segunda-feira, 24 de junho de 2013

Classe política vive momento de incerteza

23 de Junho de 2013 - 07:00

Enquanto ruas rechaçam partidos, especialistas defendem instituições para a democracia

Por RICARDO MIRANDA

Enquanto analistas das mais variadas áreas ainda tentam entender a onda de manifestos dentro e fora do país, o meio político brasileiro passa por um período de tensão inédito. Diferentemente de outras manifestações, como a campanha das "Diretas já" ou dos "Caras pintadas', pelo impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, nas recentes manifestações, não há lideranças políticas, como Ulysses Guimarães e o seu PMDB, ou organizações, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), ao contrário, o canto das ruas é antipartidário e contrário à personalização de entidades ou pessoas. As imagens do senador José Sarney (PMDB) saindo literalmente pelas portas do fundo do Congresso, dos deputados estaduais esvaziando a Assembleia de Minas no meio da tarde e dos vereadores de Juiz de Fora revogando o horário especial para ver os jogos da Copa das Confederações revelam o drama atual dos parlamentos. Nos executivos, a correria para reduzir ou congelar as tarifas do transporte público coletivo foi a medida exata do medo do inexplicável.
E assim, acuada, a classe política espera pelo Brasil do pós-protestos. Para o cientista político da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), Paulo Roberto Figueira Leal, ainda é cedo para saber o impacto dos dias atuais na História do país, mas mudanças serão necessárias e inevitáveis. "A situação nos remete à análise feita pelo (filósofo italiano Antonio) Gramsci: 'O velho está morrendo, e o novo não pode nascer'. Deve haver uma abertura do sistema político para torná-lo mais acolhedor." Ele critica o fato de a atual estrutura democrática do país não comportar mais as demandas da população. "Os partidos estão desconectados da sociedade e precisam ser repensados."
As legendas partidárias, que foram expulsas das manifestações, aparecem como as instituições mais atingidas pela onda de protestos. "Os partidos, muitas vezes, não sabem nem o que se passa nas ruas, o que pensam as pessoas. Há algum tempo não conseguem mais dialogar com a sociedade", avalia Fernando Perlatto, do departamento de ciências sociais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). Ele chama a atenção para o caso do PSTU. Conhecido pela forma combativa como atua no cenário nacional, militantes da sigla foram impedidos de empunhar bandeiras durante as manifestações. "Até o partido que tradicionalmente era contra tudo foi rechaçado." Para Perlatto, essa situação limite mostra como a sociedade colocou todas as legendas partidárias no mesmo barco. "Ninguém consegue mais sintonia com o sentimento das rua.

Paradoxo
Se o apelo antipartidário dos protestos sinaliza para os políticos a necessidade de um novo modelo de representação, por outro lado, assusta pela ojeriza às instituições políticas. "Quando não se pode erguer uma bandeira de um partido no meio de uma manifestação é também preocupante. Não é negando, mas criticando que será possível promover mudanças", alerta Figueira Leal. Uma coisa, segundo ele, é o fato de as legendas estarem desconectadas da sociedade, outra coisa é entendê-las como desnecessárias. "A democracia é construída com instituições sólidas. Esse talvez seja o grande paradoxo dos manifestantes, afinal, negar o sistema é também uma forma de mantê-lo com está." O apelo antipartidário dos protestos também preocupa Perlatto. "Observei um cartaz de uma manifestante em Juiz de Fora que dizia: 'O povo unido não precisa de partido'. Não é assim. A História nos ensinou que a questão institucional deve ser defendida."

Coalizão contempla apenas as elites

Não apenas os partidos, mas o modelo de governabilidade também está esgotado. A avaliação é do cientista político da Universidade Federal de Viçosa (UFV), Diogo Tourino, para quem os governos de coalizão servem apenas para acomodar as elites no poder. "A perversa coalizão, que já nos rendeu 39 ministérios, não contempla o povo. Isso funciona apenas no pacto firmado entre as elites." Para ele, a prova do descontentamento é a facilidade com a qual as pessoas foram para as ruas. "Uma senhora resumiu bem esse sentimento em uma entrevista para uma emissora de TV. Dizia ela que, como o copo estava cheio, bastava uma gota para entornar." E a gota veio com o movimento pela redução da tarifa do transporte público de São Paulo.
Da mesma forma como no caso dos partidos, Tourino pondera para o risco do apelo à ausência do Estado. "O povo na rua não vai governar. Democracia é representação. Quando não é assim, podemos acabar como a Itália de (Benito) Mussolini (líder Partido Nacional Fascista). Ele queria governar com o povo e sem partidos e acabou implantando o fascismo. As maiorias desrespeitam as minorias facilmente." Nesse sentido, a ausência de lideranças nos protestos que seriam responsáveis por abrir canais de diálogo com o sistema é outro fato de preocupação. "É preciso criar uma agenda de reivindicações para serem negociadas."
Além de definir propostas, mesmo porque o recuo do preço das tarifas do transporte público coletivo pode esvaziar o movimento, Paulo Roberto Figueira Leal, da UFJF, observa que será preciso selecionar temas com caráter de convergência, como foi a questão das passagens de ônibus. "Não são todas as questões da ordem do dia do país que serão capazes de reunir tantas pessoas." Para ele, mais cedo ou mais tarde, os manifestantes vão esbarrar em temas polêmicos, que dividirão suas opiniões. "O caso da Copa das Confederações já foi um pouco assim. Todos concordam quanto ao alto custo dos estádios, mas nem todos gostariam que o evento não acontecesse."


Transporte não é uma questão menor

O fato de o aumento da tarifa do transporte urbano coletivo de São Paulo em R$ 0,20 ter sido o estopim da onda de protesto não deve ser entendido como uma motivação menor. Para Diogo Tourino, da UFV, o tema da mobilidade é uma questão central que percorre uma série de demandas da sociedade brasileira. "Já temos territórios de desigualdade, e não se pode impedir a mobilidade das pessoas se queremos uma sociedade mais justa." Ele lembra que, no caso específico de Juiz de Fora, a situação é ainda mais complexa e pertinente. "Não se pode falar que a questão do transporte não é pertinente. Em 2007, em Juiz de Fora, os estudantes protestaram contra o aumento da passagem. Foram duramente reprimidos. Um ano depois, a Polícia Federal desmantelou um esquema de pagamento de propinas a políticos. Como se vê, tem muita coisa envolvida no transporte público no Brasil."
De forma mais direta, Fernando Perlatto, da UERJ, pede mais transparência no financiamento de campanha. "Se pegarmos as eleições das principais cidades do país vamos ver um massivo financiamento em campanha por parte dos empresários do setor de transporte." Se aprofundar a discussão sobre o transporte público, segundo ele, os manifestantes vão se deparar com a necessidade de uma profunda reforma política. "Em Juiz de Fora, por exemplo, essa é uma questão muito sensível."
Para os três especialistas ouvidos pela Tribuna, os protestos, de uma forma geral, têm saldo positivo. Tourino ressalta o fato de as pessoas estarem mais empoderadas em termos de comunicação. "Na 'Revolução Russa', os manifestantes demoravam dias para rodar os panfletos convocatórios, hoje isso é feito de forma imediata pelas redes sociais." Para Perlatto, a força e a dimensão dos eventos dos últimos dias tomaram todos de surpresa. "Isso expôs de uma forma muito intensa tudo aquilo que deixou de fazer sentido." A ruptura do silêncio, segundo Paulo Roberto Figueira Leal, da UFJF, foi o mais emblemático. "Depois de 21 anos (a última vez havia sido impeachment do ex-presidente Fernando Collor) de silêncio, as ruas se fizeram ouvir de novo."

Nenhum comentário:

Postar um comentário