quinta-feira, 5 de abril de 2012

Juiz de Fora: de problema a solução


Pedro Kutney, AB
De Juiz de Fora (MG) 


Ao custo de R$ 450 milhões para converter uma fábrica de carros em montadora de caminhões, a Mercedes-Benztransformou em solução um problema que se arrastou por uma década inteira. Este ano, com o início da produção dos caminhões Accelo (leve) e Actros (pesado), ao ritmo que já totalizou 2 mil veículos de janeiro a março, a planta de Juiz de Fora deixou para traz o estigma de “elefante branco”, que mal conseguiu preencher 20% de sua capacidade de produção de 70 mil unidades/ano, em uma sequência de tentativas e erros por onde passaram o Classe A (1999-2005), o Classe C (2001-2007) e o CLC (2007-2010). Agora, com os caminhões, a unidade mineira renasce como exemplo de eficiência e produtividade, ao replicar as melhores práticas mundiais de manufatura em cada uma das etapas de montagem, além de criar processos inovadores capazes de reduzir significativamente os custos de fabricação. 

Mais importante: Juiz de Fora fornece agora à Mercedes-Benz do Brasil o fôlego de capacidade produtiva de caminhões que começava a faltar na cinquentenária fábrica de São Bernardo do Campo (SP), que em 2011 passou perto do teto de 80 mil unidades/ano – isso sem colocar na conta os chassis de ônibus, eixos, câmbios e motores também fabricados na planta do ABC paulista, ocupada por operações industriais em quase a totalidade de seu 1 milhão de metros quadrados. 

Quando estiver a plena carga, a unidade mineira poderá fazer até 50 mil veículos/ano em três turnos – este ano deve fazer 12 mil, sendo 9 mil Accelo e 3 mil Actros. Com isso, ganha importância capital na estratégia da empresa para acompanhar e liderar o aumento da demanda por caminhões no mercado brasileiro e em 45 países da América Latina. 

Também há ainda muito espaço para crescer em Minas Gerais, pois as instalações industriais de 170 mil metros quadrados são uma pequena fração do terreno de 2,8 milhões de metros quadrados, dos quais 50% ainda podem ser ocupados por prédios e pátios – o restante é área de preservação ambiental, com Mata Atlântica intocada. 

MELHOR DOS MUNDOS 

Mercedes-Benz-Juiz
Linsmayer (esquerda) e Ziegler com os novos “filhotes” da fábrica da Mercedes-Benz em Juiz de Fora: o caminhão leve Accelo e o pesado Actros.

A fábrica em Juiz de Fora é hoje um curioso exemplo de “green field” (planta que nasce do zero) criada em cima de uma “brown field” (unidade já construída). Isso porque fazer caminhões é bastante diferente de produzir carros. Assim, com exceção de paredes e tetos, tudo teve de ser reconstruído. Alguns dos equipamentos de pintura (principalmente o prédio, a parte mais cara dessa instalação) e robôs de soldagem foram reaproveitados, mas a maior parte do maquinário foi trocada. E com isso as mais modernas e eficientes tecnologias de manufatura puderam ser introduzidas. 

Ronald Linsmayer, vice-presidente de operações no Brasil e COO da Daimler América Latina, ao falar da nova linha de produção, não esconde o sorriso de engenheiro que ganhou todos os “brinquedos” que queria. “Começamos do zero um projeto que agora serve de referência global para o grupo. Em 18 meses criamos aqui a mais moderna fábrica de caminhões do mundo”, comemora. “Quando decidimos transformar Juiz de Fora em fábrica de caminhões (2010), começamos a andar pelo mundo em busca das melhores práticas nas melhores unidades de produção, os benchmarks.” Segundo Linsmayer, foram avaliados e comparados, em cada planta visitada, conceitos de logística, tecnologia, manutenção, verticalização, produção e até custos fixos e remuneração dos empregados. “Analisamos tudo, juntamos e adaptamos para criar aqui o melhor dos mundos em uma fábrica limpa”, conta.

Ainda não está tudo pronto em Juiz de Fora: a pintura começa a funcionar no segundo semestre e a linha de armação (soldagem), com alto grau de robotização, deve ficar pronta no começo de 2013. A planta só não terá estamparia – essas partes continuam a ser feitas em São Bernardo, Alemanha ou por fornecedores. Por enquanto, as cabines chegam inteiras e já pintadas, entrando diretamente na montagem final, única etapa do processo que funciona plenamente até agora. No horizonte de nove meses à frente, a produção será acelerada substancialmente com a chegada das carrocerias completamente desmontadas. “Hoje, transportamos muito ar dentro das cabines inteiras (são acomodadas seis por carreta no caso do Accelo). Um caminhão poderá trazer muito mais suprimento acomodando as peças soltas”, diz Linsmayer. 

Quando as desvantagens logísticas tiverem sido superadas, a Mercedes-Benz terá uma das mais eficientes fábricas do mundo. “Ainda não conseguimos fechar todas as contas, estamos analisando, mas com todos os processos mais produtivos que introduzimos já dá para dizer que os custos de produção em Juiz de Fora são dois dígitos porcentuais menores do que em São Bernardo”, diz o executivo. 

No caso do Actros, o modelo só tem 25% de nacionalização e quase tudo vem da Alemanha. O objetivo é atingir o índice de 60% até 2014, fundamental para que o veículo possa ser financiado no Brasil com as taxas atrativas do BNDES Finame. Enquanto isso não acontece, as partes desmontadas do modelo extrapesado chegam ao porto do Rio de Janeiro e seguem de trem para um porto seco perto da fábrica, onde são desembaraçadas e vão para a montagem. No futuro, essa linha de trem poderá ter um ramal dentro da unidade industrial, facilitando a logística. Já o Accelo é quase 90% nacional, mas por enquanto a maioria dos itens vem de São Bernardo, a 500 quilômetros de distância por rodovia. Portanto, parece mais difícil trazer os componentes nacionais do Accelo do que os importados do Actros.

SOLUÇÕES INÉDITAS 

Mercedes-Benz-Juiz
Em vez de esteiras rolantes, Juiz de Fora tem AGVs: é a única fábrica de caminhões no mundo a usar os carrinhos-robôs na linha de montagem.

Ao avaliar só o que já funciona, é notória a modernidade da fábrica mineira da Mercedes-Benz. Tudo é muito limpo e claro, não há estoques e sobra espaço para futuras expansões. Os componentes chegam “puxados” por sistema computadorizado de pedidos, “just in time” e “just in sequence”, no momento certo e na quantidade/especificação exatas. As peças chegam às linhas de maneira sequenciada em bandejas para o operador, o que evita perda de tempo ou erros na escolha do componente a montar. 

Juiz de Fora é a primeira fábrica de caminhões do mundo a usar AGVs (sigla de Automated Guided Vehicles) em quase todo o trajeto da linha de montagem final. São 36 carrinhos-robôs elétricos que se autoconduzem por indução magnética, guiados por uma trilha no chão – e se alguém passar na frente param automaticamente. Os AGVs rodam dentro dos canais de produção levando chassis e cabines, substituindo com enormes vantagens produtivas as tradicionais esteiras rolantes ou teleféricos. “Na linha de arrasto, quando há algum problema é preciso parar tudo até resolver. Com o AGV, basta puxar a peça para fora e o resto continua fluindo”, explica um empolgado Linsmayer ao apontar os carrinhos rodando pela fábrica, observado de perto com um sorriso por Jürgen Ziegler, presidente da Mercedes-Benz do Brasil e CEO da Daimler América Latina. Foi ele quem convenceu a matriz a pagar pela ideia pouco ortodoxa. “Quando dissemos que ia ser tudo com AGVs o pessoal nos olhou de maneira estranha”, brinca Ziegler. 

Outra inovação está no controle de qualidade. As auditorias são realizadas em três pontos durante a montagem, antes da inspeção final. “Com isso, os erros não passam adiante, quando fica mais difícil fazer correções com o veículo já montado inteiro. Se precisar tiramos o AGV da linha. Aqui as unidades têm de chegar perfeitas ao fim da linha, sem necessidade de mandar para um ponto de reparo”, explica Linsmayer. 

Em toda a extensão dos canais de montagem, telas informam em tempo real o volume produzido, a meta para o dia e a situação naquela hora. Também são informadas as metas de qualidade em contraste com os resultados das auditorias para cada modelo em tempo real, na forma de defeitos críticos encontrados por veículo pronto – pelo que foi possível constatar, ambos os números são sempre inferiores a um por unidade. “Para resolver qualquer problema é preciso saber que eles existem”, diz Ziegler. 

Pode até parecer um “parque de diversões” da engenharia de manufatura, mas a planta Juiz de Fora foi pensada para apagar (e pagar) o passado de prejuízos com muita produtividade em cada detalhe – e assim atender aos anseios por retorno do investimento dos membros da direção e do conselho da companhia. Agora a fábrica faz o que o mercado quer comprar, de forma rápida e eficaz. 

“A decisão de investir aqui está diretamente ligada às perspectivas de forte expansão econômica no Brasil. Este país tem enorme potencial de crescimento sustentável nos próximos anos, deverá precisar de muitos caminhões nos setores agropecuário, de mineração e construção civil”, confia Linsmayer. “Em 20 anos, 1983 a 2003, nossa média de produção em São Bernardo foi de 38 mil veículos/ano. Em 2004, quando chegamos a 49 mil, achamos que era um pico anormal. Não era. O volume continuou a avançar ano após ano até os 80 mil de 2011. Chegamos ao limite lá e vimos uma oportunidade em Juiz de Fora, onde já tínhamos instalações, espaço para ampliações e mão de obra qualificada”, justifica o chefe de operações. 

FORNECEDORES

Mercedes-Benz-Juiz
Funcionários da Maxion montam as longarinas do chassi em área dentro da fábrica da Mercedes-Benz em Juiz de Fora.

Existem ainda poucos fabricantes de autopeças conectados à produção de Juiz de Fora, mas desde o primeiro dia da operação a Mercedes-Benz tratou de trazer para os galpões 101 e 102, dentro do terreno da fábrica, três fornecedores estratégicos para a montagem de caminhões: a Maxion, que faz a junção das longarinas no local e entrega as estruturas dos chassis prontas para montagem; a Seeber, que pinta peças plásticas; e a Randon, que executa a pré-montagem de agregados (como pedaleiras e radiadores, por exemplo). Também aqui há muito espaço para ampliações e outros parceiros, pois os três ocupam só metade da área de 36 mil metros quadrados dos dois galpões. 

“Por enquanto é o suficiente”, diz Linsmayer. “Mas é claro que essa busca por fornecedores precisa avançar e nós com eles, até porque vamos aumentar muito o índice de nacionalização do Actros (a meta é atingir 60% até o fim de 2014).” Ele conta que já existem conversações avançadas com um fabricante de bancos, suprimento ideal para ter ao lado da linha de produção, pois a logística de transporte de itens volumosos é sempre mais complicada e improdutiva. 

A ideia é ter integração máxima com São Bernardo, compartilhando parceiros já existentes. O executivo ressalta que não necessariamente todos precisarão ficar dentro da área da fábrica, como os três que já chegaram. “Muitos galpões industriais estão sendo construídos em toda a região, que poderão abrigar futuros fornecedores.” 

Linsmayer afirma que a estratégia é manter a manufatura 100% sob responsabilidade da Mercedes-Benz. “É nosso core business, assegura nossa qualidade, é um diferencial para a marca”, enfatiza – é a antítese do sistema modular adotado pela Volkswagen Caminhões e Ônibus (hoje MAN Latin America), no qual os fornecedores participam intimamente da produção dos veículos. Operações de pré-montagem de componentes são compartilhadas com fornecedores (como é o caso dos três instalados na fábrica), mas a Mercedes não abre mão da montagem final. Logística, manutenção e serviços são terceirizados. 

Antes de começar a operação, durante quase um ano em que a fábrica passou pela conversão, 400 empregados da linha de produção mineira passaram por treinamentos para fazer caminhões em São Bernardo, e 50 foram para Wörth, na Alemanha, onde aprenderam a montar o Actros (leia aqui). Na volta, eles atuaram como multiplicadores de conhecimento. 

Hoje Juiz de Fora conta com 900 funcionários, trabalhando em um só turno. Este número já chegou a 1,5 mil quando o Classe A era feito lá, em ritmo sempre muito abaixo da capacidade instalada. A empresa prefere não adiantar suas necessidades de contratações futuras, mas a placa de “admite-se” pode em breve ser colocada outra vez na porta da fábrica, que tem potencial para empregar mais de 2 mil pessoas se produzir em capacidade máxima de 50 mil unidades/ano – e algumas centenas mais em caso de expansão. Ao que tudo indica, produtividade e esperança estão de volta à fábrica mineira da Mercedes-Benz. 

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