Quando chega ao Senado, a maioria descobre que quer mesmo é ser ministro, prefeito ou governador, e há uma enxurrada de suplentes
Ninguém se deu conta que, ontem, a totalidade da Câmara dos Deputados e um terço do Senado, que funcionarão pelos próximos quatro anos, foram compostos. Inerte e desafinado, o reino do eleitor brasileiro funciona em conexão total com nosso modelo especial de democracia desorientada, de progresso sem felicidade, transgressões permitidas. Como a política somente interessa ao mundo dos políticos, a realidade da sociedade não se interessa mais pelo destino do poder. Tão inexpressivos se tornaram nossos deputados e senadores que, como as assombrações, somente existem se você decidir pensar nelas.
O sistema eleitoral e partidário, através do mecanismo arrecadador do fundo partidário e da distribuição de tempo de rádio e televisão, colocou preço no deputado e fez de graça o senador. Por isso, os partidos políticos não se interessam mais por lançar nomes expressivos para compor o Senado. Agravando o problema, quando chega lá, a maioria descobre que quer mesmo é ser ministro, prefeito ou governador, e uma enxurrada de suplentes engrossa a casta dos senadores que, cada vez mais, sem perder o gosto pelo luxo, se dedica a apreciar as pequenas coisas.
Para a Câmara, o fenômeno é inusitado. Quem tiver opinião e não for demagogo perde a eleição. Máquinas partidárias, destinadas a produzir bancadas que gerem um fundo monetário considerável, e largo tempo gratuito de rádio e televisão — usado de tal forma envenenada que amplia a fúria e o marasmo do cidadão comum contra a atividade politica — produz o paradoxo mais interessante das eleições brasileiras: os mais votados são os piores.
São três as origens dos puxadores de voto atualmente, responsáveis pela morte do voto de opinião e da liberdade de escolha do eleitor. O campeão de votos geralmente é o dono do partido. O que rouba o tempo de propaganda dos seus colegas de legenda e os deixa dormindo em casa para serem chamados no dia da diplomação, pela sobra de votos acumulada que lhe cai graciosamente na cabeça e que os tribunais eleitorais, essa desnecessidade cara que inventamos, têm o imenso prazer de reconhecer. Há também o tipo exótico, punk da periferia das preocupações relevantes, que circunda os quartéis, as igrejas, os shows de mau gosto, os ginásios e estádios. Circulam na imaginação do povo com seus diminutivos, apelidos, slogans que são rimas, ocupações diversas. São os Zé do Mané, as Ritinha da Mainha. Inesquecíveis são os monarquistas e suas famílias, que se perpetuam nos filhos esculhambando a ideia republicana de democracia de oportunidades, transparência, impessoalidade, razoabilidade.
O princípio da equivalência de tudo e a ideia de que justiça é dar condições à vontade de ser totalmente saciada, além de acabar com a estética do esforço individual, despolitizou a busca do desejo. O Estado brasileiro, de tão presente e inoportuno, esterilizou a energia da sociedade. Tudo é ótimo, tudo é ruim, como se estivéssemos diante de execuções sumárias.
Não é por saber. É por não saber em quem votamos que os males do Congresso são obra nossa.
Paulo Delgado é sociólogo e foi constituinte pelo PT de Minas Gerais
contato@paulodelgado.com.br
http://oglobo.globo.com/opiniao/o-pior-vem-agora-14136251#ixzz3FOdlYymT
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