terça-feira, 18 de setembro de 2012

Polícia investiga caso de suposta pirâmide - Atualização


18 de Setembro de 2012 - 07:00


Esquema de corrente financeira é desmantelado. Delegada apura crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Suspeita é de milhares de vítimas

Por Eduardo Valente e Júlia Pessôa


Um suposto esquema de pirâmide financeira foi desmantelado ontem em uma operação da 7ª Delegacia Distrital, responsável pelo Centro, com o apoio do Núcleo de Ações Operacionais da Polícia Civil (Naop) e da 1ª Delegacia Distrital, que trabalha com a região do São Mateus. Com mandados de busca e apreensão, os agentes estiveram em uma concessionária de veículos de luxo na Rua Morais e Castro, em São Mateus, em salas comerciais da Rua Barbosa Lima, no Centro, e ainda na residência do principal suspeito de coordenar o esquema na cidade, na Rua São Lourenço, Bairro São Bernardo, Zona Sudeste. A operação policial chamou atenção da população. A suspeita é de que o grupo tenha praticado crimes de estelionato, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Nos últimos seis meses, a Tribuna acompanhou a rotina de pessoas que afirmam, por meio de redes sociais, organizarem o serviço na cidade. Trata-se de um grupo de, pelo menos, sete pessoas.
Os agentes recolheram computadores, notebooks, documentos, equipamentos eletrônicos, roupas de marca, relógios, comprovantes de vendas de viagens e aparelhos eletrônicos de procedência duvidosa. Ninguém foi preso. A esposa do suspeito de chefiar a organização na cidade foi conduzida à delegacia para prestar esclarecimentos ainda durante a tarde. À noite, também compareceu ao local um casal, que teria envolvimento com as atividades exercidas.
As investigações, iniciadas há cerca de nove meses, estão sendo conduzidas pela delegada Mariana Veiga. A estimativa é de que haja milhares de vítimas no caso. "Vamos apurar quanto o grupo teria movimentado em dinheiro e identificar a legalidade e a participação das empresas no suposto esquema." As vítimas devem procurar a 7ª Delegacia Distrital, em Santa Terezinha.
Parte dos associados que teriam sido lesados pelo esquema acompanhou o andamento das ações na tarde de ontem. Foi o caso de um funcionário público, 28 anos, que disse ter empregado R$ 14 mil, dos quais teria recuperado R$ 6.200. Ele conta que entrou no grupo por meio de um amigo que teria empenhado R$ 100 mil e ganhado quase o dobro. "Vim conhecer o escritório com ele e vi pessoas saindo com muito dinheiro na hora, por isso acreditei que era possível ganhar também."
Com essa promessa de enriquecer de forma fácil, rápida e segura, milhares de juiz-foranos, como o funcionário público, teriam se envolvido na proposta tentadora do chamado Mister Colibri, empresa com sede em Fortaleza (CE), com uma ramificação em Juiz de Fora e região. O grupo realizava reuniões semanais na cidade, onde os participantes eram convocados a assistir um minuto e 30 segundos de vídeos publicitários por semana e faturar R$ 40. O preço para um "mundo de felicidades", como era citado nas redes sociais, partia de um investimento de aproximadamente R$ 600, que poderia chegar a centenas de milhares de reais. Ao longo dos meses, no entanto, a empresa foi alterando a forma de ganho, o que começou a causar a insatisfação dos associados, resultando em registros de ocorrências na delegacia.
Em Juiz de Fora, um empresário é apresentado em vídeos de divulgação como um dos cinco homens mais fortes do esquema no país. O homem, 42 anos, fundou um grupo de colibris há pouco mais de um ano e, desde então, tem investido o dinheiro em negócios diversos no município, como a concessionária de veículos de luxo, uma imobiliária, uma agência de turismo e uma seguradora, todas com a mesma marca. 
Outras investigações
Apesar de o suposto esquema de pirâmide ter sido desmantelado ontem pela Polícia Civil, ela não é a única que investiga o esquema na cidade. A Polícia Federal e o Ministério Público Estadual também acompanham a situação. De acordo com o delegado responsável pelo caso, Humberto Brandão, a empresa já era investigada há alguns meses. Segundo ele, os trabalhos vão continuar.

Como grupo buscava novos associados

Em Juiz de Fora, novos membros vinham sendo recrutados por meio de uma palestra de apresentação da empresa, que ocorria todas as terças-feiras, nas quais os membros pagavam R$ 10 de entrada, mas novatos entravam gratuitamente. Conforme a metodologia apresentada por eles, ganha mais quem conquista novos adeptos. Assim, assistir aos vídeos aumenta o saldo de Loyalty Points (LPs), já os Encashable Loyalty Points (ELPs) são pontos adquiridos pela associação de novos membros. A unidade de cada uma das modalidades era, inicialmente, convertida em dólar (US$ 2) e, atualmente, valia R$ 1. No entanto, a moeda começou a desvalorizar e era possível identificar membros tentando vender seus pontos por até R$ 0,30.
Isso porque a Mister Colibri, segundo as vítimas, teria parado de pagar seus associados para assistir vídeos. Até o mês de agosto, ainda era possível utilizar os LPs para cadastro de novos membros. Desta forma, o novo associado pagava diretamente ao antigo o valor do registro. No início deste mês, o esquema mudou, e o LP passou a ser utilizado apenas para compras de produtos com desconto. A Colibri prometia vender um tablet, com preço abaixo do mercado, com parte do pagamento em LP. Até o início desta semana, os produtos ainda não eram entregues aos interessados. 

Advogado de firma nega ação criminosa

Segundo as vítimas, o local estourado ontem era, inicialmente, utilizado para troca de pontos acumulados por dinheiro. "Eles pagavam em espécie ou cheque no próprio escritório. Depois, o pagamento passou a ser feito via transferência bancária lá em meados de junho, e foi quando muita gente parou de receber." Além de dinheiro, os afiliados puderam realizar, por algum tempo, a conversão da pontuação por smartphones, computadores, tablets e outros eletrônicos na própria empresa. "Isso coincidiu com a época em que os pagamentos eram feitos em dinheiro. Depois, ninguém mais conseguiu trocar nada aqui", diz uma estudante de 19 anos. Ainda conforme os associados, a Mister Colibri havia anunciado a criação de um E-commerce, onde os pontos obtidos poderiam ser trocados por mercadoria via internet.
Na sede estourada ontem, no Centro, havia um cartaz notificando que, devido ao lançamento do comércio virtual, apenas os cadastrados entre maio e junho que já estivessem agendados poderiam retirar os produtos no escritório. "Nunca consegui ou soube de quem conseguiu pegar os produtos pelo site. Só sei de gente que, como eu, teve 100% de prejuízo", diz um vendedor de 34 anos, que gastou R$ 30 mil, sem reaver parte alguma da quantia.Um professor de 32 anos, que recebeu R$ 13 mil dos R$ 28 mil investidos, relata ter sido ameaçado quando tentou receber a quantia restante. "Prometeram que, em um ano, eu não apenas recuperaria o que gastei, mas teria lucro."
Segundo um dos advogados da firma, Denar Lima, a empresa é de publicidade. Nela, as pessoas cadastradas assistem vídeos promocionais com objetivo de divulgá-los. "Não há qualquer atividade ilícita. O que foi apreendido durante a operação corresponde a brindes e material de trabalho. Nada do que foi encontrado aqui pode configurar algum tipo de atividade criminosa." Questionado pelas pessoas que se diziam lesadas pelo esquema e aguardavam o desenvolvimento da operação no local, ele garantiu que ninguém terá prejuízo. "A empresa estava passando por um período de ajustes e adaptações, mas todos receberão o que devem."

'Pirâmides se mantêm enquanto houver confiança'

Conforme o professor de finanças e mercado de capitais da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis da UFJF, Fabrício Pereira Soares, as pirâmides financeiras, de forma conceitual, têm as mesmas características e todas se mantêm saudáveis enquanto existir confiança e novos membros. São eles os responsáveis por fornecer lucratividade a quem está há mais tempo no esquema. "Outro fator comum nestas pirâmides é a falta de algo concreto sendo vendido. Você investe dinheiro, consegue lucro, mas não leva qualquer produto para casa."
O discurso é sustentado pelo doutor em economia Fernando Agra. O estudioso afirma não conhecer o funcionamento da Mister Colibri, e, por isso, não é possível afirmar se trata ou não de pirâmide. "Muitos me perguntam sobre isso, mas, como economista, afirmo que nenhum investimento é sustentável rendendo mais de 240% ao ano. Tudo que se paga acima da média de mercado é de se desconfiar."
Agra disse que uma pirâmide financeira funciona como uma progressão geométrica da matemática. Ele exemplificou o conceito por meio da teoria da população, publicado em 1978, que dizia que a produção de alimentos no mundo crescia em progressão aritmética (PA), e a população mundial em progressão geométrica (PG). "O crescimento em PG é multiplicado e, por isso, cresce mais rápido que o PA. Ou seja, um dia faltaria comida para alimentar a todos. O mesmo digo sobre uma pirâmide, para render lucro a todos os participantes, é necessário que a base (novos membros) cresça na mesma proporção. Se isso não acontecer, ela desaba."

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