terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

Sucos prontos: pouca fruta e muito açúcar

Idec testou 31 amostras de néctares de sete marcas; 10 foram reprovadas.


O Idec testou em laboratório 31 amostras de néctares de sete marcas: Activia, Camp, Dafruta, Dell Vale, Fruthos, Maguary e Sufresh, em diferentes sabores. O objetivo era identificar se os produtos cumprem os principais requisitos de qualidade e de identidade previstos na Instrução Normativa nº 12/2004 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), analisando itens como o teor de fruta e a quantidade de açúcar, por exemplo.
 
O Idec fez um vídeo com crianças para mostrar o que os sucos industrializados realmente têm
 


Do total, 10 produtos (32%) foram reprovados por não conter o teor de polpa ou suco de fruta exigido por lei. Segundo a norma atualmente em vigor, o percentual mínimo de fruta varia de 20% a 40%, dependendo do sabor do néctar. 

A Maguary teve o pior resultado: três dos cinco néctares da marca avaliados têm uma quantidade menor de fruta do que o esperado. As marcas Camp, Dafruta, Fruthos e Sufresh tiveram, cada uma, dois sabores reprovados nesse quesito. Somente as bebidas da Activia e da Dell Vale foram aprovadas em todos os sabores.

Para Ana Paula Bortoletto, nutricionista do Idec, o resultado do teste é grave, tanto pelo alto índice de descumprimento da legislação, quanto pelo fato de que muitos consumidores acham que néctar é a mesma coisa que suco. Contudo, na verdade, para ser chamada de “suco”, a bebida deve ser composta praticamente só de fruta (e de água, em alguns casos) e não pode conter substâncias “estranhas”; já o néctar, além de apresentar só uma parcela de fruta, ainda contém açúcar e aditivos químicos, como corantes e antioxidantes. “Essa confusão (entre néctar e suco) é reforçada pelo uso ostensivo de imagens de frutas nas embalagens dos néctares, passando a falsa impressão de que a bebida é natural'”, destaca Ana Paula.

Chama a atenção que, dos 10 produtos reprovados, oito são de néctares sabor manga ou pêssego, justamente os que, pela legislação, devem conter um teor maior de fruta, de 40%. “Esse resultado surge como um alerta para as autoridades neste momento em que novas regras do Mapa para bebidas à base de fruta começam a ser implementadas. Entre elas, a que estabelece o aumento do percentual de fruta para néctares sabor uva e laranja”, diz a nutricionista do Idec. Segundo a nova norma, os néctares desses sabores deverão passar a ter 40% de polpa ou suco até janeiro de 2015; e de 50% até janeiro de 2016. Hoje, o percentual mínimo exigido de laranja e de uva é de 30%.
 
Segundo Ana Paula, preocupa, ainda, o fato de que o Mapa não estabelece uma metodologia oficial para identificar a quantidade de fruta nas bebidas. “O percentual desse ingrediente é previsto como critério de avaliação, mas, uma vez que não foi definido um método para sua a sua verificação pelos órgãos reguladores, o parâmetro perde o efeito de fiscalização”, critica a especialista.

Menos fruta que o exigido
 
Idec

Avaliação da rotulagem 

Somente ao olhar uma embalagem, não fica claro que há várias frutas, pois é dado destaque a um sabor específico. As marcas Dafruta e Maguary são as “campeãs” nessa prática: as duas só informam que o néctar é misto na lateral da caixinha, em letras bem pequenas e em cores que dificultam a leitura. Por isso, ambas foram reprovadas na análise de rotulagem geral.

Sob o ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor, essa omissão fere o direito à informação clara sobre as características do produto. Além disso, a prática pode ser vista como propaganda enganosa. Entre as amostras adquiridas para o teste, há bebidas com “cara” de uva – ou seja, que destacam na embalagem um cacho dessa fruta e o termo “uva”, têm cor e gosto que se assemelham ao fruto da videira –, por exemplo, mas que, na verdade, têm como principal ingrediente suco de maçã. “O consumidor compra gato por lebre”, afirma a nutricionista do Idec.

Para mascarar essa salada e chegar ao sabor e cor desejados da fruta mais vendável, essas bebidas mistas costumam usar aditivos, como corantes e flavorizantes, em concentração ainda maior do que as outras.

Quantidade de açúcar

Ao analisar a lista de ingredientes dos néctares, tenham eles apelo infantil ou não, o consumidor vai descobrir que o açúcar é um dos itens em maior quantidade nessas bebidas. Só assim mesmo para saber, pois, atualmente, a legislação brasileira não obriga que os fabricantes declarem o teor de açúcar na tabela nutricional. “O tema tem sido discutido pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária], mas ainda aguarda discussão e aprovação de todos os países que fazem parte do Mercosul para que alguma mudança aconteça. O Idec defende expressamente que essa informação se torne obrigatória”, destaca a nutricionista do Instituto.

Como não existe um parâmetro nacional para a avaliação do teor desse ingrediente, o Idec utilizou como base o do semáforo nutricional, um esquema de rotulagem criado no Reino Unido que, por meio das cores vermelho, amarelo e verde, informa quais os teores de determinados nutrientes no alimento. No caso de açúcar, a presença de até 5 g/100 g é avaliado como verde (baixo teor); entre 5,1 e 12,4 g/100 é amarelo (médio teor) e 12,5 g/ 100 g é vermelho (alto teor).

O teste identificou a quantidade de “açúcares totais”, o que inclui o açúcar da própria fruta e o adicionado pelo fabricante. O resultado mostra que o sinal está fechado para os néctares. Todas as bebidas avaliadas apresentam concentração média ou alta de açúcar, de acordo com os critérios do semáforo nutricional.

Curiosamente, as únicas marcas que tiveram todos os sabores aprovados em relação à quantidade de fruta, a Activia e a Dell Vale, figuram entre as que têm os néctares mais açucarados. O Dell Vale sabor uva, por exemplo, tem nada menos que 13,31 g desse ingrediente em cada 100 ml, e o Activia sabor uva, quase o mesmo: 13,04 g/100 ml. Ambos seriam classificados como “vermelho” nesse nutriente.

A maior parte das amostras avaliadas (67%) receberia a cor amarela em relação ao açúcar, o que, tal qual no trânsito, significa “atenção” ou, no caso específico, “consuma com moderação”. O néctar que apresentou a menor concentração de açúcar foi o Fruthos de laranja, com 7,11 gramas, ainda assim classificado como amarelo.

O consumo excessivo de bebidas industrializadas açucaradas é um dos fatores responsáveis pelo aumento de casos de obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes.

Top 5 de açúcar

Veja quais são os cinco néctares com maior teor de açúcar identificado no teste:

Quantidade de açúcar (g/ 100 ml)

Del Valle/Uva - 13,31 g/ 100 ml

Camp/Uva - 13,30 g/ 100 ml

Activia/Uva - 13,04 g/ 100 ml

Dafruta/Laranja - 12,95 g/ 100 ml

Del Valle/Manga - 12,95 g/ 100 ml


Como foi feito o teste

O Idec enviou para análise em laboratório 31 amostras de néctar de sete marcas: Activia, Camp, Dafruta, Dell Vale, Fruthos, Maguary e Sufresh. Dezesseis deles foram adquiridos em embalagens pequenas, de 200 ml ou 250 ml, dos quais cinco têm apelos ao público infantil; e os demais em embalagens de 1 litro.

As bebidas foram avaliadas de acordo com os principais parâmetros de identidade e de qualidade geral estabelecidos pela Instrução Normativa nº 12/2003 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), entre eles quantidade de fruta e de açúcar, acidez e outros aspectos técnicos. O teste envolveu a análise de mais de 20 parâmetros e, individualmente, cada uma das análises é certificada e segue metodologia reconhecida.

O intervalo de confiança do teor de fruta identificado é de 95% e a margem de erro é de 20%, para mais ou para menos, já levada em conta na avaliação que aprovou e reprovou as amostras.

Além disso, o Idec checou se a rotulagem geral e as informações nutricionais obrigatórias e complementares estavam indicadas adequadamente na embalagem, de acordo com as normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

Notificações 

O Idec notificou todos os fabricantes das marcas avaliadas sobre os resultados do teste e também a órgãos públicos de vigilância sanitária (Anvisa e MAPA) e de defesa do consumidor (PROCON SP e Senacon – Secretaria Nacional do Consumidor). Entre as empresas, duas não responderam até o fechamento da edição de fevereiro da Revista do Idec, a fabricante da marca Fruthos (Cia. de bebidas Brasil Kirin) e a da marca Activia (Agropecuária Tuiuti), mas esta foi aprovada no teste. Confira um resumo das respostas das outras empresas:

Sufresh (Wow): informa que realizará novas análises nas bebidas dos sabores reprovados no teor de fruta (manga e pêssego) e se estas confirmarem o problema, fará as adequações necessárias.

Camp (General Brands): diz que vai apurar os problemas identificados no teste a fim de atender as exigências legais.

Del Valle (Leão): agradece a participação no teste, mas destaca que, embora os resultados do teste evidenciem a total conformidade dos produtos da marca à legislação, no caso do néctar de manga, a quantidade de polpa da fruta identificada é menor do que a que é efetivamente utilizada.

O Idec reforça que, como em todo teste, há uma margem de erro e que esta foi considerada na avaliação.

Dafruta e Maguary (Ebba): discorda dos resultados do teste. A empresa alega que está de acordo com as exigências do Mapa e que, como não existe um método oficial para a verificação da quantidade de fruta presente nas bebidas, a reprovação não é cabível. Com relação à rotulagem das bebidas mistas, a empresa diz seguir as normas fixadas pela Anvisa e que esta só exige que a denominação do produto esteja presente na parte frontal da caixa, mas não determina o local específico, e que o tamanho da fonte utilizado (2 mm) é maior que o exigido pela legislação (1 mm).

O Idec reconhece que não há um método oficial para apuração do teor de polpa ou suco de fruta, mas ressalta que, justamente por isso, a metodologia escolhida não pode ser desqualificada. O Instituto buscou o método mais preciso atualmente disponível e o laboratório responsável pelo teste é reconhecido nacional e internacionalmente e, inclusive, é credenciado pelo Mapa e Anvisa para outras análises. Com relação à rotulagem, o Instituto reafirma que se a informação não é comunicada de maneira clara ao consumidor, o que inclui a sua legibilidade e fácil percepção, esta viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC).

http://gazetaonline.globo.com/_conteudo/2014/02/voce_ag/vida/1478117-sucos-prontos-pouca-fruta-e-muito-acucar.html

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