segunda-feira, 15 de abril de 2013

Na Venezuela, economia em frangalhos no caminho do vencedor

CARACAS — A camisa branca engomada, com a identidade de segurança privada bordada no bolso esquerdo, destaca Luis Rodríguez em meio ao grupo de porteiros noturnos fardados de azul-marinho na entrada de um hotel de luxo no centro de Caracas. Seu turno começou no primeiro minuto de um domingo de eleição presidencial.

- Sou fiel a (Hugo) Chávez - diz. - Acho que todos devemos ser, porque ele nos devolveu o orgulho de sermos venezuelanos. Mas todos sabemos que algo vai mal, porque o país não produz quase nada. Ninguém sabe o que vai acontecer, mas vai mal.

Ele é um dos 457 mil eleitores de Sucre, o segundo maior colégio eleitoral da região metropolitana, onde se concentra a maior massa de pobres dos arredores da capital. Mora em Marinche, a 90 minutos do trabalho, e gasta o equivalente a R$ 8 por dia em passagens de ônibus.

- Gostaria de poder comprar um - sorri, indicando o táxi que chega. - É bom negócio, porque temos a gasolina mais barata do mundo. Com o dinheiro de uma passagem (12 bolívares, ou R$ 4,00) dá para encher dois tanques de gasolina!

Um venezuelano paga R$ 0,30 por litro de gasolina - ou seja, dez vezes menos do que os cariocas. Seria um paraíso, se o país não convivesse com uma hiperinflação. Ela produz situações esdrúxulas: o litro de leite é cinco vezes mais caro do que o de gasolina - e quando é encontrado, porque habitualmente está em falta, assim como frango, arroz, farinha de trigo e de milho, óleo de cozinha e margarina, entre outros.

O preço da gasolina é o mesmo de duas décadas atrás. É um mistério o valor da subvenção estatal ao combustível. Sabe-se, porém, que no ano passado a cesta de subsídios pagos pelo Estado custou o equivalente a 20% do Produto Interno Bruto da Venezuela. Essa conta inclui subsídios a países alinhados ao chavismo, como a Nicarágua: US$ 250 milhões nos últimos três anos, para evitar aumentos na tarifa local de energia elétrica. O reajuste previsto para hoje (20%) foi suspenso na sexta-feira com um crédito emergencial venezuelano de US$ 35 milhões.

Tabu político

O congelamento do preço da gasolina é assunto proibido no governo e símbolo das dificuldades que o presidente eleito terá de enfrentar. A última vez em que se reduziu o valor dos subsídios pagos pelos cofres públicos ao consumo de gasolina foi há 23 anos. Provocou uma rebelião social, na qual tropas policiais e militares mataram um número até hoje indefinido entre centenas e milhares de pessoas. O tema virou tabu político que nem o finado Chávez ousou tocar.

O problema agora é o vermelho cada vez mais reluzente nas contas do Estado venezuelano, que vai condicionar toda e qualquer ação política do próximo governante. Eis uma síntese da situação, a partir de dados oficiais e de entidades privadas:

* Há um déficit público crescente (15% do PIB em 2012);

* Existe hiperinflação (em março foi de 3,8% e as projeções para o ano oscilam entre 31% e 40%). Na era Chávez, a Venezuela disputou o recorde mundial de inflação com o Congo, a Guiné e a Argentina. A taxa média anual é seis vezes superior à brasileira;

* Não há divisas (dólares) suficientes para pagar pelas importações de quase 90% dos produtos consumidos no país, o que leva a racionamento de comida e de produtos como papel higiênico (R$ 9 o rolo, quando disponível) ;

* A produção interna de bens e mercadorias, estatizada em áreas-chave, encontra-se estagnada (1,2% de crescimento em relação a 2011);

* Para financiar o déficit nas contas públicas, o governo optou por sucessivas desvalorizações da moeda (o bolívar).

- A desvalorização é uma forma de tributo com o qual o governo toma dinheiro das pessoas para cobrir seu déficit - explica o economista Asdrubal Oliveiros, da empresa Ecoanalítica.

Isso tem sido feito de forma explícita - na taxa de câmbio que é divulgada - e também na velada manipulação das vendas de dólares para empresas importadoras. Pelas contas de Oliveiros, no primeiro trimestre, o governo aplicou uma máxidesvalorização de 71%. E assim conseguiu cobrir um terço do déficit no período.

É política de alto risco, porque tem efeitos destrutivos sobre o poder de compra dos mais pobres. A partir de hoje ,os venezuelanos, como o guarda Rodríguez, vão descobrir se continua. Ou se, realmente, sua vida vai mudar para melhor - como prometeram antes da eleição.

(O repórter José Casado viajou a convite do Sindicato de Jornalistas da Venezuela)

http://oglobo.globo.com/mundo/na-venezuela-economia-em-frangalhos-no-caminho-do-vencedor-8113629

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