segunda-feira, 10 de março de 2014

Casarão Ribeirão das Rosas - Cercado por histórias

09 de Março de 2014 - 06:00


Objeto de ação ajuizada pelo Ministério Público, Fazenda Ribeirão das Rosas ainda aguarda reformas. Proprietário do imóvel, Exército Brasileiro afirma tentar parceria com a UFJF

Por MARISA LOURES

Mesmo deteriorada, a Fazenda Ribeirão das Rosas, localizada no Bairro Barbosa Lage, segunda construção mais antiga do município, salta aos olhos pelo que representa. Suas paredes de barro exalam histórias. No térreo, de um lado, está o antigo abrigo dos escravos, de outro, um posto de arrecadação de pedágio. No meio, uma antiga estrada, agora, tomada pelo mato, que servia de passagem para quem seguia com o ouro para o Estado do Rio de Janeiro. Em cima, o imponente casarão. Dois séculos depois do episódio envolvendo Dom Pedro I (relatos dão conta de que o imperador tenha pernoitado no local nos idos de 1831), um outro fato passa a fazer parte da nossa memória. Dizem que, em 2010, ao tentarem retirar o piso de madeira para a instalação de escoras no lugar onde funcionava a senzala, várias garrafas de cachaça foram encontradas. Possivelmente, elas foram escondidas por negros escravizados. Motivo que provocou a imediata suspensão da retirada das madeiras. Apesar do valor cultural, o bem apresenta problemas ocasionados pelas ações do tempo.
Para dar fim à questão, o Ministério Público ajuizou, em 2009, uma ação civil pública contra o Governo federal e o Município de Juiz de Fora. No dia 24 de fevereiro de 2013, o juiz da segunda vara federal, Guilherme Fabiano Julien de Rezende, concedeu um prazo de 30 dias para que a União juntasse documentação referente a um possível acordo de cooperação técnica, a ser firmado com a Universidade Federal de Juiz de Fora, com o objetivo de viabilizar a restauração. O prazo passa a valer a partir da data da intimação. Até a última sexta-feira, ela ainda não havia sido feita. Na matéria publicada em 3 de dezembro de 2009, no site do Ministério Público Federal (MPF), consta que peritos do MPF comprovaram o comprometimento da estrutura, deterioração de pilares e vigas, umidade causada por infiltrações e ataque de micro-organismos e insetos. Na época, o prazo para a solução da situação era de 60 dias. Nesta semana, a assessoria do órgão informou à Tribuna que, "como não houve nenhuma resposta da Justiça, é preciso aguardar". O casarão é datado de 1751, sendo todo de pau a pique.
"Nem a União, que é a proprietária do imóvel, nem o Município, que, com o tombamento, assumiu o dever de zelar e cuidar da conservação do bem, tomaram qualquer providência nesse sentido e simplesmente abandonaram a fazenda à própria sorte e à ação do tempo", diz a reportagem do MPF. O bem tem fachada, volumetria e entorno tombados como patrimônio público de Juiz de Fora no ano de 2001. "O município passa a ser responsável pelo acompanhamento, para ver se o proprietário está cuidando do bem. Existe uma jurisprudência com relação a isso, várias súmulas. Pareceres de juristas e desembargadores falam que a responsabilidade do bem tombado, tanto na legislação municipal, estadual ou federal, é do proprietário. Existem várias possibilidades compensatórias para o proprietário. Se ele tiver a possibilidade de construir um prédio onde hoje fica a edificação e não puder fazer isso, ele tem a venda do potencial construtivo. Isso fortalece o princípio de que o bem é de responsabilidade do proprietário e, portanto, a conservação deve ser feita por ele", sentencia Toninho Dutra, superintendente da Funalfa e presidente do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural (Comppac). "O Comppac faz orientações de não deixar piorar a situação. A casa está escorada, sem risco de queda e protegida. Em uma audiência, as atribuições ficaram divididas. Ficou definido que a Funalfa ficaria responsável por uma pesquisa mais profunda relacionada à questão histórica e arquitetônica. O Exército realizaria um escoramento providencial", afirma o superintendente.
"O processo é demorado porque o saber fazer é diferenciado. O amadeiramento foi feito em Lisboa (Portugal). Tem todo um processo na questão de buscar procedimentos para fazer restauro. Não é um restauro de alvenaria, de tijolo e reboco. Primeiro, houve o convencimento dos responsáveis que deviam fazer a devida recuperação. Isso já ficou assentado, o Exército está tomando as medidas para finalização do projeto. Já vimos partes dele", completa Toninho. 
A verba de R$ 1 milhão liberada em 2012, por meio de emenda parlamentar do deputado Júlio Delgado (PSB) para atividades de restauro, foi utilizada para o cercamento da área de 14 quilômetros quadrados e 18 quilômetros lineares do Campo de Instrução e Centro de Educação Ambiental e Cultura, local em que está o casarão. No mesmo ano, o tenente-coronel Sérgio Marrafão havia divulgado que o processo licitatório seria aberto em breve. Hoje, os trabalhos devem chegar a cerca de R$ 7 milhões de reais, mas sua execução depende de captação de verbas. A planilha de custo está sendo refeita pela arquiteta Mônica Olender, que assina o projeto de restauração.
"O recurso tinha que ser aplicado via processo licitatório, mas ele chegou no final de 2012, muito perto do término do exercício financeiro. O projeto que estava em condições de ser licitado era o do cercamento. Se o montante não fosse usado, perderíamos o dinheiro. É importante que chegue uma monta que permita a execução total da obra. Um milhão seria insuficiente para todo o restauro", afirma o tenente-coronel André Aguiar, atual diretor do Campo de Instrução. "Em conversa com especialistas da área, vimos que o restauro é uma caixinha de surpresa. Quando você começa a mexer, o valor aumenta, dobra ou até mesmo triplica", observa o tenente-coronel.
Uma proposta de recuperação da fazenda havia sido aprovada para captação pela Lei Rouanet. Como o Exército possuía oito propostas, em âmbito nacional, ativos no portal do Ministério da Cultura (Minc), e a posterior súmula 14 da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC) limitou esse número em cinco, a aprovação não foi publicada. Na ocasião, as obras foram orçadas em R$ 3 milhões. "Não temos como dar uma data para começar os trabalhos. Para realizarmos um processo licitatório, temos que ter a expectativa do crédito", ressalta o militar, sinalizando para uma parceria com a UFJF e o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (Ifet) para a recuperação da sede de arquitetura colonial. "Esses órgãos educacionais manifestaram a intenção de reutilização daquela área com fins educativos. Além de campo de instrução, somos um centro de educação ambiental e cultura do Exército. Nesse sentido, buscamos parcerias para realizar seminários, fazer um parque temático retratando um posto de fiscalização da coroa portuguesa, abrigar espaço cultural e loja de venda de produtos históricos." 
Neste período, de acordo com tenente-coronel Aguiar, o sobrado recebeu reforços estruturais e ações preventivas, respeitando as orientações da Funalfa. "Foi feita uma obra de escoramento e proteção da cumeeira do telhado para evitar intempéries. Protegemos as paredes laterais com lonas e conservamos valetas ao redor do imóvel. Elas evitam a infiltração da água pluvial. Semanalmente, fazemos a verificação da estrutura física, principalmente, de pontos de infiltração e mofos. Também realizamos desinsetização e descupinização." O tenente-coronel defende que, com o casarão em uso, é mais fácil preservá-lo. "Se a gente der uma utilidade para o imóvel, naturalmente seremos obrigados a conservá-lo com uma constância maior."
Segundo o militar, antes do restauro e reutilização do espaço, existe a previsão de realização de subprojetos. Além do cercamento já feito, há a expectativa da construção de uma sobrecobertura provisória, avaliada em R$ 272 mil, e de instalar novos escoramentos, orçados em torno de R$ 170 mil. Para finalizar, deve-se efetivar um trabalho de drenagem da água pluvial. O projeto deste último gira em torno de R$ 22 mil. "A sobrecobertura é uma espécie de galpão que protegeria o casarão. A partir daí, começariam os trabalhos de restauro. É uma estrutura metálica que não estaria sustentada no prédio. Isso o protegeria do sol e da chuva. O projeto de drenagem vai potencializar o que nós temos hoje", aponta Aguiar.
Com relação à prática de tiros e explosivos nas imediações do casarão, item citado pelo Ministério Público como desencadeador de abalos na edificação "em decorrência das vibrações transmitidas", André Aguiar garante que tais atividades são realizadas em áreas distantes. "Este local é totalmente seguro.Todas as normas de segurança são observadas e cumpridas."
http://www.tribunademinas.com.br/cultura/cercada-por-historias-1.1430044

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