27 de Janeiro de 2013 - 07:00
Nem PJF nem Câmara divulgam em seus portais os valores pagos aos servidores, conforme prevê legislação, que vigora desde maio passado
Por FERNANDA SANGLARD
A Câmara Municipal e a Prefeitura de Juiz de Fora ainda estão atrasadas em relação ao cumprimento da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011) que vigora desde 16 de maio do ano passado. Até o momento, nenhuma das duas instâncias divulga nos links de transparência disponíveis em seus sites os gastos com o funcionalismo. Por conta disso, o cidadão comum ainda não tem acesso aos salários dos servidores públicos do Legislativo e Executivo. Enquanto o novo Parlamento pretende estudar como a divulgação pode ser adotada, o Município está levantando a situação das nomeações para poder organizar as informações, mas a assessoria de comunicação diz que o objetivo é facilitar o acesso. Enquanto isso não ocorre nas duas esferas, a população ainda precisa fazer requerimentos formais e encaminhar aos setores responsáveis para conseguir esse tipo de informação pública.
Tanto tempo depois da vigência da lei, o fundador e secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, diz ficar estarrecido com a quantidade de instituições que ainda não cumprem a norma no quesito gasto com pessoal. Ele reforça que a transparência referente aos salários "é extremamente importante, até mesmo sob o ponto de vista da racionalização das despesas". Para reforçar a necessidade de divulgação, o economista e especialista em contas públicas explica que, no país, existem 9,4 milhões de servidores públicos pagos pelos governos municipais, estaduais e federal, conforme estudo divulgado em 2011 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). "O time de burocratas cresceu 30,2% entre 2003 e 2010. As despesas com pessoal nas três esferas de governo representam 14% do Produto Interno Bruto (PIB). Em 2012, gastamos R$ 204,4 bilhões com salários e encargos sociais na esfera federal, valor cinco vezes maior do que o destinado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC)."
Mas a lista de motivos apresentada pelo representante do Contas Abertas não para por aí. Fundador da entidade civil que reúne pessoas interessadas em fiscalizar o dispêndio público, Castello Branco destaca que a publicação dos salários dos servidores já é feita em diversos locais e considera "sem fundamento" a justificativa de que a atitude corresponda a invasão de privacidade ou eventuais riscos para os funcionários. Na mesma linha, o cientista político e professor da Faculdade de Comunicação da UFJF Paulo Roberto Figueira Leal diz que somente conhecendo quanto é pago, a sociedade consegue avaliar se há excessos ou procedimentos que mereçam discussão pública. Para ele, servidor nenhum deve se envergonhar do padrão salarial que tem, "se for alguém que cumpre com suas tarefas".
"Desde 2009, a Prefeitura de São Paulo divulga nomes, cargos e salários de todos os seus servidores, sem que se tenha notícia de violências específicas em relação a esse segmento. O site da Casa Branca, nos Estados Unidos, divulga nomes, cargos e remuneração anual de todos os funcionários. Vários países na Europa e na América do Sul fazem o mesmo. Invasão de privacidade seria saber o que o servidor faz com o seu salário. Mas saber quanto os funcionários federais, estaduais ou municipais recebem da administração pública é um direito de todos os cidadãos. Em uma empresa privada, o proprietário sabe quanto ganha cada um dos seus empregados. No caso do Estado, os patrões somos nós", compara Castello Branco.
Belo Horizonte e Uberlândia já fornecem dados
Enquanto em Juiz de Fora nem a Câmara nem a Prefeitura têm previsão de quando o valor pago a cada servidor será divulgado, entre as cidades mineiras com mais de 500 mil habitantes - o que inclui, além de Juiz de Fora, Belo Horizonte, Contagem e Uberlândia - apenas Contagem vive situação parecida (ver quadro), sem disponibilizar nos sítios eletrônicos dos dois poderes as despesas detalhadas com pessoal. No entanto, a assessoria da Prefeitura de Contagem afirma que, em breve, o município vai se enquadrar na legislação, e a previsão é que, a partir de 5 de fevereiro, as informações já estejam disponíveis para consulta no site da instituição.
Na capital, a prefeitura divulga nominalmente a remuneração dos "agentes políticos" - como secretários de Governo e o próprio prefeito. Já a lista dos salários dos agentes públicos de carreira não revela o nome dos servidores, informando apenas a vinculação com o setor municipal e o número de matrícula. A Câmara de Belo Horizonte e a Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) ainda não adotaram a medida, mas a ALMG garante que, no próximo dia 8 de fevereiro, vai começar o processo de divulgação dos salários, no entanto, a informação não vai conter os nomes dos servidores.
Já em Uberlândia, a realidade é outra. O Executivo divulga todas as despesas, inclusive gastos com pessoal, desde que seja digitado o nome ou o CPF do funcionário, e o Poder Legislativo publica a folha de pagamento nominal de todos os cargos. O Governo estadual também serve de exemplo e revela, no Portal da Transparência, mantido pela Controladoria-Geral do Estado, informações detalhadas dos gastos públicos. Desde que a Lei 12.527 entrou em vigor, a controladoria recebeu via portal mais de 1.200 pedidos de acesso à informação, tendo respondido, até o fim de 2012, cerca de 90% das solicitações.
Na opinião do fundador e secretário-geral do Contas Abertas, Gil Castello Branco, "sem dúvida, o ponto mais polêmico da Lei de Acesso à Informação foi a divulgação dos salários", mas ele defende que o ideal é o repasse das informações com o maior detalhamento possível. "A divulgação que se pretende é a mais completa, inclusive por nome, porque não se pode informar as coisas pela metade. Sem detalhamento é difícil comparar cargos, carreiras e verificar discrepâncias."
'É preciso quebrar a cultura do segredo'
Na avaliação do cientista político Paulo Roberto Figueira Leal, por enquanto, a Lei de Acesso à Informação surtiu melhor resultado no âmbito federal. Gil Castello Branco, do Contas Abertas, concorda, mas aponta que até mesmo em entidades federais há dificuldades. "No primeiro dia de vigência da lei, solicitei informação sobre as viagens de ministros do Supremo Tribunal Federal ao exterior, e a resposta que obtive foi que a lei não havia sido regulamentada pelo Supremo, como ainda não foi, o que é um mau exemplo." Para Paulo Roberto, esse tempo já poderia ter sido superado. "Acho que os impedimentos de acesso à informação representam mais um mecanismo de proteção e manutenção de caixas pretas do que propriamente um impedimento logístico. Efetivar essa divulgação passa pela vontade política de cumprir a lei."
Castello Branco destaca ainda a dificuldade imposta por alguns órgãos. "Enquanto em alguns a informação é cifrada, descumprindo a função da transparência, já que o interessado tem que escavar para conseguir a informação, em outros, quem solicita informação passa por constrangimentos. No caso do Senado, é preciso fazer cadastro prévio para cada consulta, e o servidor que teve o salário consultado tem acesso aos dados de quem solicitou. Por conta disso, já recebemos denúncias de pessoas ameaçadas por funcionários do Congresso", denuncia.
Nesse sentido, o secretário-geral do Contas Abertas pondera que as restrições ao cumprimento da lei eram esperadas devido ao modelo de gestão pública adotado no Brasil até então, mas defende que a sociedade civil invista na cobrança de sua implantação. "O que falta para a efetivação em todas as instâncias e esferas de poder não é a questão operacional, mas quebrar a cultura do segredo, do sigilo, que vigorou por muito tempo." A população deve entender, na visão de Castello Branco, que o burocrata é apenas o gestor da informação, e a sociedade é a proprietária. "É preciso inverter a ideia de que informação é poder, porque informação é um direito. Informação deve ser regra e o sigilo, a exceção."
15 estados sem regulamentação
Levantamento do Fórum de Direitos de Acesso a Informações Públicas, até o mês passado, aponta que 15 estados ainda não haviam concluído a regulamentação da Lei 12.527. Entre as 12 unidades que já regulamentaram (incluindo o Distrito Federal), metade - Ceará, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul e São Paulo - não inseriu a exigência de divulgação dos salários. Isso quer dizer que, até os primeiros dias deste ano, das 27 unidades da federação, apenas seis estabeleceram e cumpriram esse critério. No caso de São Paulo, o governador Geraldo Alckmin teria determinado aos órgãos que publicassem a remuneração, mas a ordem não consta no decreto.
A experiência de Minas Gerais pode ser vista como bem-sucedida nesse aspecto, já que desde 30 de julho do ano passado a remuneração nominal tem espaço no Portal da Transparência estadual, apesar de alguns funcionários terem conseguido, na Justiça, o direito de não terem os nomes publicados, sob alegação de que isso poderia ferir "o direito constitucional à segurança e à inviolabilidade da intimidade e da vida privada".
http://www.tribunademinas.com.br/politica/transparencia-n-o-chega-a-salarios-1.1221697
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