagamento de parte dos US$ 5 milhões em propina que teria pedido a Júlio Camargo.
IE2386pag30a34_Cunha-3.jpg
No mesmo dia em que Eduardo Cunha foi denunciado, o procurador-geral Rodrigo Janot também implicou o ex-presidente Fernando Collor. As investigações da Operação Lava Jato apontam que o senador recebeu, entre 2010 e 2014, R$ 26 milhões como pagamento de propina por contratos firmados na BR Distribuidora. Delatores da Lava Jato afirmaram que chegaram a pagar faturas de cartão de crédito de Collor e que o senador recebeu parte da propina em dinheiro vivo e em mãos. Antes de o dinheiro chegar ao ex-presidente da República, a quantia teria circulado em um carro-forte de uma empresa de valores e em carros blindados. Entregador do doleiro Alberto Youssef, preso na Lava Jato, o depoente Rafael Ângulo disse ter entregue dinheiro vivo a Collor no apartamento dele, em São Paulo – R$ 60 mil em notas de R$ 100. A denúncia mostrou que o ex-presidente afastado pelo impeachment em 1992 não mudou nada.
FOTOS: ANDRE COELHO/Ag. O Globo Alan Marques/ Folhapress; Marcos Oliveira/Agência Senado 
http://www.istoe.com.br/reportagens/433221_UM+ESCANDALO+CHAMADO+CUNHA

Nenhum comentário:

Postar um comentário